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Calor, lixo e violência desafiam vida de desabrigados em barracas um ano após enchentes em Alagoas

Aliny Gama

Especial para o UOL Notícias<br>Em Rio Largo (AL)

18/06/2011 07h00

Eles escaparam da maior tragédia natural da história de Alagoas. São 27 mil desabrigados que viram, em 18 de junho de 2010, suas casas serem destruídas pela força das águas dos rios. Com elas, também se foram documentos, móveis e muitos sonhos construídos. Este sábado, no aniversário de um ano de vida no improviso, uma palavra ilustra bem o sentimento dos desabrigados que dividem as 2.431 barracas minúsculas (no máximo 25 m²): tristeza.

Alagoas, ao contrário de Pernambuco, não adotou o auxílio-moradia para extinguir os acampamentos. Doze meses após as cheias, muitas barracas já estão rasgadas ou têm furos. Quando o calor dá uma trégua, a chuva vem, e a lama toma conta. O lixo que não é recolhido e o esgoto a céu aberto dividem espaço pelas ruas, enquanto a violência e a prostituição estão presentes nos acampamentos. Diante de tantos problemas, reclamações não faltam.

Na última terça-feira (14), a reportagem do UOL Notícias visitou um dos maiores acampamentos instalados no Estado, no município de Rio Largo, na região metropolitana de Maceió, e ouviu diversos relatos. A primeira imagem que chama a atenção é a dos “puxadinhos” feitos por moradores, com madeira e telha ou até mesmo lona.

O casal Cecília Gonçalves de Araújo, 43, e Domingos Barbosa da Silva, 45, perdeu a casa que também servia de local de trabalho e se sente esquecido pelo poder público. “Ninguém aparece mais aqui para nos ajudar. Nós estamos esquecidos. A gente está precisando de tudo e não chega mais doação. Temos um filho e não queríamos que ele fosse criado nesse ambiente”, disse Domingos, que relata: enjoou do tempero da comida que servem todos os dias no abrigo. “Comida não falta, mas ninguém aguenta comer a mesma coisa todo dia.”

Cecília disse que está preocupada com a saúde, já que, desde que se mudou para o abrigo, começou a sofrer de hipertensão. Para ela, o problema veio por conta dos “aperreios” e do “calor”. “Não aguentamos mais viver dessa maneira improvisada. O calor é insuportável dentro da barraca. Quando chove, a gente não tem como sair”, disse.

Outro problema relatado por moradores é a violência. A costureira Maria Vilma Nogueira, 46, conta que não sai da barraca temendo roubos. “Vivo presa, pois se a gente sair corre o risco de chegar em casa e não ter mais nada”, disse a costureira, que divide a “escala” na barraca com as filhas. “Quando eu preciso sair, uma filha é quem fica.”

A dona-de-casa Maria José Bezerra, 58, disse que, além da falta de segurança, o abrigo também se tornou ponto de prostituição. “As jovens ficam quase nuas se mostrando para os homens. Às vezes elas conseguem alguém que pague.”

Para complementar renda, as barracas se transformaram, além de moradias, em pequenos comércios. O vigilante Antonio Silveira, 44, perdeu o emprego e agora transformou parte de sua barraca em uma pequena bomboniere.

“Vendo doces, pipocas e outras besteiras para tirar o sustento da minha família. Minha esposa trabalha lavando roupa e eu botei esse negócio aqui para aproveitar que tenho de tomar conta da barraca quando ela sai”, disse.

A jovem Adriana Alves da Silva também aproveitou a barraca e montou uma pequena locadora de videogame. Com dois televisores e dois videogames, ela aluga os equipamentos por R$ 1,00 a hora.

Situação difícil

O administrador do acampamento, Givaldo de Freitas, admitiu que no local “todos vivem numa situação difícil”. “Foi uma luta para implantarmos os banheiros, a lavanderia e montarmos a cozinha, pois o abrigo recebeu os desabrigados sem a mínina estrutura. Tudo por conta da burocracia, e as obras só vieram depois que as escolas foram desocupadas, dias após a cheia do rio Mundaú”, disse.

Ele afirmou que esta semana as famílias conheceram o conjunto habitacional onde vão morar e assinaram os contratos dos imóveis. “Espero o mais rápido possível que entreguem essas casas. Pois se eles não aguentam mais viver aqui dessa maneira, a gente também vive numa condição difícil de administrar. A falta de educação e as constantes brigas são os maiores problemas”, afirmou Freitas.

Pernambuco tem só 485 em abrigos

Em Pernambuco, os acampamentos foram substituídos por auxílios-moradia. Segundo o governo pernambucano, 17.164 famílias cadastradas receberem o benefício. Até maio foram pagos R$ 53,5 milhões em auxílios. As exceções ficaram por conta das cidades onde não existem mais moradias para alugar. Segundo o governo, apenas 485 pessoas seguem morando em seis abrigos (inicialmente eram 26 mil).