Criado como brincadeira, termo Ursal agora alimenta teorias conspiratórias
O plano de unificar toda a América Latina sob um único estado socialista, a Ursal (União das Repúblicas Socialistas da América Latina), não existe. Existem muitas iniciativas para a integração econômica da região, mas nenhuma implica que países integrantes abram mão de suas soberanias ou venham a aderir ao socialismo. A sigla foi inventada pela socióloga Maria Lucia Victor Barbosa - no artigo “Os Companheiros”, publicado em sites como o de Olavo de Carvalho, em 9 de dezembro em 2001, como uma ironia para criticar um encontro do Foro de São Paulo, realizado à época em Havana.
Carvalho voltou a usar o termo em seu site e em coluna publicada no jornal “Diário do Comércio”, em 1º de maio de 2006. Em seguida, surgiu o site “Dossiê Ursal”. De acordo com o Whois, a página foi criada em 9 de abril de 2015. Usa o provedor Dreamhost.com, que permite a ocultação do real proprietário do site nas consultas públicas. O projeto Comprova entrou em contato com um homem que se apresenta em vídeos no Facebook como o criador do site e pediu, por mensagem, informações sobre a página. O internauta, porém, disse não conceder entrevistas sobre o assunto.
Menções à sigla se tornaram virais em 2018 após o primeiro debate com os candidatos à Presidência da República, transmitido pela TV Bandeirantes no último dia 9. Na ocasião, o candidato Cabo Daciolo (Patriota) pediu para Ciro Gomes (PDT) falar sobre o “plano Ursal”. Ciro disse desconhecer este termo.
A socióloga Maria Lucia Barbosa relatou ter ficado perplexa ao ouvir a menção à Ursal no debate. “A Ursal foi uma brincadeira que virou uma teoria conspiratória”, disse em entrevista por telefone ao projeto Comprova. Ela confirmou que em 2001 usou o termo em artigo sobre o Foro de São Paulo, entidade formada por partidos e movimentos de esquerda criada em 1990 e que reúne 113 membros de 26 países. No texto, ela criticava a postura de Luiz Inácio Lula da Silva ao falar sobre a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), proposta dos Estados Unidos, que não chegou a sair do papel, para integrar as Américas. “Mas qual seria, me pergunto, essa tal integração no modelo Castro-Chávez-Lula? Quem sabe, a criação da União das Republiquetas Socialistas da América Latina (Ursal)?”, escreveu na época.
Maria Lúcia contou ter feito uma associação com a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) para inventar a sigla, que também tem tom de deboche no uso do termo “republiquetas”. “Subliminarmente tinha uma ressonância com URSS. Eu inventei essa sigla como uma crítica paralela à União Soviética”, afirmou.
A professora não acredita na possibilidade de haver um plano drástico de integração na América Latina. “Não há viabilidade de fazer isso, é uma utopia.” Vários formadores de opinião da direita disseram que a sigla Ursal pode ter sido inventada, mas que a ideia é real. Um deles foi o próprio Olavo de Carvalho.
Governos latino-americanos, de direita e esquerda, buscam integração há muito tempo. As iniciativas que saíram do papel não passam nem perto de uma grande transição ao socialismo. Têm se resumido a parcerias econômicas, mercadológicas, para circulação de pessoas e mesmo para reafirmação de valores democráticos. As principais são o Mercosul (Mercado Comum do Sul), de 1991, e a Unasul (União de Nações Sul-Americanas).
O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.
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