Falta planejamento urbano em Petrópolis, dizem especialistas
Planejamento urbano e reflorestamento das margens dos rios de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, poderiam evitar as 28 mortes que ocorreram no município em função de estragos provocados pela chuva desde o último domingo (17), segundo especialistas ouvidos pelo UOL.
"A grande solução para evitar isso é planejamento urbano, senão vão continuar gastando com remoção de pessoas, com hospitais, com contenção de encostas. Vai começar do zero, mas uma hora vai ter que começar a planejar, como nas áreas onde ainda haverá expansão", afirmo o coordenador de pós-graduação de gestão ambiental e sustentabilidade da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), Marcelo Motta.
"A serra tem particularidades e áreas suscetíveis ao deslizamento, com capa de pequena espessura de cobertura de terra, mas, além de aspectos geológicos e geotécnicos, a aglomeração é um problema. Tem certos trechos que se consegue fazer melhorias, mas o ideal é deslocar as pessoas para uma área onde se pode expandir, onde vai poder fazer melhorias", disse o especialista em deslizamentos da Coppe/UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Engenharia), Maurício Ehrlich.
Desde 2010, a Prefeitura de Petrópolis, assim como outros quatro municípios do Estado, recebe verba do Ministério das Cidades para fazer o mapeamento geológico das áreas de risco, além também de contar com o monitoramento do Setor Geológico do Estado.
De acordo com o DRM (Departamento de Recursos Minerais), ao qual o setor de geologia é subordinado, atualmente são 132 áreas de risco no município --entre locais de deslizamento de terras e transbordamento de rios-- onde estão 4.500 casas e vivem aproximadamente 15 mil pessoas. Os dados são deste ano. As informações servem de apoio para o município elaborar um plano de gestão urbana que evitaria novas tragédias.
"Dos três grandes municípios da região serrana, Petrópolis é o que tem o maior número de pessoas morando em áreas de risco [Teresópolis tem quase cinco mil; já em Nova Friburgo, cerca de 12 mil residem em pontos críticos]", disse o presidente do DRM, Flávio Erthal.
Nesta segunda-feira (18), enquanto equipes de resgate ainda contabilizavam o tamanho da tragédia, o prefeito Rubens Bontempo (PSB) afirmou que 5.000 famílias vivem em condições de risco no município, mas sem explicar o que vem sendo feito para retirar essas famílias dessas áreas ou evitar novas mortes nesses locais.
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Entre os pontos mais críticos, estão os bairros que sofreram mais estragos durante o temporal que teve início no último fim de semana: Quitandinha, Bingen, Independência, entre outros. "Essa chuva atingiu exatamente a região central de Petrópolis, diferentemente do que ocorreu na tragédia de 2011, quando ela se concentrou na divisa entre Petrópolis e Itaipava. Ali estão as principais áreas de risco", afirmou Erthal.
Apesar de a Prefeitura de Petrópolis ser a responsável por mapear as áreas de risco do município, esse trabalho também é acompanhado de perto pelo DRM, que produz relatórios quando ocorrem situações como a desta semana. O órgão deve sobrevoar a região para elaborar um diagnóstico da situação do município.
"Nosso trabalho começa no pós-desastre. Vamos procurar entender o que aconteceu, sobrevoar esses bairros que sofreram consequências mais graves, fotografar os pontos de escorregamentos, área por área. A partir disso, produzimos um relatório indicando quais seriam as tendências, ou seja, quais os riscos remanescentes, e quais seriam as providências recomendadas", explicou o presidente do DRM.
A reportagem do UOL solicitou entrevista com o secretário de obras do município, Aldir Cony dos Santos, porém não obteve retorno de sua assessoria até o início da noite desta terça-feira (19). Funcionários da prefeitura culpam a gestão anterior --o atual prefeito assumiu em janeiro deste ano-- pela falta de investimentos na região central da cidade. O principal deficit seria relativo a programas habitacionais. O ex-secretário de obras Stênio Nery não foi localizado para comentar o assunto.
De acordo com o governador do Rio, Sérgio Cabral, estão sendo feitas "obras muito importantes" na região do Vale do Cuiabá --onde estavam concentrados os estragos provocados pela tragédia de 2011. "A área afetada [há dois anos] não tem nada a ver com essa", afirmou o chefe do executivo fluminense. Ainda segundo ele, 835 famílias que perderam suas casas na época continuam sem residência definitiva.
O Ministério das Cidades não informou os valores repassados para Petrópolis. A Secretaria de Obras do Estado, por sua vez, que administra parte das verbas do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), também foi procurada pela reportagem. A assessoria informou que tais informações se encontram no site da pasta: www.obras.rj.gov.br.
Bacia hidrográfica
A situação climática do Sudeste brasileiro é repetitiva nesta época do ano, com calor forte e muita incidência de chuva, mas a situação da região serrana, assim como da cidade do Rio, é mais complicada porque a cadeia de montanha retém mais nuvens entre a serra e o mar, o que provoca mais chuvas.
O fenômeno também é velho conhecido, segundo o assessor para meio ambiente do Crea-RJ (Conselho Regional de Engenharia) Adacto Ottoni, professor-adjunto do departamento de engenharia sanitária da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), mas o que mais agrava a situação é a degradação da bacia hidrográfica da região.
Segundo ele, se a bacia fosse preparada para receber grande quantidade de chuvas, não ocorreriam as tragédias. Ele explica que a bacia é formada pelo conjunto de serra, vegetação e rios.
Das 27 mortes contabilizadas até agora, cinco foram no bairro Quitandinha, que margeia o rio de mesmo nome, que transbordou entre domingo (17) e segunda. Até a tarde desta terça, o rio permanecia em estado de atenção para alagamentos.
"Por exemplo, uma bacia virgem, sem ocupação, reteria de 70% a 80% da água da chuva na encosta, evitando o transbordamento dos rios. As raízes reteriam os deslizamentos. Mas, com o desmatamento e a colocação de casas em cima da encosta, que também traz esgoto e lixo, a mesma chuva traz consequências trágicas. Encostas inclinadas, topos de morro e beira de rio não podem ter ocupação, isso fere a lei ambiental", afirma o especialista.
Segundo ele, não dá para culpar o clima, porque este é aleatório e inevitável. Ele diz que o que tem de ser feito é a gestão das bacias, com reflorestamento e remoção de comunidades. Além disso, ele aponta que também deve ser investido em saneamento, porque o esgoto e o lixo, além de contaminarem os rios, sobrecarregam a encosta, porque acumulam líquido, além de ir parar nos cursos d'água depois da chuva, o que favorece o assoreamento.
"É um conjunto que pode resultar em melhorias ambientais na bacia. Não estamos preparando as bacias para as chuvas que virão. É uma tragédia anunciada. Se não mudar as políticas públicas, não resolve o problema", disse Ottoni.
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