Não, vacinas não têm vírus e fungos do câncer
Vacinas não têm vírus e fungos que causam câncer para "matar lentamente os pobres, os feios e os velhos". A alegação compartilhada em vídeo nas redes sociais não tem comprovação científica. O câncer não está relacionado à aplicação de qualquer imunizante, segundo o Butantan. O Instituto Nacional do Câncer também desmentiu a publicação e reforçou que "as vacinas são um dos principais métodos de prevenção de doenças infecciosas e não são causadoras de doenças".
Conteúdo investigado: Vídeo em que um homem que se diz "estudioso das vacinas" alega que os imunizantes, em especial aqueles contra o H1N1, teriam "vírus e fungos do câncer". Ele diz que os imunizantes são usados para controle populacional.
Na gravação, ele cita especificamente que vacinas contêm o VRS Virus, o Papiloma Vírus Humano (HPV), o Mumps Virus, o vírus da Herpes e diz que esses são os causadores silenciosos da doença.
Onde foi publicado: TikTok, Facebook e YouTube.
Conclusão do Comprova: É falso o conteúdo de um vídeo que alega que as vacinas, especialmente a que previne contra o vírus H1N1, estejam sendo usadas para matar lentamente os pobres, os velhos e os feios. A postagem compartilha a gravação de um senhor que mente ao dizer que os imunizantes contêm "vírus e fungos do câncer".
Em resposta às alegações, o Instituto Butantan explicou ao Comprova que "é errado afirmar que a vacina contra influenza causa câncer, uma vez que não há comprovação científica de que a doença está correlacionada à aplicação de quaisquer imunizantes".
O instituto também ressaltou que as vacinas, na realidade, têm o potencial de prevenir alguns cânceres que podem ser causados por vírus. Um exemplo é a vacina contra o HPV, disponível na rede pública para pessoas com idade entre 9 e 14 anos. O imunizante protege contra o vírus que é responsável pelo câncer de colo uterino, de pênis, anal e oral. O Butantan citou ainda a vacina contra hepatite B, que previne o câncer de fígado.
O Instituto Nacional do Câncer (Inca) também desmentiu a postagem. A médica infectologista Marianne Monteiro, chefe da divisão clínica do Inca e membro da Comissão de Controle e Infecção, explicou que "as vacinas são um dos principais métodos de prevenção de doenças infecciosas e não são causadoras de doenças".
A especialista também comentou que a vacina contra o H1N1 está liberada para pacientes com imunossupressão, inclusive câncer. "Os profissionais de saúde devem ser vacinados e também dar as orientações para a vacinação de seus pacientes", concluiu.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Compartilhado em 30 de abril no TikTok, o vídeo checado somava, até a manhã do dia 8 de maio, 420,9 mil visualizações, 22,6 mil curtidas e 2 mil comentários.
Como verificamos: O Comprova consultou o Butantan, produtor da vacina contra o vírus H1N1 no Brasil, e o Inca para falar sobre a suposta relação entre as vacinas e o desenvolvimento de câncer.
Também pesquisou no site da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre as vacinas que usavam vírus em suas composições e a explicação de como elas são feitas para que se garanta a segurança do imunizado.
Vacinas que usam vírus
Atualmente existem vacinas que fazem, sim, uso de vírus (enfraquecido ou em partes) em sua composição para estimular a resposta imune dos anticorpos. Entretanto, nenhuma delas possui quaisquer riscos de transmitir a doença ao imunizado.
Em 2021, a OMS divulgou um guia explicativo dos tipos de vacina que eram aplicadas contra a covid-19 e que faziam uso de vírus. A lista inclui vacina inativada, vacina atenuada ao vivo, vacina vetorial viral, vacina subunita e vacina de ácido nucleico.
As mais comuns são as de vírus inativado e de vetor viral:
A primeira consiste no uso de produtos químicos, calor ou radiação para matar ou inativar o vírus, impossibilitando-o de contaminar o vacinado ou gerar efeitos patológicos nas pessoas.
A segunda conta com o uso de vírus seguros, que fornecem sub-partes específicas do germe de interesse - chamadas proteínas (como a spike) - para que possa desencadear uma resposta imune sem causar doenças nos imunizados.
Vídeo circula pelo menos desde 2018
A gravação compartilhada no TikTok possui uma marca d'água com o nome "med natural". Na busca pelo vídeo original, o Comprova encontrou matéria do Fantástico de 2019 que usava trecho do conteúdo checado como exemplo de desinformação sobre as vacinas.
Na matéria, o vídeo aparecia como uma gravação compartilhada no YouTube com o título "A indústria fará de tudo para você não ver este vídeo! Prof. Jaime Bruning 2019". A reportagem televisiva borrou o nome do canal em que o conteúdo tinha sido publicado.
Ao procurar pelo nome da gravação no YouTube, a equipe de checagem não achou nenhum resultado, o que pode indicar que o conteúdo foi excluído ou ocultado.
Buscando, entretanto, pelo mesmo título no Google, foi possível chegar a uma publicação da página no Facebook "Saúde é qualidade de vida", que mostra o vídeo na íntegra. O post, de 13 de novembro de 2018, divulga o livro de Bruning, uma palestra do autor, o seu blog e um link para um vídeo no YouTube que virou privado.
Quem é Jaime Bruning
No site de Jaime Bruning atualmente disponível não há informações sobre quem ele é. Há apenas uma página onde consta uma nota em que ele se diz alvo de "acusações, denúncias e perseguição implacável de pessoas que se utilizam de alguns meios de comunicação tendenciosos" por seu trabalho como "terapeuta naturista". No mesmo texto, ele afirma que interrompeu seus atendimentos ao público.
Contudo, analisando o código-fonte do site (captura de tela feita em 8 de maio de 2023), é possível acessar o conteúdo antigo da página. Nele, Jaime se diz terapeuta naturista e afirma ter feito "mais de três mil palestras em todos os estados do Brasil e também no exterior". Ele também diz ser formado em Filosofia.
Nessa página, há links para a venda de um folder e de um livro sobre supostas terapias naturais de cura. Neles, há um aviso indicando que Brunning não é médico.
Jaime já foi citado em matéria do Estadão que apontava disseminadores de desinformação que usavam o alcance da audiência para vender produtos como suplementos, cursos e livros.
O que diz o responsável pela publicação: O conteúdo foi publicado pelo perfil @didibraga4 no TikTok, mas a conta não mostra informações de contato e não aceita envio de mensagens pela plataforma. O Comprova buscou no Google e na ferramenta UserSeach pela usuária em outras redes sociais e não encontrou nenhum resultado com o mesmo nome. Seu perfil compartilha majoritariamente vídeos não autorais e contrários ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O que podemos aprender com esta verificação: Conteúdos com desinformação antivacina utilizam afirmações impactantes para disseminar o medo na audiência, como a de que a pessoa possa desenvolver câncer caso se imunize. Nesse caso, o homem no vídeo cita nomes de livros em que estariam tais informações, mas, ao pesquisar sobre as publicações, é possível perceber que são livros de cunho religioso e espiritual, não publicações científicas. Outra estratégia também usada neste vídeo é a de relatar o caso específico de um indivíduo, impossível de ter a veracidade verificada, como "prova" da suposta informação repassada.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: O Comprova desmentiu por diversas vezes postagens que relacionavam as vacinas com doenças diversas. Já explicou que os imunizantes contra a pólio não causam câncer, e que aqueles contra a covid-19 não causam anomalia genética, não transmitem HPV, nem HIV ou geram problemas de infertilidade.
Este conteúdo foi investigado por UOL e A Gazeta. A investigação foi verificada por Folha de São Paulo, Grupo Sinos, O Popular, O Estado de São Paulo, Rádio Band News FM e Correio Braziliense. A checagem foi publicada no site do Projeto Comprova em 8 de maio de 2023.
O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.
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