A Al Jazeera é ou não uma televisão ligada a grupos terroristas?
A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) esteve no centro de uma polêmica na quarta-feira (18) ao conceder uma entrevista para o canal de TV Al Jazeera defendendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No vídeo, a parlamentar ressalta que Lula é "um grande amigo do povo árabe". A declaração da presidente do PT causou revolta em vários senadores e nas redes sociais.
Algumas publicações que circularam na internet chegam a afirmar que a mensagem de Hoffmann poderia ser interpretada como um chamamento para que grupos terroristas ajam no Brasil em nome da libertação de Lula. Outros, inclusive, disseram que a Al Jazeera seria um canal de TV com ligações terroristas.
FALSO: A Al Jazeera não é ligada a grupo terroristas
Na verdade, a Al Jazeera, principal canal televisivo de notícias do Oriente Médio, não é ligado a nenhum grupo terrorista. A Al Jazeera Media Network, dona do conglomerado que inclui outras emissoras de TV, tem o governo do Qatar como dono. A organização possui diversas emissoras em árabe, uma em inglês e outra que transmite o noticiário em bósnio, em croata e em sérvio, voltada para a região dos Balcãs.
Talvez o que faça o Ocidente --e consequentemente o Brasil-- traçar ligações da Al Jazeera com grupos terroristas, especialmente com a Al Qaeda, é o fato de a emissora ter transmitido, muitas vezes com exclusividade, pronunciamentos de Osama bin Laden. Segundo o canal, os vídeos eram enviados a Al Jazeera justamente porque o canal tinha grande audiência em todo Oriente Médio.
A abrangência do seu principal canal de notícias em árabe é mesmo bem ampla. A emissora está disponível em 10 satélites diferentes. Com uma antena parabólica e um receptor, a Al Jazeera em árabe pode ser vista em toda a Europa, no norte da África, em todo o Oriente Médio e na Austrália. Além disso, a emissora está disponível em serviços de TV por assinatura na península Arábica, na América do Norte e em vários outros lugares. Também é possível assistir à Al Jazeera, de maneira gratuita, pela internet.
Pluralidade contestada
Os canais de TV da Al Jazeera afirmam que possuem independência editorial em relação aos governos do Qatar, já que a rede não é diretamente financiada pelo Estado. No entanto, muitos críticos da Al Jazeera contestam a pluralidade do canal.
A emissora é acusada de promover os interesses do governo do Qatar, apoiando, muitas vezes, a Irmandade Muçulmana e o grupo libanês xiita Hezbollah. Além disso, o canal é criticado por alguns governos árabes por ter laços com Israel.
O palestino Wadah Khanfar, ex-chefe do canal de 2006 a 2011, refuta as críticas veementemente. "A última instituição que ainda defende a liberdade no Oriente Médio é a Al Jazeera. Se a destruírem, toda a imprensa será governamental", disse em entrevista à Folha no ano passado.
Crise com Arábia Saudita
No ano passado, a Al Jazeera esteve ameaçada por causa da crise do Qatar com outros países do Oriente Médio. A Arábia Saudita e seus aliados Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Egito romperam relações diplomáticas com o Qatar em junho, acusando o emirado de apoiar "o terrorismo" e manter relações excessivamente estreitas com o Irã, o grande adversário dos sauditas no Oriente Médio.
Em reportagem publicada em julho de 2017, o jornal inglês "The Observer" conta que, antes da Al Jazeera, os canais árabes de notícias tinham viés totalitário.
"A notícia se concentrava principalmente no que o xeque, emir ou presidente estava fazendo naquele dia, algumas notícias sobre seu herdeiro e um comentário sobre a sorte da nação em ter figuras paternas heroicas. A Al-Jazeera explodiu tudo isso, permitindo que todos os tipos de vozes banidas anteriormente fossem ouvidas, desde os israelenses e Muammar Gaddafi até os rebeldes chechenos, os Taleban e Osama bin Laden", diz a reportagem.
Segundo o texto, assinado pelo jornalista Hugh Miles, autor de um livro sobre o canal, a Al Jazeera foi a primeira emissora árabe a introduzir jornalismo investigativo.
"A Al Jazeera foi a primeira a convidar todos os tipos de convidados antes proibidos em seus talk shows, abordando temas polêmicos como o atentado suicida e a existência de Deus. Essa iconoclastia demoliu tabus sociais, políticos e religiosos e estabeleceu um novo padrão de reportagem na região. Introduziu conceitos como democracia e direitos humanos e drasticamente afastou as fronteiras da liberdade de expressão", escreve.
O que seria o Exército Islâmico?
Em um discurso inflamado na tribuna do Senado, a senadora Ana Amélia (PP-RS) fez duras críticas ao vídeo da petista, que classificou como grave, e disse que "espera que essa convocação não seja um pedido para o Exército islâmico atuar no Brasil".
Neste caso, a senadora deve ter se confundido. Não existe um Exército que represente todos os muçulmanos ou os países do Oriente Médio. Cada nação, como Arábia Saudita, Qatar, Kuwait, tem suas próprias Forças Armadas. Provavelmente, a parlamentar quis dizer que o discurso de Hoffmann poderia ter chamado a atenção do Estado Islâmico (EI).
O EI, na verdade, é um grupo radical sunita comandado pelo autoproclamado califa Abu Bakr al-Bagdadi. Considerado terrorista pelo Ocidente, o grupo domina, hoje, algumas áreas do Iraque e da Síria, mas tem visto seus domínios gradativamente diminuindo com o ataque de tropas lideradas pelos Estados Unidos.
O EI não exerce influência na TV Al Jazeera ou usa o canal como propagador de sua ideologia.
Na verdade, o que a senadora Gleisi Hoffmann quis levar a países do Oriente Médio seu ponto de vista sobre a prisão do ex-presidente Lula, assim como ela e outros membros do PT têm feito em outros países do mundo. Por isso, escolheu a Al Jazeera.
No Brasil, a rede de televisão árabe cobriu grandes momentos do país recentemente, como as manifestações de 2013, o impeachment de Dilma Rousseff, fez entrevistas com a petista e com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e a prisão de Lula.
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