Anistia a golpistas será cusparada no rosto dos democratas
Com o impulso da avenida Paulista, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara, de maioria bolsonarista, está debruçada para analisar e votar, em regime de urgência, o "PL da Anistia". As sessões de ontem e hoje foram adiadas, por obstrução da oposição.
O rótulo do projeto de lei de anistia em exame é enganoso em sua abrangência, pois parece limitado ao falido golpe de Estado de 8 de janeiro.
Na verdade, o PL da Anistia é mais amplo, por beneficiar todos os golpistas, ou seja, os autores e partícipes, incluindo financiadores, caminhoneiros, bloqueadores de estradas e até Jair Bolsonaro. O ex-presidente era o real beneficiário do tentado golpe de Estado e manobrou os cordéis para tornar-se ditador.
A concessão pelo Estado nacional da renúncia de punir, por meio da anistia, é do poder Legislativo —ao contrário dos benefícios constitucionais-penais da graça e do indulto, que são de competência exclusiva do presidente da República.
Com efeito, a anistia estará, uma vez aprovada pelo Congresso, sujeita à sanção do presidente da República, pela sua natureza de lei.
Portanto, Lula terá como vetar.
O ponto
Toda anistia tem, na nossa e em legislações internacionais, a generalidade como característica.
Não se refere a pessoa determinada, mas a fatos amplos, e retroage para alcançar os envolvidos —salvo se o legislador criar exceções, mas isso não aconteceu no projeto em exame na CCJ. Lá não está escrito, por exemplo, que não cabe anistia ao presidente da República, declarado inelegível por abuso de poder político em face de convocação de diplomatas para mentir sobre fraude eleitoral por intermédio de urnas eletrônicas, pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
A anistia extingue a punibilidade. Apaga as condenações e as penas, inclusive a acumulada pena pecuniária (multa).
Constitucionalidade
No caso em tela, a CCJ da Câmara deverá concluir pela constitucionalidade do projeto.
À boca pequena, fala-se em inconstitucionalidade, mas por afrontar a essência da Constituição, que é democrática e republicana.
Lembrando: o Congresso já aprovou anistia aos torturadores do regime ditatorial iniciado em 1964. Até o torturador-mor, coronel Brilhante Ustra, foi anistiado.
Uma ação de descumprimento de preceito constitucional, à época, foi afastada pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Para a Corte, a anistia concedida aos torturadores do tempo da ditadura militar foi considerada ampla, geral e irrestrita.
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Quero receberPara vergonha geral e mácula na nossa história, o STF não considerou ter havido afronta aos direitos da pessoa humana, e os torturadores se livraram.
Com efeito, e à luz do antecedente supracitado apreciado pelo STF, não há, relativamente ao projeto em exame na CCJ, nenhuma inconstitucionalidade. Assim, a votação na CCJ resultará na declaração da constitucionalidade do projeto de lei.
Anistia, goste-se ou não, é uma renúncia em punir. Uma clemência a crimes comuns, políticos, militares, eleitorais. Remove consequências criminais de período de tensões políticas.
A anistia concedida por lei e sancionada engloba os já punidos por condenações processuais e aqueles sem condenações definitivas, além do suspeito, do objeto de investigação e do indiciado em inquérito policial
Em outras palavras, o projeto beneficiará de Bolsonaro (cairá até a sua inelegibilidade declarada pelo TSE) ao então comandante da Polícia Rodoviária Federal. Do golpista comandante da Marinha aos usados como massa de manobra no 8 de janeiro, sentenciados e presos.
Portanto, uma vez aprovado o projeto em plenário da Câmara e do Senado, com sanção, estarão impunes os golpistas, os violadores do Estado de Direito e da Constituição.
Atenção: texto expresso da Constituição estabelece não caber revogação de anistia.
A história
A anistia foi instituto fartamente usado pela Igreja, com o nome de indulgência.
A sua vergonhosa comercialização pela Igreja foi uma das causas da Reforma Protestante.
No mundo laico, recebeu o nome inicial de "indulgencia principis", conferida ao tempo do absolutismo dinástico.
Cautela
Como medida de política criminal, não é ideal a concessão de anistia precipitada, ou melhor, num arco temporal próximo aos fatos acontecidos, salvo, por evidente, hipóteses de induvidosa injustiça.
Como se percebe, não estamos diante de injustiças, mas de pessoas que efetivamente atentaram contra a democracia.
Pior, apenas os "bagrinhos" foram processados e condenados, em única instância. Os "peixes grandes" continuam intocáveis.
A anistia, que implica em esquecimento, clemência, indulgência, renúncia, concede-se em país pacificado e passados anos após os graves fatos antidemocráticos. No Brasil, ainda estamos em fase política polarizada, inadequada.
Pano rápido. A precipitação que resultará na vigência da lei de anistia representará numa cusparada no rosto dos democratas.
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