Sóstenes Cavalcante mente ao dizer que indústria de cosmético usa feto

É falso que fetos abortados sejam usados na indústria cosmética, como afirma o autor do PL do aborto, deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). Para justificar a alegação, ele usa imagens de três reportagens antigas sem indicar o desfecho e correções feitas.

Procurado, o deputado declarou que sua "preocupação é legítima e baseada em relatos que circulam há anos", mas não comentou sobre o fato de serem informações falsas (leia mais abaixo).

O que diz o post

Em vídeo publicado nas redes sociais, Sóstenes Cavalcante afirma que "há uma indústria mundial liderada por George Soros que patrocina mundo afora o aborto (...) porque eles vivem de empresas também que dependem do feto humano para fabricar cosméticos".

Por que é falso

Declaração omite conclusão dos casos. Para embasar sua fala, o deputado exibe no vídeo conteúdo publicado em três jornais: uma matéria do jornal O Globo de julho de 2015 com o título "ONG pró-aborto vende órgãos fetais nos EUA" (aqui); outra da BBC de agosto do mesmo ano com o título "Doação de tecidos de fetos abortados causa polêmica nos EUA" (aqui), e um artigo publicado na Folha de S. Paulo em abril de 2008 assinado por Carlos Heitor Cony com o título "Uma história repugnante" (aqui).

    Vídeos utilizados na denúncia foram manipulados. As reportagens de O Globo e da BBC se referem a um caso envolvendo a Planned Parenthood, organização que fornece serviços de saúde reprodutiva para mulheres nos EUA, incluindo abortos. Uma organização antiaborto chamada Center for Medical Progress divulgou uma série de vídeos de câmera escondida que supostamente mostrariam integrantes da Planned Parenthood negociando a venda de órgãos de fetos abortados. A alegação se provou insustentável (veja aqui em matéria do The Guardian e aqui). Nos vídeos, uma funcionária da organização aparecia citando valores. As imagens editadas sugeriam que os valores seriam referentes a venda de órgãos de fetos. A Planned Parenthood alegou que eram custos de transporte do material (aqui).

    Atuação da organização era legal. A Planned Parenthood atuava na doação de tecido fetal para pesquisas, o que não é considerado crime nos EUA. Mas o assunto gerou uma longa discussão no país. Tecido fetal é usado em pesquisas científicas (aqui e aqui). A organização processou o Center for Medical Progress e ganhou (aqui, aqui e aqui).

    Livro que baseou reportagem foi desmentido. O artigo de Carlos Heitor Cony na Folha faz referência a um livro chamado "Babies for Burning", dos autores Michel Litchfield e Susan Kentish. Ele diz que os escritores descobriram que fetos humanos seriam vendidos para fábricas de cosméticos na Inglaterra. Isso, porém, era falso. O livro, lançado na década de 1970, foi desmentido na mesma época por uma reportagem do Sunday Times em março de 1975 publicada com o título "Abortion Horror Tales Revealed as Fantasies" (Contos de terror sobre aborto eram fantasias, na tradução) (aqui e aqui). A reportagem apontou que a história era baseada em evidências enganosas.

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    Autores do livro foram processados por difamação. Em 1978, Michel Litchfield e Susan Kentish retiraram as alegações contra a BPAS (British Pregnancy Advisory Service) no tribunal. Eles pediram desculpas "por qualquer angústia e dano" que suas alegações causaram (aqui). O aborto é legalizado na Inglaterra desde 1967.

    George Soros também é vítima de desinformação. O filantropo fundador da Open Society Foundations, citado pelo deputado, é constantemente relacionado a teorias conspiratórias (aqui). Em dezembro de 2023, a organização anunciou a doação de U$ 50 milhões (R$ 272 milhões na cotação atual) para aumentar o engajamento cívico de mulheres em apoio à democracia no país. Uma das organizações beneficiadas é a Planned Parenthood (aqui).

    O que diz o deputado. Ao UOL Confere, Sóstenes Cavalcante disse que "todas as fontes mencionadas estão claramente referenciadas nos vídeos" e que encoraja uma "análise crítica e detalhada dessas informações". Sobre serem informações falsas ou descontextualizadas, ele não comentou. Leia a nota na íntegra:

    "Agradeço o contato e a oportunidade de esclarecer. Mantenho minha posição firme sobre a importância de discutir questões éticas e morais relacionadas à indústria de cosméticos e ao uso de materiais biológicos. Acredito que há muitas práticas questionáveis e que a transparência é fundamental.

    Destaco que minha preocupação é legítima e baseada em relatos que circulam há anos. Minha intenção é chamar a atenção para a necessidade de uma investigação rigorosa e uma regulamentação mais transparente sobre os ingredientes utilizados nos produtos de consumo. Todas as fontes mencionadas estão claramente referenciadas nos vídeos, e encorajo uma análise crítica e detalhada dessas informações.

    Não me intimido com as críticas e reafirmo meu compromisso com a defesa da vida e da ética. Lamento que a discussão sobre a origem dos ingredientes em cosméticos seja tão negligenciada e continuarei a lutar por maior transparência e responsabilidade na indústria."

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    Este conteúdo também foi checado por Aos Fatos e Folha de S. Paulo.

    Sugestões de checagens podem ser enviadas para o WhatsApp (11) 97684-6049 ou para o email uolconfere@uol.com.br.

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