Ação da PM no Carandiru será julgada em SP após 20 anos e com crimes prescritos
A Justiça criminal começa a julgar na próxima segunda-feira (15), em São Paulo, o assassinato de 111 presos do extinto complexo penitenciário do Carandiru, zona norte da capital paulista, no dia 2 de outubro de 1992. O episódio ficou marcado como o mais trágico na história do sistema carcerário do país e tem, ao todo, 79 policiais militares no banco dos réus --alguns deles, acusados de crimes de lesão corporal que já prescreveram.
O Tribunal do Júri do caso, que começaria na segunda-feira (8) no Fórum Criminal da Barra Funda (zona oeste de São Paulo), teve o início adiado para 15 de abril, após uma jurada, com problemas de saúde, ser dispensada.
Segundo o juiz José Augusto Nardy Marzagão, a equipe médica que dá suporte ao júri constatou “impossibilidade” da jurada de permanecer no tribunal. Por conta disso, o Conselho de Sentença (corpo de jurados), sorteado nesta manhã, teve de ser dissolvido.
No júri, serão avaliados pelos sete jurados e pelo juiz 26 policiais militares acusados pelas mortes de 15 presos que estavam no segundo pavimento do pavilhão 9 da penitenciária, no qual ocorreu uma rebelião entre grupos de detentos rivais que seria contida pela Polícia Militar.
A confirmação das mortes após a ação das forças do Estado, à época, foi feita por ele próprio apenas no final da fim do dia seguinte à rebelião: 3 de outubro de 1992, um domingo de eleições municipais.
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Em entrevista ao UOL, o juiz designado para o caso, José Augusto Nardy Marzagão, do Fórum de Santana (zona norte), afirmou que adotou a cisão do julgamento em quatro etapas tendo em vista que, segundo a acusação, grupos distintos da Polícia Militar foram responsáveis pela morte de presos em diferentes pavimentos do pavilhão 9.
“Vamos respeitar a ordem colocada pela acusação, delineando as condutas dos réus, até para não confundir os jurados”, disse o magistrado. Marzagão estima que até o final do ano todas as 111 mortes tenham sido julgadas.
Após o júri dos 26 primeiros réus (seriam 28, mas dois já morreram), o juiz marcará o dos 28 PMs acusados pela morte de 73 presos que estavam no terceiro pavimento –a maior parte –e que teriam sido mortos por oficiais da Rota.
A previsão é que essa primeira etapa dure duas semanas. Ela seria realizada em 28 de janeiro, mas foi adiada a pedido da defesa e do Ministério Público para que a perícia das armas e das balas retiradas dos corpos fosse refeita.
Perícia prejudicada
No começo do mês passado, o Instituto de Criminalística enviou ofício ao Judiciário informando que nova perícia seria inviável por razões técnicas. De 28 projéteis para laudo, por exemplo, apenas três, segundo o IC, estão em condições de análise em função das mais de duas décadas decorridas. Dos 350 revólveres, 250 estão sem condições, e, no restante, ela não seria conclusiva.
Coronel Ubiratan Rodrigues
Para o Ministério Público, no entanto, a impossibilidade técnica de se individualizar qual policial matou qual preso não deve dificultar os trabalhos da acusação.
“A imputação feita aos acusados nunca foi a de conduta individualizada, nem precisa, quando se fala em uma situação de concurso de pessoas para a prática de crime. O confronto balístico nunca foi imprescindível, nessa linha”, disse um dos promotores do caso, Márcio Friggi.
“O importante é que não se trata de um julgamento da PM do Estado de São Paulo; não é a instituição, que sempre foi nossa parceira, sentada no banco dos réus: falamos de policiais e ex-policiais que violaram a lei, e, por isso, estão sendo julgados”, completou o promotor titular, Fernando Pereira da Silva.
Na avaliação dos dois jovens promotores do caso –Friggi tem 34 anos, e Silva, 33 --, o maior empecilho da acusação não será no campo das provas, mas no ideológico.
“Muita gente na sociedade ainda entende que bandido bom é bandido morto. De nada adianta vai adiantar todo um conjunto probatório se os jurados julgarem com base nessa linha”, disse Friggi, nessa sexta, na entrevista coletiva em que o MP falou sobre os preparativos para o julgamento.
Acusações, mortes e prescrições ao longo das décadas
Ao todo, o MP havia acusado pelas 111 mortes 84 policiais militares, dos quais cinco já morreram --o mais célebre, o comandante da operação, coronel Ubiratan Rodrigues, assassinado em São Paulo no ano de 2006.
Como, além dos mortos, a ação da PM deixou ainda 87 presos feridos, parte dos acusados pelos homicídios respondia também por crimes de lesão corporal –dos quais 86 já prescreveram, em caso de lesão leve, e uma ainda é vigente, por ser lesão grave.
Sobre os 26 PMs que vão a júri nessa primeira etapa, porém, pesam apenas as acusações de homicídio qualificado, com penas que podem variar de 12 a 30 anos de prisão. Como são réus soltos, há a possibilidade legal de que, em caso de condenação, recorram em liberdade.
Do grupo, oito ainda estão na ativa, alguns com promoções; o restante é ex-policial ou foi para a reserva.
Defesa
Ao contrário dos promotores, a advogada de todos os réus, Ieda Ribeiro de Souza, acredita que a falta de provas que individualizem a conduta dos réus prejudica a acusação.
“Esperamos que os jurados analisem provas. Porque é muito fácil atribuir esse caso à PM, mas não tem nada que diga que o policial X matou a vítima Y. Precisamos de isenção de ânimo dos jurados”, declarou.
A advogada sugeriu que nem todos os 26 deverão ser ouvidos pela defesa, possibilidade que a lei coloca, “a fim de abreviar o sofrimento do jurado”.
Justiça Militar não puniu; TJ ‘segurou’ processo 10 anos até marcar júri
O caso passou pela Justiça Militar, onde nenhum dos policiais envolvidos na ação teve sanções disciplinares ou administrativas. Em 1997, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu manter o processo na Justiça comum, mesmo ano em que o MP pediu à Justiça que os réus fossem levados a júri popular. Após uma série de recursos, em 2000, o julgamento de uma dessas medidas confirmou que os réus iriam a júri.
Só no Tribunal de Justiça de São Paulo, o processo ficou durante pouco mais de dez anos até o júri popular finalmente ser marcado, em 2011. "Desde que esse caso voltou ao fórum, em dezembro de 2011, não medimos esforços para que ele fosse julgado ainda este ano. O júri seria em janeiro, mas tanto o MP quanto a advogada dos réus pediram nova perícia do confronto balístico, o que só agora, em março, o IC respondeu que não seria tecnicamente viável", afirmou o magistrado.
Números da operação da PM na rebelião
Ao todo, 330 PMs agiram para conter uma rebelião iniciada por detentos do pavilhão 9 do complexo, no qual, naquele dia, havia 2.070 internos. Em toda a casa de detenção, eram pouco mais de 7.000 internos.
Segundo os autos, a rebelião teve início às 14h20 do dia 2 de outubro e terminou na madrugada do dia 3, às 4h15. Além do efetivo, a PM ainda usou 25 cavalos e 13 cães na operação, da qual, além dos 111 presos mortos, resultaram também 87 presos e 22 policiais militares feridos.
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