Em live sobre BNDES, Bolsonaro e Montezano dividem acertos e distorções
Em live na noite desta quinta (27) sobre o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o presidente do banco, Gustavo Montezano, acertaram ao falar dos atrasos de pagamentos por países como Cuba e Venezuela, mas cometeram distorções ao tratar de valores concedidos à JBS e do papel do Tesouro Nacional como garantidor de empréstimos.
Veja abaixo as declarações checadas pelo UOL Confere:
Em 2019, terminou a CPI do BNDES aqui na Câmara dos Deputados. Várias pessoas foram indiciadas, não vou citar nomes, mas foi indiciado o ex-presidente do banco, empresários, ex-dirigentes do BNDES, ex-conselheiros do BNDES, ex-ministros do governo Lula (...)."
Presidente Jair Bolsonaro (PL)
A declaração é verdadeira. Segundo notícia publicada pela Agência Câmara, a CPI do BNDES terminou em novembro de 2019 com o pedido de indiciamento de mais de 50 pessoas, entre elas os ex-ministros Guido Mantega e Antonio Palocci; o ex-presidente do banco Luciano Coutinho; e ex-diretores da instituição e empresários beneficiados com recursos do BNDES.
Essas obras, além de siderúrgicas, estaleiros, saneamento básico, muita coisa feita lá atrás. (...) Isso dá na faixa de R$ 60 bilhões."
Presidente Jair Bolsonaro (PL)
A declaração é verdadeira. Bolsonaro chegou a citar inicialmente um valor de US$ 15 bilhões, mas foi corrigido por Montezano, que apontou que o banco emprestou US$ 10,5 bilhões para a realização de obras em 15 países, ao longo de 20 anos, por empresas brasileiras. Este de fato é o montante que consta no site do BNDES. Pelo câmbio desta quinta, este valor seria equivalente a R$ 56,9 bilhões, perto dos R$ 60 bilhões citados pelo presidente.
Essas operações de exportação de engenharia, de obras que o senhor mencionou, no final do dia, quem corria o risco dela era o cidadão brasileiro. O banco não corria risco nenhum. O banco liberava o empréstimo, e o Tesouro Nacional assumia o risco da operação."
Gustavo Montezano, presidente do BNDES
A declaração do presidente do BNDES é distorcida, pois não explica que há meios de ressarcir o Tesouro neste tipo de situação.
Quando o BNDES financia uma obra no exterior, ele empresta dinheiro para uma empresa brasileira que vai executá-la. No entanto, quem assume a dívida é o governo do país onde o serviço é prestado. Se este país não pagar o empréstimo, em um primeiro momento, o dinheiro para cobrir o rombo sai mesmo do Tesouro, por meio do FGE (Fundo de Garantia à Exportação).
No entanto, a partir deste ponto, uma nota publicada em 2018 no próprio site do BNDES desmente Montezano.
"Nesse momento, de fato, os recursos saem do Tesouro, mas eles não vêm dos impostos pagos pela população. Isso porque, como todo seguro, o FGE cobra prêmios do responsável pelo pagamento do empréstimo, proporcionais ao risco incorrido. Caso haja inadimplência, indeniza o financiador (o BNDES) e busca recuperar o valor em atraso", diz o texto do BNDES.
Ainda de acordo com o site do banco, "as receitas do FGE — esses prêmios pagos pelos próprios importadores — são sempre transferidas para a conta única do Tesouro Nacional. Por isso, quando é necessário emitir alguma indenização por conta de um não pagamento ou atraso, os recursos saem do Tesouro e precisam vir do Orçamento Geral da União (OGU). (...) Portanto, ainda que os recursos para cobertura de dívidas precisem transitar pelo OGU, eles são provenientes dos prêmios pagos pelos devedores do financiamento, como é a lógica de qualquer seguro."
A última prestação de contas do FGE data de maio de 2021, e as informações ano a ano disponíveis no site do BNDES só vão até 2016. Neste intervalo de tempo, o fundo recebeu R$ 1,14 bilhão em prêmios, mas pagou R$ 4,9 bilhões em indenizações.
No entanto, desde sua criação, em 1997, até dezembro de 2021, o fundo ficou no azul: recebeu US$ 1,459 bilhão em prêmios e pagou US$ 1,365 bilhão em indenizações.
Após a publicação da checagem, o BNDES enviou ao UOL a seguinte nota: "O presidente do BNDES, Gustavo Montezano, esclarece que o FGE é parte integrante do Tesouro Nacional, que é o caixa da União. Portanto, todos os recursos que lá estão pertencem ao cidadão brasileiro. Suas subdivisões são de natureza contábil e administrativa, e servem à gestão desse patrimônio."
Ou seja, por exemplo, a Venezuela não pagou, quem paga a conta é o trabalhador."
Presidente Jair Bolsonaro (PL)
Em linha similar à declaração de Montezano checada acima, a fala de Bolsonaro também é distorcida porque, como mostramos na checagem anterior, há meios de ressarcir o Tesouro Nacional em caso de calote ao BNDES.
A Venezuela não tem pago nenhuma parcela desse empréstimo, muito menos a questão de juros."
Presidente Jair Bolsonaro (PL)
A declaração é verdadeira. Nos seis contratos relativos a obras na Venezuela disponíveis no site do BNDES, em todos eles o país assume as "obrigações financeiras" das empresas brasileiras financiadas pelo banco de desenvolvimento. No total, foram emprestados US$ 1,5 bilhão. A Venezuela tem US$ 597 milhões em prestações atrasadas ao BNDES, mais US$ 199 milhões a vencer.
O TCU declarou no início do ano passado que foi aportado de forma irregular no BNDES aproximadamente R$ 400 bilhões, está nos obrigando a devolver, e a gente está fazendo esse esforço de devolução decidido pelo TCU."
Gustavo Montezano, presidente do BNDES
A declaração é verdadeira. Em janeiro do ano passado, o TCU (Tribunal de Contas da União) decidiu que empréstimos feitos pelo Tesouro a bancos federais via emissão de títulos públicos sem previsão no Orçamento são irregulares. Segundo o TCU, entre 2008 e 2015, o BNDES recebeu R$ 426 bilhões por meio deste expediente.
Em valores corrigidos, o dinheiro para Cuba, que não pagou, foi R$ 3,6 bilhões."
Presidente Jair Bolsonaro (PL)
A declaração, em linhas gerais, é verdadeira. O BNDES emprestou US$ 656 milhões para obras em Cuba. Em uma conversão simples com o câmbio desta quinta, o valor em reais é de R$ 3,588 bilhões. Cuba deve US$ 190 milhões em prestações atrasadas, e tem um saldo devedor a vencer de US$ 427 milhões.
Cuba deixou em garantia recebíveis de venda de charuto doméstico. Se não pagasse, o governo brasileiro ia lá em Cuba, ia penhorar as vendas de charuto lá em Havana para poder ressarcir o cidadão brasileiro."
Gustavo Montezano, presidente do BNDES
A declaração de Montezano é verdadeira. Segundo reportagem publicada pela revista Época em 2015 a partir de documentos sigilosos, o governo brasileiro aceitou como garantias "recebíveis da indústria tabagista cubana". Ou seja: a garantia não eram os charutos em si, mas o valor obtido com a venda eles. De acordo com a mesma reportagem, Cuba faturava cerca de US$ 400 milhões por ano com a venda do produto.
O prazo regulamentar para pagamento [do empréstimo] era 12 anos. [Para] Cuba, passou para 25 anos."
Presidente Jair Bolsonaro (PL)
A declaração do presidente é distorcida. Não há "prazo regulamentar" para pagamento de empréstimos, mas o que é definido em cada contrato. O prazo citado pelo presidente é esclarecido pelo próprio BNDES em seu site. O banco explica que o prazo médio (e não "regulamentar") para receber de volta os valores emprestados para financiar obras no exterior era, em setembro de 2019, de 11 anos e dois meses; e que o maior prazo concedido, de fato, foi de 25 anos para o pagamento do projeto do porto de Mariel em Cuba.
Por coincidência, nesse ano de 2014, a JBS pegou emprestado do BNDES R$ 9 bilhões, e aproximadamente R$ 400 milhões foram para fundo partidário. O que leva a crer que parece que era uma operação casada. O BNDES empresta para você os R$ 9 bilhões desde que você deposite na conta de partidos políticos R$ 400 milhões."
Presidente Jair Bolsonaro (PL)
A declaração de Bolsonaro é distorcida. Para criar a tese de "operação casada", o presidente tratou o valor emprestado pelo BNDES à JBS ao longo de mais de uma década como se tivesse sido todo concedido em 2014, e foi corrigido pelo próprio presidente do banco.
"Só pra corrigir uma informação, presidente, R$ 9 bilhões foi ao longo de alguns anos", disse Gustavo Montezano.
O presidente também confunde fundo partidário, que é o dinheiro repassado pelo governo federal a partidos todos os anos, com doações de campanha eleitoral feitas por empresas, o que era legal em 2014. Nas eleições daquele ano, segundo dados do site do TSE, empresas da JBS doaram legalmente R$ 366 milhões para campanhas. Em delações premiadas, no entanto, executivos da companhia trataram os valores como "propina".
Saneamento básico em Angola, Argentina e Venezuela: US$ 1,2 bilhão, aproximadamente R$ 7 bilhões. Esse é o investimento em saneamento básico dos governos Lula e Dilma em outros países."
Presidente Jair Bolsonaro (PL)
A declaração do presidente é falsa. Segundo o site do BNDES, o único contrato referente a um projeto de saneamento na Venezuela, assinado no governo Dilma, foi "cancelado sem desembolso".
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