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Advogado de réus abandona plenário; julgamento do Carandiru é cancelado

Gabriela Fujita, Gil Alessi e Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

18/02/2014 15h59Atualizada em 18/02/2014 23h07

A terceira etapa do julgamento do massacre do Carandiru foi cancelada na tarde desta terça-feira (18) após o advogado Celso Vendramini, que defende os 15 policiais militares julgados nesta fase do júri, abandonar o plenário do Fórum Criminal da Barra Funda (zona oeste de São Paulo).

O júri foi dissolvido e uma nova data será marcada, com a escolha de outro grupo de jurados, o que ainda não tem previsão para acontecer. O mais provável é que isso ocorra após o dia 17 de março, quando será iniciada a quarta etapa do julgamento.

Vendramini saiu do plenário, visivelmente irritado, após discutir com o juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo durante o depoimento do coronel da reserva Arivaldo Sérgio Salgado à promotoria. Salgado era questionado pelo promotor Eduardo Canto Neto, que comparava o que o coronel disse hoje no plenário ao que havia sido dito pelo réu 21 anos atrás, em depoimentos à Justiça Militar e à Polícia Civil, menos de um mês após a invasão do Carandiru.

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Dando a entender que havia diferenças entre os depoimentos, em particular sobre se havia presos mortos no pátio do pavilhão antes da entrada da PM, o promotor lia alguns trechos dos documentos quando foi interrompido por Vendramini. O advogado de defesa cobrou que fossem feitas perguntas, e não a leitura do que já tinha sido dito pelo réu. Considerando que essa era uma prática já usada pela própria defesa e sem ver problemas maiores, o juiz permitiu que o promotor continuasse. Vendramini reagiu, tirando a toga e o paletó e arremessando as peças de roupa sobre a mesa.

"Abandono o plenário em protesto contra esse tipo de inquisição", disse em voz alta o advogado.

Com isso, os trabalhos foram suspensos no segundo dia de julgamento, após os depoimentos de duas testemunhas de acusação, nesta segunda-feira (17), e de duas testemunhas de defesa, hoje. 

Na saída do fórum, o advogado disse que o motivo para deixar o plenário foi não receber do juiz o mesmo tratamento dado aos promotores, o que seria uma amostra de “parcialidade” por parte do magistrado. Vendramini foi cumprimentado, no caminho entre o tribunal e a entrada do prédio, por alguns policiais militares. “Parabéns, doutor”, disseram alguns deles.

"O juiz é parcial, está do lado do Ministério Público, e o MP está abusando do direito dele", afirmou o advogado em entrevista aos jornalistas. "O procedimento do MP é fazer perguntas para as testemunhas. O que o MP estava fazendo é ler depoimentos do réu, são depoimentos longos, e no final perguntava o que ele bem entendia. E o correto é fazer perguntas", disse.

Como exemplos do que considerou uma atitude parcial do juiz Camargo, Vendramini citou ainda que “o juiz ficou 40 minutos trancado com os jurados na sala de júri (...). Não é ilegal, mas é de bom alvitre que não faça isso”, disse.

O advogado de defesa reclamou de ter sido chamado de “mal-educado” pelo juiz, ontem, em um corredor do fórum, após uma pequena discussão no plenário com a promotoria, e também afirmou que o juiz insistia em perguntas às testemunhas e ao réu mesmo quando esses já tinham respondido, além de ter sido proibido de ficar junto aos jurados, “o que é um absurdo, porque eu tenho que fiscalizar os jurados”, argumentou.

Afirmações “infantis”

Para o promotor Márcio Friggi, do Ministério Público Estadual, a afirmação de Vendramini de que foi ignorado pelo juiz é “infantil” e o abandono do plenário uma “estratégia”. 

“Ele percebeu que este júri caminhava para a condenação dos réus, como os anteriores, e resolveu interromper o julgamento”, disse Friggi.

O outro promotor do caso, Eduardo Olavo Canto Neto, disse que o fato é lamentável e traz prejuízos para o Estado.

“Este tipo de conduta é um desrespeito à lei e à sociedade”, afirmou. “É preciso que se crie mecanismos para evitar este tipo de expediente.”

Os promotores negaram qualquer contato com os jurados e disseram desconhecer qualquer reunião de 40 minutos entre o juiz e o conselho de sentença. “É preciso que ele prove essas acusações”, disse Friggi.

O juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo não se pronunciará sobre as críticas feitas pelo advogado, segundo informou a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça.

A terceira etapa do julgamento havia começado na segunda-feira (17), com a escolha do júri e os depoimentos das testemunhas de acusação.

Nesta manhã, foram tomados os depoimentos das testemunhas de defesa e, após o recesso para o almoço, depôs o primeiro réu do caso, o coronel Salgado. 

Considerado uma das principais testemunhas de defesa, o agente penitenciário Francisco Carlos Leme caiu em contradição durante seu depoimento.  Primeiro, afirmou ter visto "cerca de 75" presos mortos no pavilhão 9 antes da chegada da Polícia Militar ao Carandiru; depois, falou que eram 50, entre outras contradições.