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Uma iniciativa do UOL para checagem e esclarecimento de fatos


Frase de Daniel Alves de 2019 é tirada de contexto para defender Bolsonaro

10.out.2019 - Daniel Alves durante amistoso da seleção brasileira contra o Senegal, em outubro de 2019 - Lucas Figueiredo/CBF
10.out.2019 - Daniel Alves durante amistoso da seleção brasileira contra o Senegal, em outubro de 2019 Imagem: Lucas Figueiredo/CBF

Do UOL, em São Paulo

09/06/2021 11h23Atualizada em 11/06/2021 13h09

São enganosas as postagens em grupos do Facebook que afirmam que o jogador de futebol Daniel Alves, lateral direito do São Paulo e ex-capitão da seleção brasileira, saiu em defesa do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e disse "tudo que o Tite merecia ouvir" sobre a realização da Copa América no Brasil. As declarações são verdadeiras, mas estão fora de contexto. Elas foram feitas em 2019, quando o Brasil venceu a Copa América no Rio de Janeiro, e não mencionam o técnico Tite, tampouco foram direcionadas a ele.

Na ocasião, Daniel Alves era capitão da seleção. Bolsonaro estava no estádio e chegou a entregar medalhas aos jogadores. No entanto, ao pisar no gramado para participar da cerimônia, recebeu vaias. Daniel Alves, em entrevista após a cerimônia, manifestou desconforto com a reação da torcida diante do presidente e deu a declaração que, agora, circula entre grupos bolsonaristas como se fosse direcionada ao técnico Tite e como se tratasse da atual edição da Copa América.

"O presidente é a maior autoridade de seu país. Como cidadão brasileiro, tenho que respeitar o presidente da República. Se gostam ou não gostam, não é o lugar de opinar. Porque ele foi eleito pelo povo. As pessoas votaram. Ele não comprou o direito de ser presidente. Eu desejo que ele melhore nosso país, aumente a esperança dos nossos cidadãos. E que as pessoas saibam que o respeito é o princípio de tudo", disse Daniel. A declaração foi publicada na imprensa na época.

Os ataques de apoiadores de bolsonaristas ao técnico da seleção começaram no final da manhã da última sexta-feira (4), um dia depois de Tite dizer, numa entrevista coletiva, que a posição da equipe técnica e dos jogadores era "muito clara" em relação à realização da competição no Brasil em meio à pandemia. Após a entrevista, foi levantada a hashtag #ForaTite nas redes.

No dia 10 de junho de 2021, o usuário do Facebook autor da postagem mais antiga encontrada pelo Comprova respondeu que não foi o criador do conteúdo e que apenas usou uma postagem de outra pessoa em sua conta no Facebook, cuja origem ele desconhece. "Porém o que o Daniel postou de fato é de 2019 vale como se fosse para os dias de hoje seja pro Tite ou qualquer outro treinador que venha dirigirem nossa seleção (sic)", escreveu.

Como verificamos?

O primeiro passo foi buscar o texto exato da suposta declaração de Daniel Alves em seus perfis oficiais no Twitter, Instagram e Facebook. O Comprova não encontrou declarações sequer similares ao conteúdo compartilhado em posts de pelo menos dois grupos e dois perfis diferentes no Facebook em nenhuma das redes sociais do jogador.

Em seguida, fizemos uma busca pela declaração no Google. Os resultados levaram a uma reportagem publicada em 8 de julho de 2019 pelo "El País" e, mais recentemente, em 25 de março de 2020, recuperada em um texto no site da revista "Veja", que mostra uma mudança de discurso do jogador sobre o presidente.

Também consultamos duas checagens já publicadas sobre o assunto pelo Estadão Verifica, parceiro do Projeto Comprova, e pelo Boatos.Org.

Por fim, procuramos por declarações do técnico da seleção brasileira, Tite, que pudessem ter despertado a reação dos grupos bolsonaristas contra ele. Encontramos uma publicação do jornal "O Povo", integrante do Comprova, e outra do Yahoo Notícias.

O Comprova procurou o autor do post feito primeiro, ainda pela manhã do dia 5 de junho, mas não obteve resposta até a publicação desta checagem. No dia 10 de junho, ele respondeu que havia copiado a postagem de outra pessoa e que, mesmo sabendo que a postagem de Daniel Alves era de 2019, ela "vale como se fosse para os dias de hoje".

Verificação

  • A declaração e os posts

Em pelo menos dois grupos do Facebook de apoio ao ministro bolsonarista Tarcísio Freitas, da Infraestrutura, foi compartilhado um post contendo uma declaração entre aspas atribuída ao jogador Daniel Alves, junto com uma montagem de duas fotos: uma do atleta e outra do técnico da seleção brasileira de futebol, Tite. Junto com a declaração, aparece uma frase: "Daniel Alves diz tudo que o Tite merecia ouvir".

A declaração do jogador de futebol é verdadeira, mas foi tirada de contexto porque não foi feita em 2021, não tem relação com a atual edição da Copa América e nem foi direcionada ao técnico. Daniel Alves fez a declaração em julho de 2019, quando o Brasil venceu a Copa América disputada no Rio de Janeiro e se mostrou desconfortável com as vaias do público presente no estádio do Maracanã ao presidente Jair Bolsonaro, que entregou medalhas aos jogadores.

Na ocasião, Daniel Alves havia dito que não se importaria com a presença do presidente da República no estádio e, após as vaias, deu a declaração à imprensa, afirmando que o presidente era "a maior autoridade do país" e que "se gostam ou não, (o estádio) não é o lugar de opinar".

Os posts recuperam a frase na íntegra, mas enganam ao não deixar claro que as declarações foram feitas há quase dois anos e não têm relação com o atual debate sobre a realização da Copa América no Brasil.

  • Ataques a Tite

As postagens foram feitas no dia 5 de junho, um dia depois de o técnico Tite começar a ser atacado nas redes sociais após conceder uma entrevista coletiva no dia anterior, 3 de junho. Na coletiva, o treinador fez uma crítica velada à realização da Copa América no Brasil em plena pandemia e disse que a posição da equipe era "muito clara" sobre o assunto. A hashtag #ForaTite chegou a ficar nos trending topics do Twitter ao longo do dia 4 de junho.

Ao falar de uma posição "muito clara", Tite se referia a um posicionamento também dos jogadores da seleção brasileira, que já vinham se manifestando sobre a possibilidade de não jogar a competição e haviam pedido uma reunião direta com o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Rogério Caboclo, antes de ele ser afastado por conta de uma denúncia de assédio sexual e moral.

A Copa América de 2021 seria realizada, por conta da pandemia, em dois países: Colômbia e Argentina. No dia 20 de maio, contudo, o ministro dos Esportes da Colômbia, Ernesto Lucena, pediu o adiamento da competição para novembro, o que não foi aceito pela Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol). A Colômbia, então, informou que a Copa América não seria mais realizada no país.

Já a Conmebol disse que os jogos seriam mantidos no outro país sede, a Argentina, mas o país também se manifestou contra a realização do torneio lá por conta da pandemia, no dia 30 de maio. Isso levou a Conmebol a cancelar o evento na Argentina e buscar outro país sede. No dia seguinte, 31 de maio, a entidade anunciou que a competição aconteceria no Brasil. O aceite do governo brasileiro à realização da Copa América aqui gerou uma onda de protestos nas redes, inclusive do narrador Luis Roberto, da Rede Globo, que disse em vídeo que a decisão era um "acinte", um "tapa na cara dos brasileiros".

Foi a partir desta decisão que os jogadores se reuniram com o técnico Tite no dia 3 de junho, véspera da partida contra o Equador pelas Eliminatórias da Copa do Mundo, e manifestaram a posição de não jogar a Copa América. Já havia uma animosidade anterior de grupos apoiadores de Bolsonaro contra o técnico da seleção. Na Copa América de 2019, a mesma em que foi feita a declaração de Daniel Alves, uma imagem ficou famosa ao mostrar Tite se esquivando de cumprimentar Bolsonaro ao receber a medalha de campeão da competição do presidente.

Nesta segunda-feira, 7, os atletas da seleção anunciaram que vão, sim, disputar a Copa América e que se manifestariam sobre o assunto após jogo nesta terça-feira, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo.

  • Alvo de apoiadores

O deputado federal José Medeiros (Podemos-MT), vice-líder do governo na Câmara dos Deputados, foi um dos perfis com mais engajamento no Twitter na onda de posts contra Tite. Uma postagem feita ainda na madrugada do dia 4 de junho teve mais de 8 mil curtidas. O parlamentar seguiu fazendo ataques ao treinador nos dias seguintes e afirmando que ele deveria ser demitido.

Outros deputados da base de Bolsonaro também se manifestaram. Coronel Armando (PSC-SC) atacou os atletas e disse que eles estavam sendo manipulados por Tite. Bibo Nunes (PSL-RS) afirmou que o protesto dos jogadores era "antipatriotismo e irresponsabilidade". Carla Zambelli (PSL-SP) disse que partiu da equipe politizar a realização da competição no Brasil.

Filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ) chamou Tite de "hipócrita" e "puxa-saco de Lula" em um vídeo postado nas redes sociais.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos sobre a pandemia e sobre políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. Os posts verificados aqui alcançaram mais de 22 mil interações no Facebook desde o dia 5 de junho, embora dois dos posts estejam indisponíveis. Outros dois foram sinalizados pelo próprio Facebook como "sem contexto".

Posts que tiram informações de contexto podem enganar pessoas na medida em que as faz acreditar que uma pessoa com forte engajamento nas redes e reconhecida pela trajetória no futebol - o jogador Daniel Alves - fez uma crítica direta ao técnico Tite em defesa do presidente Jair Bolsonaro. A realização da Copa América no Brasil vem sendo alvo de críticas por ter sido autorizada pelo governo em plena pandemia, mesmo que a crise sanitária tenha sido a razão para o cancelamento no Brasil e na Argentina.

O conteúdo desta checagem já foi verificado pelo Estadão Verifica, Aos Fatos e Boatos.Org.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado de contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Este conteúdo foi investigado pelo Jornal Correio e verificado por Folha, Correio de Carajás, O Estado de S. Paulo e O Popular. A checagem foi publicada pelo projeto Comprova no dia 8 de junho de 2021 e atualizada em 11 de junho de 2021.

O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.