Sob monitoramento internacional, começa amanhã júri dos acusados de matar extrativistas no Pará
Os olhos das entidades internacionais ligadas aos direitos humanos estarão voltados para o Brasil a partir das 8h desta quarta-feira (3), mais especificamente para o Fórum de Justiça de Marabá (a 685 km de Belém). É nesse momento que deve ter início o júri popular que vai decidir se José Rodrigues Moreira, Lindonjonson Silva Rocha e Alberto Lopes do Nascimento são os assassinos do casal de extrativistas José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva.
Casal de extrativistas é assassinado; relembre o caso
O crime, ocorrido em 2011, ressalta a violência contra militantes de defesa da natureza na região Norte, que já viu o seringueiro e sindicalista Chico Mendes e a missionária americana Dorothy Stang serem mortos por questões agrárias. O casal recebeu ameaças antes de morrer (vídeo acima)
O caso será julgado na Vara da Violência Doméstica e do Tribunal do Júri, um ano após aceitação da denúncia pelo juiz Murilo Lemos Simão. A previsão é que o julgamento seja encerrado na noite da quinta-feira (4).
O crime, ocorrido no dia 24 de maio de 2011, teve repercussão internacional por ser mais um caso de assassinato de militante de defesa da natureza na região da Amazônia. O caso já integra o rol de mortes emblemáticas por questões agrárias no Norte, como a do seringueiro e sindicalista Chico Mendes (morto em 1988) e da missionária americana Dorothy Stang (assassinada em 2005).
Os três acusados estão presos preventivamente desde setembro de 2011, acusados do crime. Segundo as investigações, o casal foi morto na zona rural do município de Nova Ipixuna (a 582 km de Belém), quando passava de moto por uma ponte. Eles foram vítimas de uma emboscada, alvejados a tiros e mortos. Antes de ser assassinado José Cláudio teve parte da orelha direita arrancada “como prêmio pela execução do delito”, segundo a denúncia do MP-PA (Ministério Público do Pará), autor da denúncia.
Os homicídios ainda têm três qualificadoras apontadas pela promotoria: motivo torpe –que foi a disputa pela posse de terra--, meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa das vítimas.
Por conta da repercussão do crime, a presidente Dilma Rousseff determinou a entrada da Polícia Federal no caso. Em fevereiro de 2012, a ONU (Organização das Nações Unidas) prestou homenagem ao casal.
Nesta terça-feira, diversas entidades internacionais já estão em Marabá para acompanhar o julgamento, entre elas a Anistia Internacional. Hoje também acontece uma audiência pública sobre o caso, na UFPA (Universidade Federal do Pará), quando serão discutidos os problemas agrários na região e o número de ameaçados de morte no Estado.
Acusação
O MP-PA sustenta que o motivo do crime foi a disputa pela posse de terra adquirida pelo réu José Rodrigues –que havia comprado dois lotes na área do projeto extrativista, porém um dos lotes estava ocupado por pessoas que contavam com o apoio das vítimas. Por isso os extrativistas passaram a receber ameaças de Rodrigues, acusado de ser o mandante do assassinato.
Para o MP-PA, a morte ocorreu “objetivando afastar qualquer impedimento para adquirir a posse da terra”. “José Rodrigues planejou, organizou e financiou o duplo homicídio”, diz a denúncia.
No processo, como o crime não foi presenciado por nenhuma testemunha, o MP aponta uma série de indícios para acusar os três réus que serão julgados. Segundo a denúncia, os acusados foram vistos em um bar a aproximadamente 3 km do local do crime. Eles teriam sido visto em uma moto antes e após o crime, já em suposta fuga.
"O crime teve testemunhas oculares, que viram realmente o fechamento do contrato e os matadores perto do local antes do crime. Eles também sabiam dos dessentimentos”, disse ao UOL o promotor Danyllo Pompeu Colares, que vai fazer a acusação ao lado da promotora Ana Maria Magalhães.
Outro ponto alegado pelo MP-PA é que no local do crime foi encontrado um capuz de mergulho como indício da participação do acusado José Rodrigues, já que ele teria, em sua propriedade, equipamentos de mergulho. Além disso, exame de DNA apontou compatibilidade para os dois acusados.
Segundo o promotor, é esperada a condenação dos três acusados, o que serviria para dar uma maior tranquilidade às pessoas que vivem sob risco de morrer na região.
"Existem dezenas de pessoas ameaçadas no Pará. É um crime de repercussão, e essas pessoas esperam que a repercussão de uma condenação dos acusados sirva para intimidar possíveis mandantes de outros crimes. Aqui, em Marabá, só se fala nesse julgamento há pelo menos duas semanas. O Pará inteiro está aguardando com ansiedade o veredito”, antecipou Colares.
Defesa
A defesa dos réus vai usar a negativa de autoria como tática no júri.
O advogado dos dois acusados, Wandergleisson Fernandes Silva, não só nega o crime, como diz que há falhas graves na investigação e acusação. Segundo ele, os investigadores do crime apresentam "indícios forjados" para fazer a denúncia.
"No YouTube você encontra o José Cláudio e a mulher, nos EUA, falando que estavam sendo ameaçados por fazendeiros, carvoeiros e madeireiros. Eles defendiam a natureza, e isso atinge diretamente os interesses econômicos dessas pessoas. Não havia conflito nenhum entre os acusados e a vítima. Eles mal se conheciam. Foi uma montagem, uma farsa para pegar pessoas como bode expiatório devido às pressões internacionais. Esse é um caso com interesse governamental", disse.
Segundo o advogado, há relatos de que as vítimas eram ameaçadas havia mais de dez anos. "As pessoas que foram acusadas moravam na região havia dez meses, não eram fazendeiros, carvoeiros ou madeireiros. É estranho isso. Por conta da pressão internacional, o caso foge à esfera local e tem um contexto um pouco mais complexo."
Para Silva, o casal pode ter sido vítima de vingança, porque, segundo o advogado, José Cláudio e os irmãos seriam acusados de homicídio. "Os irmãos dele estão foragidos. Se estivesse viva hoje, a vítima estaria presa ou estaria foragida. Eles mataram uma pessoa, e vamos entrar também nessa linha de raciocínio", afirmou.
Sobre as provas apresentadas pelo MP, o advogado desqualifica e questiona, por exemplo, o exame de DNA que teria apontado para “compatibilidade” com o material genético dos acusados.
"Veja só a capacidade de pegar as informações e deturpar. Nós requeremos esse DNA como prova nossa. O DNA tinha dois fios de cabelo, foi feito um exame que disse que parte dos fios era de material não humano. Devido à baixa qualidade do material, o DNA teve que ser feito de maneira especial e apontou para 'compatibilidade materna'. Ora, se cem pessoas estiverem numa sala, vai dar compatível com 50. É uma total imprecisão e isso não pode ser usado como uma prova. Isso vai ser explorado com calma na hora do júri", disse.
Outro ponto questionado é o de que os acusados foram vistos nas proximidades do local do crime. “Nós pegamos os registros da operadora Vivo e ficou comprovado que um dos acusados, que seria o autor do disparo, o Lindonjonson, estava no município de Novo Repartimento, numa localidade conhecida como Maracajá, a centenas de quilômetros de distância do local do crime. Ele precisaria de seis a sete horas para chegar ao local do crime. Além disso, temos testemunhas", concluiu.
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