Entenda medida do governo de zerar taxa de importação do arroz

Em 20 de maio, o governo federal zerou a tarifa de importação do arroz para garantir o abastecimento devido à tragédia ambiental no Rio Grande do Sul, que reduzirá a oferta. A medida visa evitar desabastecimento e aumento de preços. Três tipos de arroz foram incluídos na Lista de Exceções à Tarifa Externa Comum. Especialistas e produtores criticam a decisão, argumentando que não há desabastecimento real e que a medida pode prejudicar os produtores locais e afetar a economia.

Conteúdo analisado: Vídeo de trecho de um programa jornalístico exibido no YouTube em que um comentarista traz estatísticas sobre a safra de arroz e afirma que objetivo do governo federal ao importar o produto é destruir o agronegócio no Brasil, em particular na região Sul. Nessa e em outras postagens nas redes sociais, usuários comentam demonstrando preocupação com o agronegócio e com os preços do arroz no país.

Comprova Explica: Em 20 de maio, o governo federal zerou a tarifa de importação do arroz para garantir o abastecimento no Brasil. A medida, aprovada pelo Comitê Executivo de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior, é uma das ações de enfrentamento às consequências econômicas da tragédia ambiental ocorrida no Rio Grande do Sul, maior produtor de arroz do país. As enchentes já deixaram 169 mortos e 56 desaparecidos, segundo o último boletim divulgado em 27 de maio pela Defesa Civil do estado.

Com a medida, dois tipos de arroz não parboilizados e um tipo polido, o que inclui o branco, foram incluídos na Lista de Exceções à Tarifa Externa Comum (Letec), atendendo a pedido do Ministério da Agricultura e Pecuária e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). "Ao zerar as tarifas, buscamos evitar problemas de desabastecimento ou de aumento do preço do produto no Brasil, por causa da redução de oferta", disse o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin (PSB).

O Rio Grande do Sul é responsável por cerca de 70% da produção nacional de arroz. O governo autorizou a Conab a comprar arroz importado. Os estoques adquiridos serão destinados à venda direta para mercados de vizinhança, supermercados, hipermercados, atacarejos e estabelecimentos comerciais com ampla rede de pontos de venda nas regiões metropolitanas em todo o país. Esses estabelecimentos comerciais deverão vender o arroz exclusivamente para o consumidor final.

O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, disse que o governo federal não pensa em concorrer com os produtores de arroz do Rio Grande do Sul e que o objetivo de importar o produto é evitar especulação de preços. "O objetivo da portaria não é concorrer com os produtores gaúchos. O governo não seria insensível de criar uma concorrência, fazer baixar o preço do arroz para o produtor." O leilão foi suspenso após o governo constatar aumento de preços de fornecedores do Mercosul e um novo edital será divulgado.

Especialistas e associações produtoras de arroz, porém, têm críticas à medida. "É impossível não haver uma concorrência com o arroz produzido no Brasil, sobretudo no Rio Grande do Sul", disse Anderson Belloli, diretor-executivo e jurídico da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz).

"Essa polêmica sobre a importação tem como fundamento um suposto desabastecimento aqui no estado em decorrência da tragédia que a gente vive. Porém, das seis regiões arrozeiras, apenas uma foi afetada pelas enchentes. Quando começaram os temporais, 85% da safra já tinha sido colhida. A safra projetada pela Conab é maior do que a do ano passado, mesmo com as perdas", completou.

De acordo com a CNN, o levantamento semanal da Conab mostrou que o valor do arroz no varejo chegou a acumular aumento de 40% em quatro semanas após a tragédia no Rio Grande do Sul. "O risco gerado pelo próprio governo internalizou um choque negativo na oferta do grão no país, levando a uma combinação de potencial desabastecimento e altos preços", explicou Pedro Tremacoldi-Rossi, professor adjunto no departamento de Economia da Universidade de Columbia e PhD em Economia Aplicada pela Universidade de Illinois Urbana-Champaign.

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"As estimativas dão que 83% da safra atual já foi colhida. Não está claro o quanto dessa safra já foi 'escoada' para outros estados, se está em armazéns ou se foi comprometida. Certamente, existe um problema logístico, mas provavelmente não será permanente e, mesmo se boa parte do arroz ainda estiver no estado, deve começar a sair de lá sem muita demora", afirma.

Uma possível preocupação, diz Tremacoldi-Rossi, é que os efeitos do choque climático se prolonguem. "Seria provável que a próxima safra seja afetada e, possivelmente, o estado leve entre um a três anos-safra para se recuperar. Essa é uma estimativa baseada em outros choques climáticos de alto impacto ao redor do mundo em áreas de boa produtividade", diz.

O especialista explicou ainda que o Brasil já importa arroz de países do Mercosul e que a taxa de importação para eles já é zerada. A nova medida do governo, portanto, deve afetar compras de outros países, como, por exemplo, a Tailândia. "Vai depender do apetite dos importadores nacionais e dos leilões do governo", diz.

Segundo ele, o governo estaria tentando enviar um recado aos consumidores de modo a evitar a expectativa de que o produto vai faltar. "Para prevenir potenciais corridas aos supermercados e casos isolados de falta de arroz, que podem alimentar um problema sistêmico - parecido com um pânico bancário -, essas medidas dão a impressão de que a oferta de arroz no país vai se expandir, em teoria acalmando consumidores", afirma. "Isso ajuda tanto na disponibilidade quanto nos preços".

Já Denis Medina, economista e professor da Faculdade do Comércio, lembrou que o Brasil, historicamente, produz mais arroz do que consome e exporta o excedente. "Então, não existe naturalmente uma necessidade de importação para consumo", diz. Em sua análise, a medida pode ser negativa para o mercado. "O governo, com a intenção de vender arroz a R$ 4 o quilo, vai prejudicar o equilíbrio de mercado. Ele está puxando o preço bem abaixo do preço médio de venda nos varejistas. Ele quer que o varejista venda a R$ 4. Isso não prejudica só o agro, prejudica a economia como um todo", avalia.

Para Medina, a principal medida que o governo poderia tomar para evitar que o produtor local seja afetado é a reconstrução da infraestrutura no Rio Grande do Sul. "Estradas, acessos, as casas, tudo mais. É onde ele [o governo] pode evitar que o produtor seja prejudicado. Com isso, também, estruturas de armazenamento mais adequadas. A gente sabe que, hoje, um dos entraves do agro é capacidade de armazenamento, e depende de investimento privado para isso. O governo tem pouco investimento nessa área".

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Fontes consultadas: Conab, Federarroz, informações divulgadas pelo governo federal e os especialistas Denis Medina, economista e professor da Faculdade do Comércio, e Pedro Tremacoldi-Rossi, professor adjunto no departamento de Economia da Universidade de Columbia e PhD em Economia Aplicada pela Universidade de Illinois Urbana-Champaign.

Por que explicamos: Com a decisão do governo federal de zerar a taxa de importação de arroz, diversos conteúdos começaram a surgir nas redes sociais com desinformação ou preocupação com o agronegócio e os preços do arroz no país. É importante que seja explicado do que trata sua medida, seus objetivos e as principais críticas e comentários de especialistas para que as informações falsas não sejam espalhadas.

Para se aprofundar mais: Essa não é a primeira vez que desinformações sobre a cultura do arroz no Brasil circulam nas redes sociais. Em setembro de 2020, o Comprova mostrou que a demarcação de terra indígena em Roraima não tem relação com alta do preço do arroz. Já em fevereiro deste ano, publicou ser falso que Brasil pode ficar sem arroz e preços vão aumentar por conta de exportação ilegal. O Estadão Verifica também trouxe que representantes do setor pediram para que a população não faça estoque de arroz por causa de chuvas no RS.

Este conteúdo foi investigado por Band News e Correio. A investigação foi verificada por A Gazeta, O Estado de S. Paulo, Correio Braziliense, SBT, SBT News, Folha de S. Paulo e O Popular. A checagem foi publicada no site do Projeto Comprova em 28 de maio de 2024.

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