Gasto público bilionário não evita nova tragédia das chuvas em Alagoas e Pernambuco
Quase um ano se passou, e a maior cheia registrada na história dos Estados de Alagoas e Pernambuco deixou mortos, prejuízos e desabrigados, mas parece não ter deixado todas as lições ao poder público. Depois das promessas de que as cenas não se repetiriam, 50 mil pessoas voltaram a ficar desabrigadas esta semana na zona da mata dos dois Estados.
Logo após a cheia de junho de 2010, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu, em Maceió, ajuda “sem limite” para que as cidades se reerguessem. Levantamento feito pelo UOL Notícias, junto aos dois Estados, revela que o dinheiro veio. Alagoas e Pernambuco receberam mais de R$ 2 bilhões, que foram e estão sendo investidos em vários tipos de obras - em especial na reconstrução das quase 30 mil casas destruídas no ano passado pela força dos rios. Porém, entre tantos investimentos, nada ou muito pouco foi feito para prevenção de novas tragédias.
O detalhamento dos gastos mostra que os recursos foram investidos em compras emergenciais, pagamento de auxílios-moradia e recuperação de pontes, rodovias, escolas, postos de saúde e casas. Mas também mostra que “esqueceram” de contemplar barragens para retenção da água dos rios, que este ano são prometidas pelos dois governos.
As chuvas já deixaram três mortos e mais de 10 mil casas danificadas e destruídas em Alagoas e Pernambuco, só nos quatro primeiros meses de 2011. Com um detalhe: as cidades mais atingidas são as mesmas que, em 2010, tiveram as maiores destruições e clamaram por socorro.
Das 27 cidades mais afetadas e que decretaram calamidade pública em junho de 2010 nos dois Estados, cinco decretaram emergência nos últimos 10 dias: Jacuípe (AL) Água Preta, Catende, Palmares e Primavera (ambas em PE).
Barreiros (PE) foi além e voltou a decretar estado de calamidade pública – que ainda não foi homologado pela Defesa Civil Estadual. Outras 11 cidades (duas em AL e nove em PE), que decretaram emergência em junho de 2010, refizeram os decretos esta semana.
Investimentos sem prevenção
Em Pernambuco, onde mais de 220 mil pessoas foram afetadas pelas enchentes nas últimas semanas, o governo do Estado afirma que investiu --ou ainda está investindo-- R$ 1,06 bilhão. Desse total, R$ 588 milhões foram destinados às 8.774 novas casas que estão em construção e R$ 279 milhões foram utilizados em reconstrução de infraestrutura. Outros R$ 76 milhões foram gastos em obras emergenciais.
Alagoas --que tem hoje 15 mil afetados-- recebeu R$ 540 milhões do governo federal nos seis primeiros meses, quando duraram os decretos de calamidade pública e de emergência.
Segundo dados do já extinto Programa da Reconstrução, além desse montante investido em atendimento às vítimas e em obras de recuperação, as 17,5 mil casas em construção contam com um financiamento de cerca de R$ 780 milhões da Caixa Econômica Federal. Ao todo, R$ 1,3 bilhão em investimentos federais foram ou estão sendo feitos no Estado.
Agora, depois da tragédia reinstalada, o governo de Pernambuco anunciou, na quinta-feira (5), que “as cinco barragens que vão livrar a população da zona da mata sul de Pernambuco do drama das enchentes vão ser construídas em parceria pelos governos estadual e federal”.
“A presidenta telefonou e garantiu cerca de R$ 320 milhões, que correspondem a 50% do custo das obras e da desapropriação. Nós entraremos com a outra metade”, disse o governador Eduardo Campos (PSB) na página oficial do governo do Estado.
O governo informou ainda que as obras já eram planejadas, tanto que “parte significativa” dos trabalhos prévios já foram realizados, como a topografia para identificar a localização precisa e os projetos de engenharia. A promessa é que duas das barragens tenham processo licitatório iniciado em junho (com conclusão antes do inverno de 2012), e as outras três sejam contratadas em novembro (com conclusão prevista para 2013).
Em Alagoas, o coordenador do programa da Reconstrução, Luiz Otávio Gomes, disse, durante sessão pública na Assembleia Legislativa, no final de março, que o Estado já estava com recursos garantidos dos projetos para contenção de encostas e construção de barragens. O projeto está orçado em R$ 9 milhões. “São recursos de grande monta, onde, nos dois Estados [AL e PE], você não gastará menos de R$ 700 milhões. No próximo ano é que vai se pleitear recursos desse projeto, para que enchentes como a de 2010 não voltem a acontecer”, declarou.
“Lições nunca são incorporadas”
Para o professor do Instituto de Ciências Atmosféricas da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), Humberto Barbosa, além das barragens prometidas, os governos pecam pela ausência de soluções de problemas urbanos cotidianos, como falta de saneamento básico adequado e destino incorreto do lixo nas periferias das cidades, que contribuem de forma significativa para as enchentes.
“É preciso também elaborar e programar plano de contingência e programa de combate a inundações, além de manter o Poder Público em sintonia com o serviço de meteorologia”, disse.
Segundo o especialista, a vulnerabilidade dessas áreas está diretamente ligada “à indiferença social” em relação ao direito de territorialização dos mais pobres. “As lições aprendidas com as falhas na prevenção quase nunca são incorporadas. Em geral, os desastres são recorrentes no país por falta de uma cultura de prevenção e proteção civil. As chuvas fortes, ainda que eventos extremos, não são desastres. Do ponto de vista técnico, entende-se por desastre uma combinação da ameaça natural com alto grau de vulnerabilidade. É o que foi notificado no caso das enchentes de 2010”, alegou.
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