Wálter Maierovitch

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Opinião

Bolsonarismo fez escola: há mais uma tentativa de golpe, agora no Congresso

É atribuída a Bertolt Brecht a afirmação de que o "pior analfabetismo é o analfabetismo político". Temos uma comprovação disso em curso no Congresso.

A proposta de emenda constitucional (PEC) que submete o STF ao poder Legislativo, de modo a alterar o sistema da separação dos poderes, é golpista.

Golpismo puro que fere de morte o Estado Democrático de Direito. Tudo indica que o golpismo bolsonarista fez escola.

Acabo de lembrar da assertiva de Brecht, dramaturgo e poeta do século passado, ao tomar conhecimento do parecer do relator da PEC que altera o sistema constitucional pétreo da separação dos poderes do nosso Estado e que acresce nova modalidade de "checks and balances" (freios e contrapesos) à sistemática que copiamos dos norte-americanos.

O relator é o deputado federal Luiz Phelippe de Orléans e Bragança (PL-SP), que entendeu que a PEC é constitucional e propôs a sua aprovação. Ela permite ao Congresso Nacional suspender decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) e rever julgamentos passados, num poder retroativo revisional.

Por partes.

Cláusula pétrea

O nosso legislador constituinte, como cláusula pétrea, estabeleceu na Constituição de 1988 a regra da separação dos poderes, suas competências, sua autonomia, sua independência e a obrigação de relações harmônicas.

No particular, a "separação dos poderes" seguiu a consagrada teoria desenvolvida pelo filósofo e político iluminista francês Montesquieu, imaginada anteriormente pelo filósofo inglês John Locke, o pai da corrente ético-política conhecida por liberalismo.

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Ora, ora. Apenas uma nova Assembleia Constituinte terá legitimidade para, por nova Constituição, mudar o sistema de organização do nosso Estado nacional.

No sistema em vigor, existe a equivalência de forças e a separação de matérias: Legislativa, Executiva e Judiciária. Um poder não se sobrepõe ao outro. E os constituintes de 88 conferiram ao órgão de cúpula do Poder Judiciário, o STF, o controle da constitucionalidade, de maneira a dar a última palavra.

DNA imperial

Na proposta do deputado Orléans e Bragança, falou mais alto o DNA imperial, atávico, espécie de intromissão moderadora do imperador — poder moderador do imperador que estava previsto em Constituição dos tempos não republicanos.

Ainda que imponha a necessidade de dois terços do Congresso para aprovação, a PEC significa mudança e gera uma perda de poder pela incapacidade de dizer o direito com exclusividade.

E tem mais, é inconstitucional mudar sistema de freios e contrapesos de modo a reduzir competência jurisdicional, de dizer o direito em caso a ser julgado.

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Atenção: o monopólio jurisdicional é do poder Judiciário (o impeachment é julgamento político, por isso, não afeta o poder Judiciário).

Até um reprovado no fundamental exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) sabe que cláusulas pétreas significam cláusulas sem possibilidade de qualquer alteração e substituíveis apenas por uma nova Constituição. Mais ainda, não dá para o poder Legislativa virar Corte de cassação, com poder rescisório de cassar retroativamente decisões.

Uma vez aprovada a PEC, teríamos uma situação chamada pelos juristas de "inconstitucionalidade dentro da Constituição". Uma mudança infeliz que só poderia acontecer por deliberação de Assembleia Constituinte.

Nesse caso, competirá ao STF, provocado, declarar a inconstitucionalidade.

Liminares monocráticas

Quanto à outra PEC, que estabelece restrições às decisões monocráticas, ela é salutar e constitucional.

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Não se cuida, ao contrário do declarado em entrevista pelo ministro Barroso, de ingerência em outro poder. Trata-se de impor, e também explicitar e lembrar a Barroso e demais ministros, da regra constitucional da colegialidade.

A suprema grita não tem fundamento, e basta olhar o passado e liminares recentes, como as de Toffoli em favor de poderosos que haviam confessado crime e proposto acordo de leniência, homologado judicialmente.

A alegação de existência de regra nova, constante do Regimento Interno do STF, é morosa e não está sendo bem observada. Além disso, a Constituição tem mais força do que o Regimento Interno do STF.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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