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Os erros e acertos de Guilherme Boulos em entrevista ao "Roda Viva"

Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Judite Cypreste e Luiz Fernando Menezes

Do Aos Fatos

08/05/2018 18h22Atualizada em 08/05/2018 18h22

Guilherme Boulos, pré-candidato à Presidência pelo PSOL, foi o entrevistado do programa "Roda Viva" nesta segunda-feira (7). As perguntas giraram em torno de articulações políticas, além das agendas econômica e social do Brasil.

Em suas respostas, o líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) citou vários dados sobre moradia, tributação e questões sociais como o aborto. Aos Fatos, em parceria com o UOL, checou oito de suas declarações. Confira o resultado.

Tem mais casa sem gente [do] que gente sem casa no Brasil.

INSUSTENTÁVEL: Segundo o estudo mais recente da FJP (Fundação João Pinheiro), instituição que estuda problemas relativos à moradia, em 2015 o Brasil possuía 7,9 milhões de imóveis vagos (80,3% localizados em áreas urbanas e 19,7% em áreas rurais).

Desse total, quase 6,9 milhões estavam em condições de serem ocupados e 1 milhão estava em construção ou reforma. É importante ressaltar que os dados são de três anos atrás.

Outra dificuldade está em determinar o que é "pessoa sem moradia".

Se levarmos em consideração apenas aqueles que estão em situação de rua, estima-se que o Brasil tinha 101 mil pessoas nessa categoria em 2015, de acordo com a pesquisa mais recente sobre o assunto, desenvolvida pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

Se utilizarmos "deficit habitacional" como sinônimo para "pessoa sem moradia", o número aumenta: em 2015, também segundo a FJP, ele estava estimado em 6,3 milhões de domicílios.

Deficit habitacional seria a deficiência do estoque de moradias, mas não leva em conta situações nas quais famílias moram em domicílios inadequados.

Para a fundação, cerca de 7,22 milhões de domicílios brasileiros possuem carência de infraestrutura. Já segundo o IBGE, em sua "Síntese de Indicadores" mais recente, de 2016, pelo menos 24,7 milhões de pessoas vivem em domicílios com alguma inadequação. No entanto, a pesquisa não leva em consideração todas os tipos de problemas.

Provavelmente a afirmação de Boulos vem do urbanista Edésio Fernandes, professor de direito urbanístico e ambiental da UCL (University College London), que disse que 6,9 milhões de famílias não tinham casa para morar e 6,05 milhões de imóveis estavam desocupados.

Entretanto, o professor também não especificou o que ele quis dizer quando se referiu a "famílias sem casa para morar".

Como não há dados mais atualizados nem há um consenso do que seria uma pessoa sem moradia, a declaração foi considerada como "insustentável".

Outro lado: A assessoria do pré-candidato foi questionada a respeito dos dados usados. Em nota, afirmou que usou os dados oficiais do IBGE que são calculados pela Fundação João Pinheiro. "As moradias com carência de infraestrutura não são utilizadas para o cálculo do deficit habitacional, portanto consideramos que a afirmação utilizada na entrevista está correta", disse. Aos Fatos explicou acima as discrepâncias.

Há estimativas de tributaristas, de economistas, que [a tributação de lucros e dividendos] pode chegar a 2% do PIB [Produto Interno Bruto], a R$ 120 bilhões ao ano de arrecadação. 

EXAGERADO: De acordo com o "Estudo sobre a Não Tributação de Lucros e Dividendos no Brasil", da CNM (Confederação Nacional de Municípios), órgão sem fins lucrativos do movimento municipalista, de 2014, se os R$ 213 bilhões de lucros e dividendos fossem taxados como eram em 1996 (15%), o Estado arrecadaria R$ 31,9 bilhões. Além disso, o texto também estimava a ampliação de pontos percentuais que isso traria ao PIB: 0,84 ponto.

Outro estudo, este de 2015, da Consultoria Legislativa da Câmara, faz a estimativa de que, caso fosse cobrado o imposto de 15% sobre os lucros e dividendos recebidos em 2015, haveria uma arrecadação de R$ 34,7 bilhões ao ano. 

Já se a alíquota fosse próxima da máxima --27,5%--, o governo conseguiria R$ 63,6 bilhões de impostos.

Em 2017, valores mais altos foram citados por pesquisadores do Ipea --Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair--, em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo": se fosse aplicada a alíquota de 15% nos R$ 334 bilhões de lucros e dividendos de 2016, hoje seria possível arrecadar, por ano, cerca de R$ 60 bilhões. Portanto, se fosse aplicada a alíquota de 27,5%, seriam arrecadadados R$ 110 bilhões ao ano (valor mais alto calculado), o que geraria o aumento de 1,75 ponto percentual, levando em consideração a série histórica do PIB.

Já que o pré-candidato não especificou a alíquota que seria utilizada na taxação e os estudos não chegam ao número citado pelo pré-candidato, Aos Fatos considera a declaração como "exagerada".

Outro lado: "Em relação a afirmação desse ponto, trabalhamos com os mesmos dados apresentados. No entanto, em falas como essas, consideramos natural utilizar aproximações", afirmou a assessoria em nota.

Morrem quatro mulheres por dia no Brasil em decorrência de abortos malfeitos.

INSUSTENTÁVEL: Os dados disponíveis não são adequados para concluir com exatidão quantas mortes são decorrentes de aborto ilegal no Brasil. Há uma série de razões para isso.

Exemplo disso é que, por ser considerado um crime, exceto em casos como estupro, anencefalia do feto ou risco de vida para a mulher, os dados oficiais relativos às mortes de mulheres que praticaram aborto no país não são consolidados.

De acordo com o Datasus, ocorreram 493 mortes de mulheres durante gravidez, parto ou aborto em 2016, último ano disponível para consulta. Em média, uma mulher por dia morreu dentro dessas condições neste ano. 

Em reportagem publicada pelo jornal "O Estado de S. Paulo", o número encontrado foi o mesmo do que o dito pelo candidato: quatro mulheres morreram por dia nos hospitais em decorrência de complicações do aborto.

Os dados, segundo o texto, foram enviados pelo Ministério da Saúde. Entretanto, o órgão afirma que esses números, em sua totalidade, não poderiam ser totalmente atribuídos ao procedimento, já que problemas de saúde e causas adversas à interrupção da gravidez também poderiam ter causado os óbitos.

Pela inexistência de dados exatos sobre o número de mortes de mulheres por abortos malsucedidos, a declaração foi considerada "insustentável".

Outro lado: A assessoria de imprensa de Boulos afirmou ter usado como base a reportagem do "Estadão" citada anteriormente.

1,2 milhão de famílias voltaram a cozinhar a lenha.

VERDADEIRO: Em 2016, o uso de lenha ou carvão para a cocção de alimentos era feito por 11,1 milhões de domicílios brasileiros.

Em 2017, o número aumentou para 12,3 milhões de domicílios, um crescimento de 11%. Os dados são da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra em Domicílio Contínua), realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e divulgada em abril deste ano. 

Segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), o aumento do valor do botijão de gás em 2017 foi de 16,39%, com relação ao ano anterior, resultando na maior alta em 15 anos.

O uso do botijão teve um crescimento pequeno, de 68 para 68,6 milhões, menos de 1%.

Quem tem um carro paga o IPVA no começo do ano. Quem tem jatinho, um helicóptero, iate, não paga R$ 1 de imposto no Brasil.

VERDADEIRO: Desde uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) no Recurso Extraordinário 379572 RJ, em 2007, o IPVA (Imposto de Propriedade de Veículo Automotor) deixou de incidir sobre aeronaves e embarcações.

Naquela ocasião, votaram contra a cobrança o relator Gilmar Mendes e os então ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Carlos Ayres Britto, Sepúlveda Pertence, Cezar Peluso e Carmen Lúcia.

O então ministro Joaquim Barbosa foi favorável à incidência do imposto sobre esses tipos de veículos, já que a expressão "veículos automotores" seria suficiente para pelo menos abranger meios de transporte aquáticos. Além dele, Marco Aurélio se posicionou contra o recurso.

Os principais argumentos contra a cobrança dizem que o imposto substituiu a Taxa Rodoviária Única, servindo, portanto, para manutenção e custeio de rodovias. Helipontos e aeroportos já cobram pelos serviços prestados.

Existe um projeto (PEC 283/2013), do deputado Vicente Cândido (PT-SP), que está aguardando a criação de comissão temporária no Congresso para sugerir a cobrança do IPVA para donos de aeronaves.

A proposta argumenta que esse imposto não deve incidir sobre a utilização do veículo em meio terrestre, mas sobre a sua propriedade, uma vez que o IPVA tem função fiscal.

Em 2016, o Joesley [Batista, ex-sócio da JBS] recebeu mais de R$ 100 milhões da JBS. 

VERDADEIRO: De acordo com a declaração de Imposto de Renda de 2016 entregue por Joesley à Procuradoria-Geral da República durante sua delação premiada, o empresário tirou R$ 2,2 milhões tributáveis e mais R$ 103 milhões em distribuição de lucros de forma isenta como indivíduo naquele ano. Ou cerca de 0,3% do total.

O caso, no entanto, não possui nenhuma ilegalidade. De acordo com o relatório "A Distância que nos Une", da Oxfam, ONG britânica que busca soluções para a pobreza e a desigualdade, isso acontece porque o "salário dos super-ricos" é formado por lucros e dividendos que, desde 1996, deixaram de ser taxados.

Ele [Joesley] pagou menos de 300 mil de impostos. 

FALSO: Na verdade, segundo a declaração de 2016, o Imposto de Renda pago por Joesley Batista naquele período foi de R$ 342 mil.

Outro lado: Questionada, a assessoria de imprensa do pré-candidato não fez comentários em relação a essa incorreção.

… [o equivalente a] menos de 0,5%.

VERDADEIRO: O valor de R$ 342 mil pago por Joesley Batista em 2016 é o equivalente a 0,3% do total recebido pelo executivo.

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