Post engana ao comparar atos do presidente austríaco em NY com Bolsonaro
É enganoso o post viral que compara Alexander Van Der Bellen, presidente da Áustria, e Jair Bolsonaro (sem partido), por comerem na rua em Nova York. O conteúdo ignora a situação dos dois mandatários: o austríaco está vacinado com duas doses contra a covid-19 e poderia comer dentro do restaurante, se quisesse; já o brasileiro afirma não estar imunizado e não poderiam acessar os restaurantes da cidade, que exigem o certificado de vacinação.
O post engana ao não contextualizar essa informação, passando a ideia de que Bolsonaro não estaria fazendo nada errado ao não se vacinar. Na ocasião, os dois presidentes estavam em Nova York para participar da Assembleia Geral da ONU. Bolsonaro chegou a ser criticado por Bill de Blasio, prefeito da cidade, que afirmou que, se ele não quisesse se vacinar, que não se incomodasse de ir ao destino.
Procurada, a autora do post verificado aqui apagou o tuíte e bloqueou a jornalista que fez o contato.
A reportagem também tentou contatar o site Jornal da Cidade Online, que publicou o conteúdo, mas nenhum deles respondeu até a publicação deste texto.
O Comprova considerou o conteúdo enganoso porque ele é usado de uma forma que induz a uma interpretação que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Como verificamos?
Primeiramente, fizemos uma análise do vídeo em busca de pistas que pudessem esclarecer sobre a veracidade da gravação. O nome do estabelecimento aparece nas imagens e, a partir disso, localizamos o endereço e comparamos com imagens do Google Street View.
Contatamos, então, o estabelecimento. Via mensagem privada no Instagram, foi confirmado que o austríaco esteve lá.
Tentamos falar com a equipe de Van Der Bellen por meio do site oficial do presidente, mas não tivemos resposta. O próximo passo foi analisar a conta verificada dele no Instagram, onde encontramos dois stories que mostram a refeição referida no vídeo. Por essas postagens, tivemos também a confirmação da data. O dia foi comprovado ao compararmos o vídeo do post enganoso com imagens de reportagens que mostraram o presidente austríaco e a comitiva com as mesmas roupas em uma visita à obra próxima à lanchonete no dia 23 de setembro.
Verificamos também o contexto dos atos. Por meio de pesquisas em reportagens e sites oficiais, foi possível comprovar as regras de saúde de Nova York. Também buscamos notícias e postagens nas redes sociais oficiais do governante austríaco para confirmar se ele havia se vacinado.
Não foi possível confirmar quem fez o vídeo, mas a reportagem fez contato com a autora do post que mais repercutiu no Twitter via mensagem privada na rede e, via Instagram e e-mail, com o site Jornal da Cidade Online, que também replicou o vídeo.
Verificação
Cachorro-quente na rua
Em um dos trechos do vídeo em que o presidente austríaco aparece comendo foi possível ver a placa indicando o nome da rua: 1 Av, ou First Avenue. Com essa informação, a reportagem encontrou no Google Maps o estabelecimento onde o vídeo foi gravado - na esquina da avenida com a 14th Street. Também foi possível verificar mais elementos em comum, como uma placa estendida em um prédio do outro lado da avenida (em destaque nas imagens abaixo).
Diferentemente do que a mulher que gravou o vídeo afirma, o local se chama Papaya Dog, e não Papadinos. O nome pode ser lido na própria gravação.
É uma lanchonete estilo fast food que vende cachorro-quente e outras comidas, como pizza - inclusive, no vídeo, a narradora diz que o austríaco está comendo pizza, mas, segundo os stories da conta verificada de Van Der Bellen no Instagram, ele consumiu um cachorro-quente.
O presidente publicou fotos da ocasião na seção "destaques" do perfil junto a outros registros da viagem a Nova York. A imagem traz a pergunta "O que seria de Nova York sem cachorro-quente?", enquanto mostra o momento em que Van Der Bellen recebeu o lanche típico americano.
Procurado via Instagram, o Papaya Dog confirmou a visita do austríaco ao local.
No mesmo dia em que foram à lanchonete, Van der Bellen e a comitiva visitaram as obras de construção de um muro às margens do East River, cuja intenção é proteger Nova York de consequências das mudanças climáticas, como tempestades e o aumento do nível do mar, como mostra matéria do Wiener Zeitung.
Reportagem em vídeo do jornal Tiroler Tageszeitung traz Van der Bellen e outras pessoas da delegação no local da obra com as mesmas roupas com as quais aparecem no vídeo verificado aqui e no stories do presidente.
| Integrantes da comitiva austríaca em Nova York aparecem com a mesma roupa em reportagem do dia 23 de setembro e no vídeo que repercutiu nas redes sociais
Conteúdo excluído
A reportagem não conseguiu encontrar quem fez a gravação. Foi feito contato com a autora de post que teve mais de 5 mil visualizações no Twitter até 29 de setembro (@brom_elisa), mas, assim que leu a mensagem, ela bloqueou a jornalista e excluiu o tuíte enganoso.
Opção x exigência
Apesar das similaridades nas situações, por comerem uma refeição popular em pé e em ambiente aberto em Nova York, os contextos de Jair Bolsonaro e Alexander Van Der Bellen são diferentes.
Para o presidente brasileiro, a situação ocorreu por falta de alternativa, já que ele afirma não ter se vacinado contra o coronavírus. Estabelecimentos da cidade exigem, desde agosto, a apresentação de um "passaporte da vacina" para quem quer comer em ambientes fechados.
A pizza não foi a única refeição de Bolsonaro na rua. No dia 20 de setembro, ele também comeu na área externa que a churrascaria brasileira Fogo de Chão abriu para atender clientes que não se imunizaram. Pelas regras da cidade, o presidente brasileiro não poderia usar o ambiente interno; uma situação diferente da do austríaco.
Van der Bellen se vacinou, como mostrou em publicação nas redes sociais. Na viagem aos Estados Unidos, ele visitou um conterrâneo que é pesquisador em um renomado centro de virologia no país norte-americano, destacando que a mensagem dos cientistas é "vacinar, vacinar, vacinar". No começo de setembro, o presidente fez um apelo para que austríacos que ainda não tivessem se imunizado o fizessem.
Passaporte da vacina
Van der Bellen, inclusive, promoveu no dia 11 de julho o certificado digital de covid, uma espécie de passaporte da vacina que é aceito na Áustria e em outros países da União Europeia.
O documento eletrônico comprova que o indivíduo foi vacinado, testou negativo para a doença ou já se recuperou dela, o que permite a entrada em hotéis, restaurantes e outros estabelecimentos.
Em maio de 2020, quando quebrou a regra do lockdown no próprio país, Van der Bellen reconheceu o erro e pediu desculpas.
Já Bolsonaro é contra a medida, defendida por cientistas. Em junho, ele disse que vetaria proposta nesse sentido e, em 30 de setembro, afirmou que a medida é uma "maneira de discriminar e separar as pessoas".
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O post no Twitter verificado aqui teve mais de 5 mil visualizações e mais de mil interações.
O conteúdo tenta minimizar críticas feitas à postura de Bolsonaro diante da pandemia ao comparar com ato isolado de Van der Bellen, mas é enganoso ao ignorar o contexto das duas ocasiões. O post sugere que não há nada errado na postura do presidente brasileiro de não se vacinar, sendo que a imunização é um dos principais meios de combate ao coronavírus.
Tal conclusão foi possível de ser percebida, inclusive, a partir de alguns comentários - como "Acho que ele também estava proibido de entrar em restaurantes" e "É o Bolsonaro fazendo escola! Mito!" - que mostram que alguns seguidores entenderam que o austríaco também não teria se imunizado e que o brasileiro faz certo ao não se proteger.
Enganoso, para o Comprova, é conteúdo que foi retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.
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