Demora no julgamento do Carandiru favorece impunidade e prejudica réus, dizem especialistas
Só ao cabo de cerca de duas semanas, a partir da próxima segunda-feira (15), a sociedade saberá se os 26 policiais militares acusados de homicídio qualificado são inocentes ou culpados pela morte de 15 presos do complexo do Carandiru, em São Paulo, em outubro de 1992.
O Tribunal do Júri do caso, que começaria na segunda-feira (8) no Fórum Criminal da Barra Funda (zona oeste de São Paulo), teve o início adiado para 15 de abril, após uma jurada, com problemas de saúde, ser dispensada.
Independente da sentença, a longa espera para que o crime fosse finalmente julgado já jogou uma pá de cal sobre a possibilidade de que, 20 anos e seis meses depois, seja feita ainda justiça --aos familiares das vítimas ou aos réus.
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A opinião é de especialistas em direito criminal ouvidos pelo UOL, para os quais o tempo afeta o julgamento tanto quanto a noção do cidadão de que a impunidade no Brasil não vai acabar. Para eles, é como se, tantos anos depois, uma sentença de condenação, agora, soasse estranha a réus que permaneceram mais de duas décadas em liberdade absoluta –alguns morreram; outros, chegaram a ser promovidos após o massacre altas patentes.
Por outro lado, eventual sentença de absolvição, ponderam os criminalistas, seria a prova da injustiça que teria sido a acusação contra os réus durante todo esse tempo. Ou seja: poderiam ter evitado o olhar acusatório do brasileiro e mesmo de entidades internacionais muito antes.
Aliado a essas duas hipóteses, o tempo que o processo levou para ir a júri também pode afetar a memória de testemunhas –13 de acusação e dez da defesa –e mesmo dos réus, além da possibilidade de os jurados, que serão sorteados sete de um grupo de 50 pessoas, serem de idades das mais distintas. Como o crime ocorreu em 1992 e um dos critérios da seleção do júri é que o jurado tenha no mínimo 18 anos, não é impossível que alguns deles não se lembrem do massacre ou sequer tenham nascido quando ocorreu.
Em março deste ano, por sinal, o próprio IC (Instituto de Criminalística) de São Paulo negou pedido da defesa e do Ministério Público para que fosse feito um novo exame de confronto balístico capaz de identificar de quais armas partiram os projéteis que mataram os presos. A justificativa: pelo tempo, o material reenviado para análise estava inutilizado.
"Lapso de tempo afetará júri"
“O fato de ter demorado tanto para se julgar um processo desse mostra uma grande dificuldade da Justiça para lidar com alguns casos. E, naturalmente, isso se reflete em uma injustiça: se os réus forem absolvidos, ficaram submetidos a esse processo durante esse extenso tempo. Se forem condenados, o sentimento da sociedade de que deveria se ter feito justiça muito antes aumenta a sensação de impunidade. Precisamos repensar o sistema para que ele funcione de forma mais célere”, avalia o criminalista Frederico Crissiúma Figueiredo, conselheiro da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo) e mestre em direito processual.
Coronel Ubiratan
Para o advogado, o lapso grande de tempo deverá influenciar nos trabalhos do júri. “Testemunhas da época, que podem ser desde funcionários do Carandiru a gente que prestou auxílio no socorro às vítimas, se não faleceram, podem ter tido sua memória afetada depois dessas duas décadas. E obviamente que em plenário isso fará diferença”, acredita.
"Esperar 20 anos é um desserviço até para o réu"
“Depoimentos de testemunhas e mesmo interrogatórios de réus podem ser comprometidos, pois é difícil ter uma precisão muito grande. Eles podem não lembrar de situações referentes ao fato ou alegar que não se lembram, e a gente tende a acreditar q seja possível”, afirma.
O vice-presidente do IDDC (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), Augusto de Arruda Botelho Neto, analisa o passivo como negativo para o próprio poder Judiciário.
“Fica para a opinião pública uma ideia de lentidão excessiva e isso gera, sim, uma sensação de impunidade. E isso sempre falamos no instituto: não é o tamanho da pena que pesa para o cidadão, a benevolência ou não, mas a certeza da punição. Então, após 20 e poucos anos, é compreensível que se tenha sensação de impunidade”.
Para Botelho Neto, sob a perspectiva do réu, o prazo longo até a realização do júri “pode ser um desserviço”. “Porque também para ele isso deixa o sentimento de a Justiça não consegue de fato dar uma resposta”, justificou.
“Mas não adianta reclamar da morosidade se não se aumentam as varas criminais e se os tribunais superiores estão absolutamente lotados de recursos. Toda e qualquer reforma que vise acelerar esses trâmites, em hipótese alguma passando por cima das garantias constitucionais, precisa logo ser feita”.
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