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Com dívida milionária, Hopi Hari reabre um mês após acidente com morte

Parque reabrirá no domingo (25), mas brinquedo onde adolescente morreu continuará interditado - Gabo Morales/Folhapress
Parque reabrirá no domingo (25), mas brinquedo onde adolescente morreu continuará interditado Imagem: Gabo Morales/Folhapress

Fabrício Calado

Do UOL, em São Paulo

24/03/2012 07h00Atualizada em 24/03/2012 14h41

Imerso em problemas financeiros que não vêm de agora, o parque de diversões Hopi Hari completa neste domingo (24) um mês envolvido em uma investigação policial. Não bastasse a morte da adolescente Gabriela Nichimura, 14, no dia 24 de fevereiro, o parque tem de administrar também um endividamento de R$ 137 milhões, com receita bruta de R$ 102,6 milhões, segundo a base de cálculo de outubro de 2010 a setembro de 2011.

As informações são da assessoria de imprensa do Hopi Hari, que não revela dados sobre o faturamento do parque. Ainda segundo a assessoria, a dívida só deve começar a ser paga em 2014 e os prazos para o pagamento estão entre 20 e 30 anos.

Mesmo com um inquérito policial em andamento, o Hopi Hari decidiu reabrir suas portas amanhã, e lançará, inclusive, uma nova área em breve, com personagens da HQ da Liga da Justiça e do desenho animado do Pernalonga.

“A nova área temática de Looney Tunes e a inauguração, nos próximos meses, da região da Liga da Justiça e da maior montanha russa do mundo em número de inversões reafirmam a posição de Hopi Hari como o maior parque temático da América Latina e o maior centro de entretenimento no Brasil”, diz nota do parque.

Segundo o Hopi Hari, o acidente não causou revisões no contrato de licenciamento com a Warner Bros. Consumer Products. Anunciado há um ano como sendo de longo prazo, o acerto entre as duas empresas previa investimento de R$ 100 milhões, e a expectativa era dobrar o número de visitantes (à época, em 2 milhões por ano) em até dez anos de funcionamento. A Warner Bros. Consumer Products diz que o contrato continua em vigor.

Interdição após acidente

Desde o dia 2 de março, o Hopi Hari, localizado em Vinhedo (SP), ficou fechado para a realização de perícia nos brinquedos. O objetivo foi detectar se outras atrações oferecem risco à segurança dos frequentadores. O parque reabrirá suas portas no domingo (25), mesmo com três de suas 58 atrações interditadas.

A reabertura do parque de diversões vem em um momento em que o noticiário é desfavorável ao segmento. No início desta semana, no dia 19, outro parque, o Playcenter, na zona oeste de São Paulo, anunciou que encerrará suas atividades a partir do próximo dia 29 de julho, até julho de 2013.

O parque atual será reformado para adoção de um novo modelo, de modo que a capacidade de público vai reduzir dos atuais 12 mil visitantes ao dia para 4.500, diariamente. Em nota, o grupo Playcenter diz que o local abrigará um “conceito de diversão inédito no Brasil” a partir de pesquisas que teriam apontado carência de espaços em que “pais possam brincar e interagir junto com seus filhos” na capital paulista. 

Segundo a assessoria do grupo, as mudanças custarão R$ 40 milhões e não estão relacionadas a acidentes recentes que aconteceram em brinquedos do Playcenter, mas, sim, a uma “mudança de estratégia” da empresa. Desde 2010, dois acidentes --ambos, em um intervalo de pouco mais de seis meses-- no Playcenter deixaram vítimas e renderam inquéritos na Polícia Civil. Em setembro de 2010, 16 pessoas ficaram feridas na montanha-russa Looping Star, na qual os passageiros passam por um "looping" de 20 metros de altura e a velocidades que podem atingir o pico de 90 km/h. Ninguém, no entanto, ficou ferido com gravidade.

No dia 3 de abril de 2011, oito pessoas ficaram feridas depois de uma das travas do brinquedo Double Shock se abrir durante a operação. Dos feridos, três chegaram a ser internados no Hospital Metropolitano, na zona oeste de São Paulo. Em julho do mesmo ano, um laudo do IC (Instituto de Criminalística) de São Paulo apontou que houve falha humana no acidente, e o parque anunciou reforço de medidas de segurança.

Parque fica no interior de SP

  • Arte/UOL

Hopi Hari um mês depois

Um mês após a morte da adolescente Gabriela Nichimura, os pais da menina ainda choram bastante ao lembrar do episódio. É o que disse ao UOL a tia da vítima, Isabel Domareski, 40. Segundo ela, Silmara e Armando Nichimura, pais de Gabriela, choram sempre que relembram do caso. Por isso, nas reuniões de família, o assunto é evitado.

Gabriela morreu no dia 24 de fevereiro ao despencar do brinquedo La Tour Eiffel, conhecido como elevador. Ela usou uma cadeira que estava desativada há dez anos, mas sem sinalização. A garota foi levada ao hospital na cidade vizinha, em Jundiaí (SP), mas não resistiu e morreu por traumatismo craniano seguido de parada cardíaca.

O brinquedo tem 69,5 metros de altura, o equivalente a um prédio de 23 andares. Na atração, os participantes caem em queda livre, podendo atingir 94 km/h, segundo informações do site do Hopi Hari.

Além dos pais da adolescente, sua prima, Natasha, estava com ela no brinquedo no dia do acidente. À polícia, ela disse que  viu o corpo de Gabriela inclinado à altura de seus olhos, como se a adolescente estivesse deitada. A mãe de Natasha, Isabel, diz que o comportamento da filha mudou. 

"Foi muito difícil para ela, porque elas duas eram muito ligadas", afirma. Segundo ela, Natasha tem se mostrado mais triste em seu dia a dia. "Creio que ela ainda sente bastante a perda." A mãe evita ler matérias sobre o assunto --"porque não quero que minha filha leia", explica. Os pais de Gabriela, diz a tia, também não têm acompanhado a cobertura da imprensa sobre o caso. Segundo ela, o casal fica sabendo de desdobramentos do caso pelo advogado da família, Ademar Gomes.

Inquérito

Em nota, o Hopi Hari disse que "avaliações preliminares apontam que sucessivas falhas humanas podem ter sido a causa da tragédia." O delegado Álvaro Santucci Noventa Júnior, que investiga o acidente, já afirmou  que ao menos quatro pessoas serão indiciadas sob suspeita de homicídio culposo (quando não há intenção de matar). Santucci, entretanto, pediu a prorrogação do prazo para conclusão do inquérito.

A polícia ouviu funcionários, visitantes e familiares da garota. Após a mãe da adolescente mostrar fotos tiradas minutos antes do acidente, verificou-se que a primeira inspeção da polícia havia sido feita no assento errado, o que mudou o rumo do caso. A perícia na cadeira efetivamente usada por Gabriela constatou que a trava abria quando o brinquedo era colocado em atividade.

O advogado de dois funcionários que comandavam o brinquedo no momento do acidente afirma que há falhas no inquérito, e que por isso, é errado descartar outros tipos de problemas, como erro mecânico ou erro do parque no treinamento dos funcionários. "Há uma falha humana sim, gigantesca, mas ela é da direção", diz o defensor Bichir Ale Bichir Júnior. 

Segundo Ademar Gomes, que representa a família da adolescente, os pais ficaram abalados com o acidente, mas também com alguns procedimentos do inquérito. "Teve uma autoridade que pediu exames para saber se ela (Gabriela) ingeriu bebida alcoólica. Deus do céu, ela tinha 14 anos! Isso é uma afronta à família", afirmou Ademar. Ele diz também que ninguém do parque procurou a família desde o acidente. 


Reabertura

Fechado desde 2 de março, o Hopi Hari afirma que reabrirá suas portas no domingo (25) após acordo entre o parque e o Ministério Público. O advogado dos pais da adolescente diz que eles são contra a reabertura do local sem que esteja concluída a perícia em todos os brinquedos, afastando o risco de novos acidentes.

Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado na quinta-feira (22) determinou que o local poderá reabrir, desde que três atrações ficassem fechadas ao público. Pelo TAC, os brinquedos West River Hotel e Simulakron, que ainda dependem de adequações, continuarão interditados. O La Tour Eiffel está interditado por tempo indeterminado, enquanto corre o inquérito policial sobre o caso.

De acordo com a promotora Ana Beatriz Sampaio Silva Vieira, que atua no caso, no período em que o parque ficou fechado foram vistoriados 14 brinquedos, além do La Tour Eiffel. Ela diz que o Hopi Hari tem um total de 31 brinquedos (entre mais de 50 atrações), mas que 12 estão fechadas (para conclusão de projeto, reforma, etc) e que outras cinco, “que não oferecem risco”, segundo a promotora, foram vistoriadas por uma empresa alemã de consultoria contratada pelo parque. A promotora garantiu que o local está apto a receber os visitantes com segurança neste fim de semana.

Segundo Ana Beatriz, o Simulakron, uma espécie de cinema no escuro com cadeiras que chacoalham, precisará de um sistema de monitoramento por meio de câmera infravermelha, já que o usuário tem autonomia para se soltar do cinto. De qualquer forma, o parque tem 30 dias para questionar o fabricante do Simulakron sobre a possibilidade de implementação de dispositivo que não permita o início ou a continuação da operação caso o cinto de segurança não esteja ativado.

Já o West River Hotel, uma espécie de trem-fantasma, deverá se adequar a normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). “As rotas de fuga não estão devidamente sinalizadas. Há, por exemplo, portas obstruídas e sinalização incompleta”, disse a promotora. “Em uma eventual parada dos trens ou pane no sistema, o usuário poderia se ver obrigado a andar sobre trilhos energizados”, completou.

Embora tenha detectado que as montanhas-russas Montezum e Vurang não deixam de operar mesmo que alguma trava esteja aberta, o MP entendeu que esses dois brinquedos não precisam ser interditados, mas determinou que a checagem da trava seja feita duas vezes pelos operadores. “Também determinamos que essa informação seja passada ao visitante”, disse a promotora.

Pelo acordo, o Hopi Hari deverá comprovar ainda, no prazo de 30 dias, a contratação de serviço de consultoria, a ser realizada por "empresa de notória especialização", para realização de diagnóstico do sistema de qualidade, segurança, riscos e saúde do parque. Concluídos esses trabalhos, o parque deverá implementar todas as recomendações constantes do plano de implementação e, ao final do processo, apresentar o Certificado de Qualidade do Sistema de Gestão.

O MP afirma ainda que o parque se comprometeu a não colocar em funcionamento qualquer brinquedo que apresente defeito conhecido que possa colocar em risco a segurança do usuário. Além disso, deverá implantar sinalização clara e objetiva acerca da impossibilidade de uso de determinado assento integrante de atração em operação.

O Hopi Hari também deverá substituir todo aviso ou comunicação visual dirigida aos técnicos de manutenção e operação, que esteja em língua estrangeira, por outro sinal ou aviso em português. E, no prazo de 12 meses, providenciará a tradução para a língua portuguesa de todos os manuais das atrações do parque. Também deve garantir o contínuo treinamento dos funcionários, afirma o MP. 

O TAC, assinado pela promotora de Justiça Ana Beatriz Sampaio Silva Vieira, prevê multa diária de R$ 95 mil para o caso de descumprimento de quaisquer das cláusulas.