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Uma iniciativa do UOL para checagem e esclarecimento de fatos


Vacina que teve estudos suspensos no Peru não é a mesma testada no Brasil

Médica participa de testes de vacina contra covid na Rússia - Tatyana Makeyeva/Reuters
Médica participa de testes de vacina contra covid na Rússia Imagem: Tatyana Makeyeva/Reuters

Do UOL, em São Paulo*

15/12/2020 12h22

É enganoso um artigo publicado pelo site Jornal da Cidade Online sobre a suspensão dos testes de uma vacina chinesa no Peru. O texto, publicado no sábado, 12, não mencionava em nenhum momento qual a empresa responsável pelo imunizante. Apenas nesta segunda-feira, 14, o link foi atualizado para incluir a informação de que a vacina suspensa é da Sinopharm, que não realiza ensaios clínicos no Brasil. É outra farmacêutica chinesa, a Sinovac, que produz uma pesquisa em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo.

A Sinopharm tem duas candidatas a vacina contra covid-19 na fase três de testes — uma em parceria com o Instituto Biológico de Wuhan e outra com o Instituto Biológico de Pequim. O imunizante que teve o estudo suspenso no Peru é testado nos seguintes países: Emirados Árabes Unidos, Barein, Egito, Jordânia e Argentina. O governo do Paraná chegou a firmar um acordo com a farmacêutica chinesa para testagem no estado, mas a parceria não vingou.

Os testes da Sinopharm foram suspensos no Peru após um voluntário ter sentido fraqueza nas pernas. O Ministério da Saúde do país informou que ainda investiga se esse sintoma foi causado pela vacinação. No sábado, 12, o responsável pela pesquisa no Peru, Germán Málaga, da Universidad Peruana Cayetano Heredia (UPCH), disse à imprensa local que "há muito pouca probabilidade" de relação com o imunizante. Segundo o médico, o resultado da investigação sobre o evento adverso ficaria pronto em três dias.

Os comentários da postagem do Jornal da Cidade Online no Facebook evidenciam que muitas pessoas entenderam que a vacina suspensa no Peru é a mesma produzida em São Paulo em parceria com o Butantan. "O (governador do Estado, João) Doria calça justa tem que tomar primeiro com a família dele e esquecer a população porque ninguém quer tomar essa droga de vacina da China", escreveu um usuário.

Procurado pelo Comprova, o site respondeu por e-mail que fez uma atualização da matéria, informando que a vacina foi desenvolvida pelo laboratório Sinopharm.

Como verificamos?

Pesquisamos sobre a suspensão de testes da vacina chinesa na imprensa brasileira e peruana. Também procuramos posicionamentos oficiais do Ministério da Saúde do Peru e da Sinopharm, mas não conseguimos contato com a farmacêutica chinesa.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 14 de dezembro de 2020.

Verificação

Qual é a vacina chinesa testada no Peru?

A vacina da Sinopharm testada no Peru usa a tecnologia de vírus inativado e é produzida em parceria com o Instituto Biológico de Wuhan. Os estudos tiveram início em julho de 2020. Segundo divulgação do Ministério da Saúde do Peru, a Sinopharm iniciou os testes no país em setembro, com 6 mil voluntários e, em outubro, pôde duplicar a quantidade de pessoas submetidas ao teste.

O mesmo texto afirma que, além da Sinopharm, a Johnson e Johnson também iniciou testes da fase 3 no país em novembro, com 3,5 mil voluntários. O governo do Peru até o momento informa ter acordo para aquisição de 9,9 milhões de doses da vacina da Pfizer, com uso já autorizado nos Estados Unidos, e mais 13,2 milhões de doses por meio da iniciativa de colaboração Covax Facility.

A mesma vacina já foi aprovada pelo Ministério da Saúde dos Emirados Árabes Unidos. Lá, os estudos de fase três atestaram 86% de eficácia, de acordo com o órgão de saúde. A fabricante chinesa não divulgou dados sobre os testes.

De acordo o plano de imunização do governo brasileiro, que lista todas as vacinas em fase três de testes no mundo, o imunizante da Sinopharm teve eventos adversos "leves e de curta duração, caracterizados principalmente por dor no local da aplicação e febre, sem registro de eventos adversos sérios".

Quais foram os sintomas do voluntário peruano?

O pesquisador Germán Málaga, da UPCH, explicou ao jornal El Comercio, do Peru, que um voluntário de 64 anos teve fraqueza nas pernas depois de receber a vacina produzida pela Sinopharm. "Parece mais uma neuropatia diabética; no entanto, há uma possibilidade mínima de que tenha sido Guillain-Barré e por motivos de segurança o estudo foi suspenso", esclareceu.

A Síndrome de Guillain-Barré é uma doença autoimune rara, que acomete de 1 a 4 pessoas a cada 100 mil habitantes. Um dos sintomas é justamente a fraqueza nos membros inferiores.

Málaga acrescentou que a probabilidade de que haja relação com a vacina é "muito pequena", porque o paciente tem diabetes mal-controlada há muitas décadas. "O paciente está bem, felizmente é um evento leve, o paciente está se recuperando, ele está em bom estado e todo o apoio está sendo dado a ele para recuperar sua saúde", disse o médico.

Segundo Málaga, as investigações sobre uma possível relação com o imunizante levariam 72 horas. Depois disso, os testes poderiam ser retomados. No Peru, 11,7 mil voluntários receberam doses da vacina chinesa.

A decisão de suspender os estudos foi divulgada pelo Instituto Nacional de Saúde do Peru no dia 11 de dezembro. O Ministério da Saúde peruano apoiou a decisão em um comunicado no dia seguinte, em que informou que o evento adverso estava sob investigação. Segundo o órgão de saúde, a suspensão temporária é uma medida de segurança prevista pelo Regimento de Ensaios Clínicos.

Qual a vacina chinesa testada no Brasil?

No Brasil, a vacina é produzida por outra fabricante chinesa, a Sinovac Biotech, e é testada em parceria com o Instituto Butantan em 17 centros de pesquisa (página 65). Esse imunizante também usa a tecnologia de vírus inativado. Os testes chegaram a ser suspensos em novembro após a morte de um voluntário, mas foram retomados depois que a causa do óbito foi apontada como suicídio.

A suspensão de estudos já ocorreu inclusive em testes de outros imunizantes, como a vacina da Universidade de Oxford com a farmacêutica AstraZeneca, que teve estudos interrompidos após uma reação adversa relatada por um voluntário no Reino Unido, em setembro. Quatro dias depois, com a análise do caso, os desenvolvedores anunciaram a retomada dos testes.

Os resultados de eficácia da fase três seriam divulgados até esta terça-feira, 15. No entanto, a divulgação foi adiada para incluir novos dados de voluntários infectados pelo novo coronavírus. É a terceira vez que o governo de São Paulo adia o anúncio desses dados.

No sábado, o governador João Doria (PSDB) voltou a dizer que a previsão de início da campanha de vacinação no Estado é no dia 25 de janeiro.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos duvidosos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia do novo coronavírus.

Os conteúdos enganosos relacionados às vacinas em desenvolvimento contra a covid-19 podem interferir na confiança da população em relação aos imunizantes e reduzir a adesão à vacinação quando o país tiver um plano de proteção implantado. A imunização das pessoas por meio de vacina é vista como a principal estratégia capaz de promover uma ampla proteção e encerrar a pandemia.

Até a tarde desta segunda-feira (14), a publicação do Jornal da Cidade Online que não indicava qual vacina chinesa fora alvo de suspensão dos testes no Peru já havia sido postada mais de 500 vezes no Facebook, com mais de 88 mil reações, 53 mil compartilhamentos e 23 mil comentários, segundo dados da ferramenta CrowdTangle. A desinformação associando a CoronaVac à vacina que teve os testes suspensos no Peru também vem circulando em montagens de páginas no Facebook. Na tarde desta segunda (14), a plataforma já sinalizou o conteúdo como falso.

O Comprova já verificou outros conteúdos que traziam informações incorretas sobre a covid-19 e a vacina chinesa desenvolvida pelo laboratório Sinovac, como a publicação que sugeria que um laudo descartaria suicídio como causa da morte de um voluntário da CoronaVac, outra que sugeria que o Instituto Butantan não teria informado a morte de um voluntário da vacina chinesa e outra que afirmava que a CoronaVac teria matado voluntários e causado danos neurológicos ou de DNA. Verificações também mostraram que é enganosa uma publicação que sugeria que a China não usaria a própria vacina contra covid-19.

A publicação sobre a suspensão dos testes da vacina da Sinopharm no Peru também já foi alvo de verificações de outras agências de checagem, como a Aos Fatos e a Boatos.org.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações.

*O material foi produzido por veículos integrantes do projeto Comprova: Estadão e NSC

O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.