Ameaça de invasão e restrição de alimentos definiram rendição, diz PM que acampou na AL-BA
Do lado de fora, um efetivo de quase 1,5 mil homens da Força Nacional de Segurança e do exército que poderiam invadir, a qualquer momento, o prédio ocupado por menos de 250 policiais militares. Do lado de dentro, o corte no fornecimento de água e energia elétrica, a suspensão da entrega de alimentos por parte de familiares e o fechamento de todos os acessos do Centro Administrativo da Bahia, ao longo da semana, em uma ação que aumentou ainda mais o isolamento da área.
Para o soldado Ivan Carlos Leite, foi esse conjunto de fatores que contribuiu para que, na manhã de quinta-feira (9), os PMs em greve desde o último dia 31 se rendessem e deixassem o prédio. Na saída, um a um eles foram revistados antes de seguir para casa. Dois dos líderes do movimento tinham ordem de prisão decretada e foram presos. Restam oito mandados a cumprir.
Leite era um dos 245 grevistas que ficaram até o último dia de resistência. Ontem à noite, ele falou com o UOL em Salvador depois de uma reunião tensa e inacessível à imprensa --hostilizada por parte dos participantes --que oficializou a manutenção da greve. Os PMs não abrem mão de receber um adicional de gratificação ainda este ano, e outro no começo de 2013. O governo do Estado insiste no escalonamento da gratificação até 2015 --quando o governador já não será mais o petista Jaques Wagner. Os grevistas reclamam que não há garantias de que, daqui a três anos, a gratificação será enfim repassada.
O soldado contou que o envio de um número expressivo de forças federais intimidou os grevistas. “Vivíamos sob risco constante de uma invasão; além disso, vários oficiais mais jovens estavam visivelmente mais estressados que a gente, e eles estavam em número muito superior aos que acampávamos”, contou. “Teve sangue e bala de borracha (contra um PM, na última segunda), e mesmo assim não houve reação da nossa parte. Aliado a isso, a delimitação do perímetro (de movimentação dos grevistas) e o corte de energia acabaram influenciando”, disse.
O grevista negou que a divulgação de áudio de conversas entre líderes da greve, entre eles Marco Prisco, na véspera, tenha afetado o ânimo dos acampados. Nas gravações, Prisco conversa com um suposto grevista de outra cidade baiana que estaria organizando atos de vandalismo e bloqueio de rodovia. “Não existiu essa crise lá”, garantiu.
Integrante da 14ª Companhia Independente de Lobato, periferia de Salvador, Leite contou que se alimentou de frutas, biscoitos e suco nos dias que ficou na AL. “Levei apenas duas cuecas; não foi fácil”, lembra. E completa: “Não nos sentimos confortáveis com essa situação toda, sequer pedimos anistia de crimes –queremos anistia administrativa a quem participou da greve. Mas certamente seria um sinal de bom senso do governo anistiar os que foram presos (quatro, ao todo), já que, pela proposta salarial, ele não avança”, disse.
Hoje, às 16h, os grevistas voltam a se reunir em assembleia para avaliar eventual proposta do Estado pelo fim da paralisação.
Estragos na AL
A Assembleia Legislativa da Bahia retomou os trabalhos ontem, horas depois da desocupação e de forma precária. Durante visita dos jornalistas ao interior do prédio, que estava ocupado desde o último dia 31 por policiais militares grevistas, foram constatados vidros quebrados, portas arrombadas e desordem no interior da Casa.
Segundo a Presidência da Assembleia, os estragos foram deixados pela Polícia Federal após varredura realizada depois da desocupação dos PMs. O objetivo era procurar eventuais explosivos, armas e grevistas que tivessem se escondido. O resultado foram portas trincadas, fechaduras arrombadas, partes de teto e equipamentos de iluminação destruídos.
Antes de permitir o acesso da imprensa, o presidente do Poder Legislativo estadual, deputado Marcelo Nilo (PDT), havia afirmado em entrevista coletiva que o prédio não havia sido danificado pelos grevistas. O próprio chefe de Comunicação do Exército, tenente-coronel Marcio Cunha, havia reforçado a afirmação –segundo ele, o local estava “apenas muito sujo”.
Durante a visita dos repórteres e cinegrafistas, com o prédio ainda sem luz, Nilo disse que havia sido informado pela PF da necessidade dos estragos. “Foi uma ação tática da PF em defesa do patrimônio público. Afinal, podia ter grevista aqui, e todas as portas estavam trancadas”, disse. A PF, por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que fez um levantamento com os policiais que estiverem no local, e todos negaram a suposta ação relatada pelo parlamentar.
Entre as marcas deixadas pelos grevistas acampados, havia lixo, peças de roupa sujas, garrafas de água e velas ainda acesas –já que iluminação e água estava cortados. Alguns locais, como a presidência e o plenário, não foram invadidos. De dois banheiros do piso mais usado pelos PMs, um estava interditado; o outro tinha um aviso para que “apenas mulheres” o usassem –homens deveriam buscar um banheiro no segundo piso.
Entenda a greve
A greve na Bahia foi deflagrada na terça-feira, dia 31 de janeiro, por parte da categoria, liderada pela Associação de Policiais e Bombeiros da Bahia (Aspra). Dias depois, o movimento foi considerado ilegal. Na noite desta quinta-feira (9), a categoria decidiu manter a paralisação. Não foi informado o contingente de homens parados.
Para encerrar a paralisação, os grevistas pedem a incorporação de gratificações ao salário e a concessão da anistia administrativa para os envolvidos. Segundo o governo estadual, a principal reivindicação dos policiais, que era a implantação de duas gratificações (a Gratificação de Atividade Policial-GAP 4 e 5), foi concedida de forma escalonada até 2015. "Com muito esforço orçamentário, ofereci entre 2012 e 2015 o atingimento no contracheque dessas duas gratificações", disse o governador Jaques Wagner (PT). Os grevistas, contudo, exigem que a GAP 4 seja paga imediatamente e a GAP 5, no início de 2013.
O governo reiterou que os policiais envolvidos em "casos de vandalismo" serão punidos. "Os policiais que participaram legalmente, dentro das regras do processo reivindicatório, não têm com o que se preocupar. Mas todos aqueles condenados pela sociedade baiana que depredaram, quebraram e intimidaram a população devem ser investigados. Não há como falar em perdão quando se fala em atos de vandalismo", disse Wagner.
A presidente Dilma Rousseff se manifestou nesta quinta-feira contra a anistia aos grevistas.
A paralisação gerou um aumento da violência no Estado: houve registro de arrastões e aulas e shows foram cancelados. Os Estados Unidos chegaram a recomendar aos norte-americanos que adiem viagens "não essenciais" ao Estado. Em uma semana, o número de homicídios mais do que dobrou na região metropolitana de Salvador, segundo estatísticas oficiais do governo.
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