Empresa ligada a shows de Gusttavo Lima não pegou R$ 320 milhões com BNDES
A empresa de investimentos One7, uma das donas de um fundo que comprou shows do cantor Gusttavo Lima, não pegou R$ 320 milhões emprestados com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), como dizem posts publicados nas redes sociais entre ontem (29) e hoje (30). O valor se refere ao aporte feito pelo BNDES a um fundo do qual a One7 é cotista e que não tem relação com as apresentações do artista.
A One7 detém uma fatia do fundo Four Even, que antecipa para artistas o recebimento dos valores de shows e passa a ser o dono da venda das apresentações, como explicou o UOL Economia hoje. O objetivo é conseguir, com as vendas, um lucro em relação aos valores adiantados. Gusttavo Lima é um dos sete artistas cujos shows estão nas mãos do fundo. A One7 disse ao UOL Confere que entrou no Four Even em agosto de 2021.
Os shows de Gusttavo Lima são um negócio diferente do que a One7 tem com o BNDES. A companhia tem parte de um fundo (FIC FIDC XP Brasil MPME) voltado para oferecer crédito a pequenas e médias empresas que, segundo informações divulgadas pelo próprio BNDES em dezembro, terá um aporte de R$ 320 milhões do banco público. A One7 colocou R$ 20 milhões neste fundo, que também tem R$ 60 milhões da XP Asset.
Em resumo, a One7 tem cotas nestes dois fundos — Four Even e XP Brasil MPME —, mas eles têm finalidades diferentes. O Four Even busca lucros em cima da revenda de shows de artistas como Gusttavo Lima; o XP Brasil MPME oferece crédito para pequenas e médias empresas. E foi este último fundo, o XP Brasil MPME, que recebeu o dinheiro do BNDES.
A injeção de recursos do BNDES faz parte de uma iniciativa mais ampla para disponibilizar crédito a pequenas e médias empresas. Em 2020, o banco abriu chamada pública para selecionar fundos deste tipo. Doze foram escolhidos em uma pré-seleção, entre eles o que a One7 integra, sendo que dez serão efetivamente contratados pelo banco.
As propostas foram recebidas pelo BNDES até 10 de junho de 2020, e o resultado da pré-seleção foi divulgado em agosto daquele ano, bem antes de notícias do acordo do Four Even com Gusttavo Lima — publicadas em junho de 2021. Em dezembro, o BNDES anunciou que faria o aporte no fundo da XP Asset, One7 e Acquo. Segundo consta do site da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), a XP é a gestora do fundo.
Nas redes, diversos posts que viralizaram nos últimos dois dias misturam os dois assuntos e os tratam de forma distorcida, tirando dados verdadeiros de contexto para levar a uma conclusão enganosa.
"Então o fundo que administra a carreira do Gusttavo Lima pegou R$ 320 MILHÕES no BNDES?", diz um deles, compartilhado mais de 4 mil vezes e curtido no Twitter. "Parabéns Gustavo Lima por deixar bem claro que bolsonarista raiz como vc é ladrão e mau caráter, vc critica a lei rouanet de incentivo à cultura mas pegou um empréstimo fraudulento no BNDES de R$ 320 milhões de reais", afirma outro.
Nesta segunda, políticos como o deputado federal paulista Ivan Valente, a deputada estadual gaúcha Luciana Genro e o vereador niteroiense Professor Tulio, todos do PSOL, também publicaram posts com as alegações incorretas.
Procurada pelo UOL Confere, a One7 disse que é uma plataforma de serviços financeiros e não administra carreira de artistas. "A One7 esclarece, ainda, que as operações do fundo Four Even FIDC não têm qualquer relação com o aporte feito pelo BNDES em 2021, destinado ao fundo FIC FIDC XP Brasil MPME, do qual a One7 também é cotista", declarou a empresa em nota (veja a íntegra aqui).
Em nota, o BNDES disse que é cotista do fundo de crédito do qual a One7 faz parte e que "a XP é a gestora do fundo e foi responsável por selecionar as fintechs associadas: tanto a One7 quanto a Acqio. O BNDES não possui nenhuma outra relação ou vínculo com qualquer outro fundo capitaneado quer seja pela XP, One 7 ou Acqio."
Ainda de acordo com o BNDES, "o FIC FIDC XP possui como política de investimento o objetivo de facilitar o acesso a crédito para as micro, pequenas e médias empresas (MPMEs). Portanto, não é cabível a sua associação a qualquer concessão de crédito para pagamentos de prestação de serviços artísticos." Veja aqui a íntegra da resposta do banco.
A Balada Eventos, empresa de Gusttavo Lima, também foi procurada, mas não havia enviado resposta até o horário da publicação desta checagem. A assessoria de imprensa do cantor foi procurada pelo UOL Confere já no começo da noite de hoje. O texto será atualizado caso a empresa ou a assessoria enviem respostas.
Shows na mira do MP
Os valores de shows de Gusttavo Lima pagos pelo poder público passaram a chamar a atenção nos últimos dias e têm sido alvo de investigações do Ministério Público em diferentes estados. Procedimentos sobre a contratação do artista por prefeituras foram abertos em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Roraima. Nos casos investigados, os cachês variavam de R$ 800 mil a R$ 1,2 milhão.
O preço das apresentações bancadas com dinheiro público virou assunto da imprensa e das autoridades depois dos ataques feitos pelo cantor Zé Neto, da dupla com Cristiano, à Lei Rouanet.
A Lei Rouanet permite que pessoas físicas ou empresas destinem a projetos culturais parte do dinheiro que pagariam em impostos. Ao aprovar um projeto, o governo autoriza a captação de recursos por meio da lei. Isso não quer dizer que o proponente vai conseguir o dinheiro aprovado, já que é o financiador que escolhe em que projeto colocar o recurso. Os projetos têm inclusive limites para cachês. Isso não acontece nos shows bancados por prefeituras, que são contratados sem licitação.
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