Senador engana ao usar falas antigas de Drauzio Varella sobre pandemia
Um vídeo postado na página de Facebook do senador Marcos do Val (Podemos-ES) engana ao reproduzir trechos de uma fala do médico Drauzio Varella no início da pandemia da covid-19. O vídeo destaca, em um tom irônico, que Varella minimizou a gravidade da emergência sanitária, mas omite que o médico já afirmou publicamente ter subestimado a doença e que, atualmente, se posiciona de maneira contrária.
A postagem do senador não informa que as declarações de Drauzio Varella são de janeiro, quando o epicentro da doença ainda era a China e o segundo país com mais casos tinha apenas 14 infectados. Elas já haviam viralizado em março após o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, publicá-las no Twitter. Naquela oportunidade, a rede social apagou as mensagens de Salles, alegando que as postagens do ministro poderiam colocar a saúde das pessoas em risco.
A publicação do senador Marcos do Val compara as falas com outro vídeo publicado por Varella em março, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) já havia reconhecido a doença como uma pandemia e, no Brasil, o Ministério da Saúde anunciava transmissão comunitária do vírus — isto é, ele já circulava livremente em território nacional.
Como verificamos?
Para apurar a publicação do senador Marcos do Val fizemos, em primeiro lugar, uma busca reversa por imagens no Google. Por meio da pesquisa, localizamos um vídeo de autoria do site Programa Resumo do Dia, postado no YouTube em março — mesmo mês em que um pronunciamento de Drauzio Varella sobre a pandemia foi tirado de contexto e viralizou nas redes sociais.
Recuperamos verificações que outras agências fizeram naquele momento para checar se o vídeo postado pelo senador teria alguma relação com o conteúdo que viralizou em março. Além disso, contatamos as assessorias de Drauzio Varella e do senador Marcos do Val.
Procuramos, ainda, o site responsável pelo vídeo, que até o fechamento desta verificação não retornou o contato.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 13 de agosto de 2020.
Verificação
O primeiro vídeo
O vídeo compartilhado pelo senador Marcos do Val é, na verdade, uma edição com trechos pinçados de duas gravações antigas, postadas por Drauzio Varella em seu canal no YouTube. A mais antiga é a que aparece do lado direito na postagem do senador. Nela, Varella tenta tranquilizar as pessoas sobre o novo coronavírus com frases como "claro que vou (continuar andando na rua)". As declarações, porém, foram dadas quando a doença estava em um estágio muito inicial.
O vídeo havia sido publicado em 30 de janeiro, praticamente um mês antes de o Brasil confirmar o primeiro caso da doença. Naquela data, a AFP informou existirem 7,7 mil pessoas contaminadas em todo o mundo e a China ainda era o epicentro da doença. O segundo país com mais casos até então era a Tailândia, com 14 pessoas infectadas.
Essas declarações do médico viralizaram pela primeira vez no dia 22 de março, quando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o senador Flávio Bolsonaro compartilharam o conteúdo sem especificar a data em que ele foi gravado. A manifestação levou a equipe de Drauzio Varella a retirar o vídeo do ar. O Twitter apagou as mensagens de Salles e o ministro pediu desculpas publicamente, afirmando que não tinha o objetivo de desinformar, mas de "demonstrar que o tema é dinâmico, complexo e comporta discussões e opiniões distintas".
O segundo vídeo
Um dia depois, em 23 de março, Drauzio publicou no YouTube o segundo vídeo usado na postagem de Do Val, o que aparece do lado esquerdo. Em trechos excluídos da publicação do senador, o médico afirma que não é hora de "politizar" a questão e afirma que é necessário seguir as orientações da ciência. Quando esse segundo vídeo foi gravado, o cenário da covid-19 se agravava no Brasil e no mundo.
Poucos dias antes, em 20 de março, o Ministério da Saúde havia anunciado a existência de transmissão comunitária do SARS-CoV-2 no Brasil. Ou seja, a partir daquele momento, o vírus estava circulando livremente no país e não era mais possível identificar a origem das infecções. O Brasil tinha, até então, 904 casos confirmados e 11 mortes pela covid-19. No dia 11 de março, a Organização Mundial da Saúde havia declarado uma pandemia em função da "disseminação geográfica rápida" da doença em uma "escala de tempo muito curta" com "níveis alarmantes de contaminação" e "falta de ação dos governos".
Até a data de publicação do segundo vídeo, 353 mil pessoas em todo o mundo haviam sido diagnosticadas com o novo coronavírus e 15 mil pessoas já haviam morrido de covid-19, segundo dados da Universidade Johns Hopkins. Esse número é 43,5 vezes maior do que o registrado em 30 de janeiro, quando Drauzio publicou o primeiro vídeo.
O que Drauzio Varella diz
Em março, quando autoridades postaram o vídeo pela primeira vez, o portal Drauzio Varella publicou uma nota classificando as publicações como "desserviço". "No início deste ano, a pandemia não havia chegado ao Brasil, portanto, produzimos conteúdo para acalmar a população que, à época, não tinha motivos para alterar o ritmo de vida diário", explica o texto. Segundo a nota, a mudança de tom nos vídeos se deve à "mudança drástica" na situação da pandemia. "Orientações antigas não servem para este momento", argumenta o texto.
Em abril, em entrevista ao UOL, o médico admitiu ter subestimado a gravidade da doença em âmbito mundial. "Não só eu, muitos [especialistas] subestimaram o que estava acontecendo. E o que aconteceu é que nenhum país se preparou no Ocidente. A Itália não se preparou, a Espanha não se preparou, os Estados Unidos não se prepararam", afirmou Drauzio na ocasião.
A assessoria do médico destacou, em e-mail enviado ao Comprova, que — em se tratando de ciência — a mudança de posicionamento é natural. "É justamente assim que a ciência funciona. Fazendo deduções embasadas no conhecimento científico prévio, testando hipóteses, descobrindo que deduções anteriores estavam equivocadas, identificando onde está o equívoco e corrigindo", afirma.
A nota ressaltou ainda que, na época, a opinião de Drauzio sobre a covid-19 era a mesma de outras autoridades médicas, como do infectologista americano Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos. "Em janeiro, a doença não havia chegado àquele país, e só nos últimos dias daquele mês chegaria à Itália. Foi a situação italiana que tornou mais evidente para o mundo o potencial da doença", argumenta.
Em relação à postagem do senador Marcos do Val, a assessoria considera que os trechos dos vídeos do médico foram usados de maneira indevida, e reitera que tirá-los do contexto é um "desserviço" à saúde. A nota afirma ainda que "tal conduta mostra que o compartilhamento é feito por alguém que, nitidamente, tem pouco ou nenhum conhecimento sobre ciência, ou tem propósitos que desconhecemos".
Quem é e o que diz Marcos do Val
Marcos do Val foi eleito senador pelo Espírito Santo em 2018, e cumpre atualmente seu primeiro mandato. Ex-militar, o parlamentar é vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional e titular de outras sete comissões no Senado.
Segundo informações do jornal Folha de S.Paulo, o senador destinou a municípios do Espírito Santo mais de R$ 10 milhões para a compra de medicamentos sem comprovação científica para a cura ou a prevenção do coronavírus — como a ivermectina, azitromicina e hidroxicloroquina (todos já foram objeto de verificações do Comprova). Os recursos advieram da portaria 1.666/20, por meio da qual o governo federal concedeu R$ 13,8 bilhões para ações de enfrentamento à pandemia.
Procurado pelo Comprova, o senador afirmou que, em ambos os vídeos, a fala comprovadamente é de Drauzio Varella. Segundo Do Val, ninguém falou pelo médico ou forjou o vídeo. "Se o médico, que é uma pessoa pública e sabe das suas responsabilidades perante a sociedade, fez mesmo assim os vídeos e depois achou conveniente 'retirar' do ar, não significa que não seja verdadeiro, portanto não compreendemos o seu questionamento", afirmou o senador, por meio de nota.
Recentemente, o senador esteve envolvido em outro caso de promoção de desinformação nas redes sociais. No dia 6 de agosto, a Justiça do Rio de Janeiro ordenou, em decisão liminar, que Do Val excluísse publicações consideradas ofensivas e difamatórias contra o ex-deputado Jean Wyllys (PSOL). Nas postagens, o senador relacionou, sem apresentar qualquer prova, Wyllys a Adélio Bispo — que cometeu um atentado contra o presidente Jair Bolsonaro durante a campanha presidencial de 2018.
Por que investigamos?
Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos sobre a pandemia de covid-19 que tenham viralizado nas redes sociais. É o caso desse vídeo, que teve mais de 53 mil interações na página do senador Marcos do Val no Facebook e 28.887 visualizações no Youtube. O conteúdo tem sido compartilhado em páginas de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nas redes sociais, segundo dados da ferramenta CrowdTangle.
Verificações como esta são importantes porque o compartilhamento de conteúdos enganosos ou fora de contexto sobre a pandemia de covid-19 pode levar as pessoas a avaliarem mal o risco de infecções, e fazer com que elas se exponham a contaminação. O fato de o médico Drauzio Varella ser conhecido nacionalmente é um agravante nesse contexto.
Desde o início da pandemia, mais de 20,7 milhões de pessoas em todo o mundo foram diagnosticadas com o novo coronavírus. Dessas, 751,4 mil faleceram em decorrência da covid-19, segundo dados da Universidade Johns Hopkins. No Brasil, o Ministério da Saúde já registrou mais de 3,1 milhões de infectados e 104,2 mil óbitos pelo Sars-CoV-2.
Quando o vídeo com as falas do médico Drauzio Varella viralizou pela primeira vez, em março, a AFP, a Folha de S.Paulo, o Estadão Verifica e a Agência Lupa classificaram o conteúdo como enganoso ou fora de contexto.
Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado ou o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
*O material foi produzido por veículos integrantes do projeto Comprova: "Jornal do Commercio" e "Nexo"
O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.