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Piloto da TAM diz que avisou a um dos réus sobre problemas na pista de Congonhas na véspera do acidente

Gil Alessi

Do UOL, em São Paulo

07/08/2013 17h54

O piloto de avião José Eduardo Brosco, segunda testemunha de acusação a depor no julgamento dos três réus acusados de atentado contra a segurança aérea no caso do acidente com o voo JJ 3054 da TAM, que matou 199 pessoas no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, no dia 17 de julho de 2007, afirmou nesta quarta-feira (7) que pousou com "muita dificuldade para frear" uma aeronave do mesmo modelo envolvido no acidente um dia antes, no mesmo aeroporto.

Relembre o caso

  • Arte/UOL

    Infográfico mostra como ocorreu o acidente do voo JJ-3054 da TAM

Além disso, Brosco, que trabalha na TAM há 16 anos, disse que notificou um dos réus --Marco Aurélio dos Santos de Miranda e Castro, à época diretor de Segurança de Voo da TAM--- sobre as condições da pista do aeroporto.

"Eu já havia sido avisado por rádio que a pista estava escorregadia. Ao tocá-la [no pouso], senti a aeronave escorregar e frear, como se estivesse aquaplanando", afirmou Brosco durante o julgamento.

De acordo com Brosco, após concluir o pouso, ele fez um relatório de perigo --documento que notifica a companhia aérea sobre possíveis riscos--, para Castro, que, à época, cuidava da segurança de voo da companhia aérea.

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Veja as etapas do julgamento

7 e 8 de agostoSerão ouvidas seis testemunhas da acusação
11 e 12 de novembroSerão ouvidas seis testemunhas da defesa
3,9 e 10 de dezembroSerão ouvidas 15 testemunhas da defesa
Sem dataOitiva dos réus 
  • Fonte: Justiça Federal

Brosco afirmou ainda que Castro confirmou o recebimento do relatório e disse que tomaria providências. O piloto da TAM é a segunda testemunha de acusação a ser ouvida no primeiro dia de julgamento.

Falta de Grooving

Roberto Podval, advogado da ré e ex-diretora da Anac Denise Maria Ayres Abreu, questionou a testemunha sobre a eficiência do grooving -- ranhuras no asfalto da pista de um aeroporto, que facilitam o escoamento da água em dias de chuva--, para frear uma aeronave nas condições do voo JJ 3045.

Segundo Brosco, "nas condições do Airbus que se acidentou, sem spoiler [mecanismo de frenagem], sem o reverso e em aceleração, a presença do grooving na pista não teria impedido o acidente".

Denise é acusada de atentado contra a segurança do tráfego aéreo por ter liberado a pista de Congonhas após reformas sem o grooving.

Pressão para pousar

Antonio Claudio de Oliveira, advogado que representa Castro e também Alberto Fajerman, que era vice-presidente de Operações da TAM à época, perguntou para Brosco de quem é a decisão de pousar o avião em um determinado aeroporto e se a companhia aérea tem o poder de interditar a pista de um aeroporto.

"O piloto tem autonomia para julgar se o pouso será seguro ou não, e nunca houve pressão por parte da TAM para situações de redirecionamento do pouso para outro aeroporto", afirmou o piloto.

No dia do acidente, o tráfego aéreo em Congonhas chegou a ser interrompido temporariamente pela Anac, e depois liberado.

Primeiro dia de julgamento termina com choro de ré

Ao término do primeiro do dia do julgamento, a ré Denise Abreu conversou com o presidente da Afavitam (Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo TAM JJ3054), Dario Scott, e chorou.

Ela saiu sem falar com a imprensa. Scott, que não quis fornecer detalhes sobre a conversa, afirmou que "ela também é mãe, sabe a dor que sentimos e entende que nossa luta não é pessoal".

Outras duas testemunhas foram convocadas para depor nesta quarta-feira (7) mas não compareceram: Luiz Kazumi Miyada está internado com problemas de saúde e Gilberto Pedrosa Schittini não foi localizado. João Batista Moreno de Nunes Ribeiro - que deveria falar por videoconferência - acabou desistindo, e foi reagendado para amanhã.

Para a quinta-feira (8), segundo dia de julgamento, estão previstos os depoimentos de mais duas testemunhas de acusação.

Testemunha diz que Anac usou dado sem validade

A desembargadora Cecília Marcondes, primeira testemunha de acusação, afirmou que a Anac encaminhou um estudo interno, sem validade de norma, como se fosse um certificado internacional que atestava a segurança na pista de Congonhas.

No dia 15 de fevereiro de 2007, Cecília, então desembargadora da República, solicitou à agência uma tabela com distância de pistas e pesos máximos de aeronaves para pousarem no aeroporto de Congonhas. Seis dias depois, a Anac apresentou o documento que determinava o parâmetro de segurança para o pouso no local.

Posteriormente descobriu-se que eram estudos internos sem validade de norma. “Como era um caso técnico, fiz questão de destacar no meu parecer que a Anac era a responsável pela veracidade dos documentos”, disse Cecília, em seu depoimento. 

O advogado Roberto Podval, que representa a ré Denise de Abreu, questionou Cecília sobre o escopo do documento, que limitava aterrissagens de apenas três tipos de aeronaves – Fokker 100 e dois modelos Boeing. Segundo o advogado, a aeronave que se se acidentou era um Airbus. 

Ex-diretores de companhia aérea e ex-diretora da Anac estão no banco dos réus

O julgamento começou nesta quarta-feira (7), em São Paulo. Pela primeira vez na história dos desastres aéreos no país, ex-diretores de companhias aéreas serão levados ao tribunal. Marco Aurélio dos Santos de Miranda e Castro, à época diretor de Segurança de Voo da TAM, Alberto Fajerman, que era vice-presidente de Operações da TAM, e Denise Maria Ayres Abreu, então diretora da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), podem ser condenados a até seis anos de prisão.

Na primeira etapa do julgamento, que acontece nos dias 7 e 8, serão ouvidas as testemunhas de acusação arroladas pelo Ministério Público Federal. São elas: ex-diretores da Anac, uma desembargadora e pilotos.  

De acordo com o Ministério Público Federal, Castro e Fajerman "não providenciaram o redirecionamento necessário das aeronaves para outro aeroporto, mesmo após inúmeros avisos de que a pista principal do aeroporto estaria escorregadia, especialmente em dias de chuva".

Já Denise teria liberado a pista de Congonhas sem que o serviço de grooving (ranhuras que facilitam a frenagem das aeronaves) fosse executado.

Julgamento sem precedentes

Para Décio Corrêa, piloto e presidente Associação Brasileira das Entidades de Formação Aeronáutica, no entanto, é difícil estabelecer a culpa da cúpula no acidente.

“É inédito. Não me lembro de nenhum caso no país em que um executivo de aviação seja julgado. Isso porque, no meu entendimento, a autoridade deles para exatamente na porta do avião”, afirma. 

Para Côrrea, apenas indícios de "compra de peças sucateadas, manutenção negligente e utilização de ferramentas descalibradas" poderiam levar à condenação dos diretores. "Isso seria uma gestão criminosa do avião, mas parece que não foi o caso."

Por outro lado, Priscila Dower Mendizabal, presidente da comissão de Direito Aeronáutico da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil – São Paulo), destaca a importância de que a culpa não recaia apenas sobre os pilotos e controladores, como costuma acontecer.

“Um acidente nunca é culpa de apenas um fator: são várias as causas. É preciso que se analise a cadeia de fatores contribuintes. O piloto é apenas a ponta da situação”, diz. “Ninguém sabe quais as condições que ele enfrenta. É fácil para criticá-lo. Mas e sua fadiga? A escala de trabalho permitiu que ele estivesse descansado? Ele conseguiu dormir antes do voo?”

'Lucro da TAM não pode se sobrepor à segurança '

Priscila diz que se trata de um caso sem precedente, tanto aqui quanto no exterior, mas que pode ter um resultado contra-producente. "A condenação de diretores ou pilotos apresenta um problema, porque inibe futuras investigações. Se eu sou piloto e sei que serei punido, a tendência é que não colabore."

Já Luiz Roberto Stamatis de Arruda Sampaio, advogado que já representou mais de 20 familiares de vítimas de acidentes aéreos –incluindo os dois da TAM, em 1996 e 2007, e o da Air France, em 2009– defende que o julgamento de diretores é, no mínimo, "salutar", já que "as autoridades e executivos das aéreas muitas vezes concorrem decididamente para os acidentes”.

“Nos casos anteriores, ninguém era sequer denunciado. Muitas vezes os envolvidos acabavam procurando jogar a culpa nas costas do piloto morto, e tudo acabava em pizza”, afirma.

O problema, ressalta Cláudio Jorge Pinto Alves, professor titular do departamento de Transporte Aéreo do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), é a necessidade de apontar culpados. "Eu sinto que houve uma politização do acidente", afirma. "A investigação nunca deve ser voltada para a punição. O objetivo deve ser descobrir o que provocou a tragédia para poder prevenir futuros casos. A punição dos réus não colabora para tornar a aviação civil mais segura, pelo contrário, provoca medo e contribui para que futuras investigações fiquem ‘emperradas’.”

Defesa

Segundo Roberto Podval, advogado de Denise, o julgamento é "absolutamente ilógico" e a ré está sendo usada de "bode expiatório".

"Não me parece razoável que uma única diretora da Anac seja responsável pela queda do avião. As perícias indicam que houve falha dos pilotos”, diz.

Para Paola Zanelato, advogada de Fajerman e Castro, “nenhuma das condutas atribuídas" aos clientes aconteceram por atos deles.