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Perfis de políticos indianos publicam golpes direcionados a brasileiros

Ao menos dois perfis verificados de parlamentares indianos têm sido usados para publicar anúncios de golpes financeiros em português segmentados para brasileiros no Facebook e Instagram. A descoberta é do Netlab, da UFRJ, que mapeia anúncios fraudulentos nas plataformas da Meta, dona das duas redes sociais.

Foi a primeira vez que o Netlab identificou esse tipo de anúncios feito por contas verificadas. O relatório não conseguiu identificar se os políticos são, de fato, responsáveis pelos anúncios fraudulentos ou se suas contas estão sendo usadas por outras pessoas.

O UOL Confere entrou em contato com os dois, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem. O questionamento também foi feito à Meta, que em nota não esclareceu a dúvida.

Os anúncios

Foram identificadas mais de 500 publicações pagas. Todas fazem uso indevido de marca e imagem pessoal. Os posts usam imagens manipuladas de veículos da mídia e da internet brasileira, principalmente de programas de entretenimento, como o Big Brother Brasil, Bate-Papo BBB e o programa The Noite, do SBT. Há ainda recortes de telejornais como Jornal Nacional, Jornal da Record, e SBT News. Sites de veículos noticiosos como g1, O Globo e Folha de S.Paulo também são usados nos anúncios fraudulentos. Podcasts como Pod Delas e Podpah, do YouTube, também aparecem no conteúdo manipulado.

Anúncios usam vídeos manipulados de personalidades da mídia brasileira
Anúncios usam vídeos manipulados de personalidades da mídia brasileira Imagem: Arte/UOL sobre Reprodução Biblioteca de Anúncios da Meta
A maioria dos anúncios usa o nome da ex-BBB Leidy Elin em chamadas sensacionalistas
A maioria dos anúncios usa o nome da ex-BBB Leidy Elin em chamadas sensacionalistas Imagem: Arte/UOL sobre Reprodução Biblioteca de Anúncios da Meta

Imagens de ex-BBBs e chamadas sensacionalistas são usadas nos golpes. As publicações usam como chamariz o nome de famosos e subcelebridades, a maioria ex-BBBs e cantores sertanejos. A foto da participante Leidy Elin, da edição deste ano, aparece na maioria dos anúncios fraudulentos identificados (46% deles). Diversos posts afirmam que ela e a também ex-participante do reality show Yasmin Brunet teriam divulgado informações financeiras sensíveis e teriam sido presas por isso, o que é falso.

Anúncios fraudulentos usam imagem de famosos brasileiros e levam a sites de golpes
Anúncios fraudulentos usam imagem de famosos brasileiros e levam a sites de golpes Imagem: Arte/UOL sobre Reprodução Biblioteca de Anúncios da Meta
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Os cantores Ana Castela, Zezé Di Camargo e Gustavo Lima aparecem em 153 anúncios. Os posts usam recortes do programa The Noite, apresentado por Danilo Gentili no SBT, com o seguinte modelo de legenda: "Danilo Gentili chamado [sic] Zezé Di Camargo 'irresponsável' e disse no ar que 'informações financeiras dessa magnitude poderiam abalar os alicerces da sociedade brasileira'".

Ex-participantes do BBB e cantores sertanejos estão entre os que mais aparecem nos anúncios fraudulentos dos perfis de políticos indianos
Ex-participantes do BBB e cantores sertanejos estão entre os que mais aparecem nos anúncios fraudulentos dos perfis de políticos indianos Imagem: Reprodução Netlab

Golpe rouba dados e pede dinheiro com falsa promessa de retorno. Segundo o Netlab, as publicações direcionavam para o link de uma suposta empresa de investimentos. Na página, o usuário é apresentado a um formulário que solicita nome completo, email e telefone. Em seguida, é orientado a aguardar por uma ligação do "gerente" para investir um valor inicial e receber o suposto valor prometido. "Diversos golpes têm como ponto de partida a coleta de dados de usuários vulneráveis."

Sites sem origem identificada. Entre março e abril, seis sites fraudulentos deste tipo, identificados nos anúncios, receberam mais de 99 mil visitas, sendo mais de 99% delas do Brasil. Eles são inacessíveis pelos mecanismos de busca e 90% do seu acesso se dá através de plataformas como Facebook e Instagram. Os links são hospedados de forma anonimizada, não sendo possível identificar sua origem.

Quem são os parlamentares indianos?

Centro-esquerda e extrema-direita. Os anúncios fraudulentos foram identificados nas páginas verificadas dos políticos indianos Kondeti Chittibabu e Jai Pratap Singh. A página do primeiro é responsável por 388 anúncios fraudulentos, ele é membro da Assembleia Constituinte de Gannavaram. Em uma foto na rede social, Chittibabu aparece ao lado do presidente do partido YSRCP, Y. S. Jagan, ministro-chefe do estado de Andhra Pradesh. O partido é considerado de centro-esquerda. Na sua página oficial consta que quem gerencia o perfil reside na Ucrânia.

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Conta gerenciada em vários países. Já a página do outro parlamentar, Jai Pratap Singh, é responsável por 142 anúncios fraudulentos. Ele integra a Assembleia Legislativa de Uttar Pradesh e é vinculado ao partido de extrema-direita BJP, mesmo do primeiro-ministro reeleito no último domingo (2), Narendra Modi. Segundo sua conta oficial, a página verificada tem sido gerenciada de Bangladesh, Nepal, Indonésia, Paquistão e Filipinas.

Pagamento em três moedas. Os anúncios foram pagos em reais, pesos mexicanos e pesos chilenos. Apesar disso, não foram localizados anúncios que tenham circulado no Chile ou no México, somente no Brasil.

Os políticos indianos Kondeti Chittibabu (à esquerda) e Jai Pratap Singh
Os políticos indianos Kondeti Chittibabu (à esquerda) e Jai Pratap Singh Imagem: Reprodução/Facebook

Riscos para o processo eleitoral

Sem prestação de contas. Para a coordenadora do Netlab, Marie Santini, a possibilidade dessa segmentação de anúncios em diversos países gera uma enorme vulnerabilidade em processos eleitorais, inclusive no Brasil, pois torna os anúncios de difícil rastreamento pela autoridade eleitoral.

A plataforma permite que compre o anúncio em um país e segmente em outro. Isso é uma forma de criar, por exemplo, caixa 2. Porque você não tem que prestar contas no país que segmentou, só no país onde comprou o anúncio.

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Risco à democracia. A dificuldade de rastreamento do conteúdo segmentado e o uso de um rede articulada internacionalmente que pode levar os usuários a fugir das legislações locais é apontada pela coordenadora do Netlab como um risco concreto de ameaça às democracias.

Sem regulamentação e auditoria. A pesquisadora faz uma comparação entre a propaganda eleitoral em mídias tradicionais que estão sujeitas a uma série de regras de isonomia, como por exemplo, as mídias de concessão pública, como rádio e TV, e a propaganda eleitoral veiculada em redes sociais.

Como as plataformas não têm regulamentação nenhuma e elas não se dizem produtoras de conteúdo, a propaganda eleitoral dentro das plataformas não respeita as regras da propaganda eleitoral da mídia tradicional. E pior, não é auditável como são as mídias tradicionais. Então, é um duplo problema. Marie Santini

Sugestão ao TSE. A pesquisadora propõe, como uma das ações possíveis para mitigar os anúncios irregulares, que o TSE obrigasse que as plataformas de redes sociais dispusessem de uma biblioteca de anúncios buscável por palavra-chave e tema. Hoje, só a Meta fornece esse tipo de transparência de forma proativa.

O que diz a Meta

Meta diz inibir golpes. Procurada, a empresa disse que "atividades que tenham como objetivo enganar, fraudar ou explorar terceiros não são permitidas em nossas plataformas e estamos sempre aprimorando a nossa tecnologia para combater atividades suspeitas". A empresa também declarou que recomenda "que as pessoas denunciem quaisquer conteúdos que acreditem ir contra os Padrões da Comunidade do Facebook, das Diretrizes da Comunidade do Instagram e os Padrões de Publicidade da Meta através dos próprios aplicativos".

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