Em pacote de Moro, milícia era organização criminosa, mas pena era menor
Lucas Borges Teixeira
Colaboração para o UOL, em São Paulo
14/02/2020 12h30
Tem sido cada vez mais comum presenciar (digitalmente, pelo menos) discussões públicas de representantes eleitos. Nesta semana, um debate acalorado entre o ministro Sergio Moro, da Justiça e Segurança Pública, e deputados do PSOL tomou as redes sociais e rendeu uma série de acusações.
Na última quarta-feira (12), a reunião de uma comissão especial na Câmara dos Deputados foi encerrada em meio a um bate-boca entre parlamentares do governo e da oposição. No meio da confusão, o deputado Glauber Braga (PSOL -RJ) acusou Moro, presente no encontro, de ser "capanga da milícia".
As provocações continuaram no Twitter do deputado do PSOL e até o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, saiu em defesa do colega de governo.
Olá gente. Robôs e milicianos virtuais de Moro, capanga da família bolsonaro, entraram aqui pra nos intimidar. Não conseguirão. Podem vir quentes que eu estou fervendo!!! #MoroCapangaDaMilicia
-- Glauber Braga (@Glauber_Braga) February 12, 2020
Assisti o lamentável diálogo entre o Min Sérgio Moro e o Dep Glauber Braga (PSOL). Ficaram evidentes a competência e educação do qualificado Moro diante do destempero do qualificado(?) parlamentar. A casa dos representantes do povo ñ deveria ser palco de episódios dessa natureza.
-- General Heleno (@gen_heleno) February 12, 2020
Na quinta-feira (13), Moro retomou o assunto e afirmou que, em seu pacote anticrime, classificou as milícias como organizações criminosas, mas o PSOL foi contra essas propostas.
Não gosto deste jogopolitico.Mas verdades precisam ser ditas. No projeto de lei anticrime,propusemos que milícias fossem qualificadas expressamente como organizações criminosas.Propusemos várias outras medidas contra crime organizado.O PSOL,de Freixo/Glauber,foi contra todas elas
-- Sergio Moro (@SF_Moro) February 13, 2020
Marcelo Freixo (PSOL-RJ), citado no tuíte de Moro, rebateu as declarações do ministro e afirmou que o pacote proposto por Moro, na verdade, reduzia a pena de milicianos. Segundo o deputado, ele e sua bancada apenas "corrigiram esta aberração".
O ministro @SF_Moro diz que não gosta do jogo político, mas todos já sabemos como gosta de mentir e servir à família Bolsonaro. Quer entender como o ministro tentou aliviar a vida das milícias no pacote "anticrime" e como nós corrigimos esse e muitos outros erros? Segue o fio!
-- Marcelo Freixo (@MarceloFreixo) February 13, 2020
Afinal, como foi o trâmite do polêmico pacote anticrime? O PSOL não quis enquadrar o crime como organização criminosa ou Moro que pretendia reduzir a pena?
Como era o pacote original?
Ofensas à parte, nem Moro nem Freixo falaram mentiras sobre o pacote anticrime. Como indicou o ministro, é verdade que o PSOL articulou a retirada de milícias na Lei de Organizações Criminosas. O ex-magistrado omitiu, no entanto, que isso reduziria a pena mínima dos condenados por este crime, como afirmou Freixo.
O artigo 13 do pacote anticrime original (PL nº 882/2019), de autoria de Moro e enviado pelo Executivo ao Congresso em fevereiro de 2019, estabelecia que o artigo 1º da Lei das Organizações Criminosas (nº 12.850/2013) passaria a considerar como organizações criminosas "a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas" que, entre outros aspectos "se valham da violência ou da força de intimidação do vínculo associativo para adquirir, de modo direto ou indireto, o controle sobre a atividade criminal ou sobre a atividade econômica, tais como:
- o Primeiro Comando da Capital;
- o Comando Vermelho;
- a Família do Norte;
- o Terceiro Comando Puro;
- o Amigo dos Amigos;
- as milícias ou outras associações como localmente denominadas".
Na prática, isso significa que milícias e associações similares passariam a ser regidas regidas pela Lei de Organizações Criminosas, e não pelo artigo 288-A do Código Penal, que estabelece a constituição de milícias desde 2012.
A diferença é que a Lei das Organizações Criminosas estabelece, no artigo 2º, pena de três a oito anos de reclusão, enquanto o 288-A do Código tem pena de quatro a oito anos de reclusão.
Ou seja, como rebateu Freixo, o projeto enviado por Moro de fato reduziria em um ano a pena mínima para condenados por crime de milícia.
No pacote anticrime aprovado em dezembro de 2019 (Lei nº 13.964), a parte do texto que incluía milícia na Lei de Organizações Criminosas foi retirada por meio de acordo entre oposição e situação. As alterações desta lei ficaram registradas no Artigo 14 do pacote.
Ao UOL, a assessoria de Freixo argumentou que o motivo da retirada desta parte do texto se deu para que não houvesse redução da pena por milícia e para que este crime se mantivesse como crime penal, registrado no Código.
A reportagem procurou também o Ministério da Justiça e da Segurança Pública para entender a mudança e a possível redução da pena mínima, mas não teve resposta até o fechamento da matéria.
Controvérsia no pacote aprovado
A lei aprovada na Câmara no dia 4 de dezembro de 2019, na verdade, foi uma substitutiva do texto original, que incluía pontos defendidos por Moro e também do projeto enviado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), em maio de 2018, no governo Michel Temer (MDB).
A alteração e a retirada de alguns pontos de Moro, como o excludente de ilicitude e legítima defesa para forças policiais, fez com que a própria bancada do PSL, então partido do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), votasse contra o projeto e partidos da oposição, como PSOL e PT, indicassem voto a favor.
CPI presidida por Freixo pedia criminalização das milícias em 2008
Freixo também falou a verdade quando indicou que a criminalização das milícias foi uma bandeira levantada por ele e seu partido quando presidiu a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das Milícias, que investigou o envolvimento de políticos com as organizações criminosas, na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) em 2008.
O relatório final pedia o indiciamento de 226 pessoas —entre elas, políticos eleitos, policiais e outros funcionários públicos—, e apresentava 58 propostas para enfrentar as organizações. A 21ª delas pedia a tipifica legal do crime de milícia.
Freixo já havia proposto a abertura da CPI em fevereiro de 2007, mas a proposição acabou engavetada. Em março daquele ano, na Câmara Federal, o deputado Luiz Couto (PT-PB) apresentou o projeto (PL nº 370/2007) que tipificava formação de milícias e grupos de extermínio.
Transformada na Lei Ordinária nº 12.720 em 2012, é seu texto que acrescenta ao Código Penal a constituição de milícia privada com reclusão de quatro a oito anos. A votação foi aprovada sem oposição.
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