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Não há motivo para punir policiais que levaram Amarildo, diz novo comandante da PM do Rio

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

10/08/2013 06h00

O novo comandante-geral da Polícia Militar do Rio de Janeiro, coronel José Luís Castro Menezes, afirmou em entrevista exclusiva ao UOL, na sexta-feira (9), que a Corregedoria da corporação ainda não identificou "nenhum motivo" que justificasse punições aos policiais militares que conduziram o pedreiro Amarildo de Souza, 43, à sede da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Rocinha, favela da zona sul da cidade, no dia 14 de julho. Desde então, o morador da comunidade está desaparecido.

A Polícia Civil trabalha com a hipótese de homicídio, que teria sido cometido ou pelos policiais militares da UPP ou por traficantes de drogas da região. A mulher de Amarildo, Elizabete Gomes, afirmou não ter dúvida de que o marido está morto. O caso está sendo investigado pela DH (Divisão de Homicídios).

MILÍCIAS

Questionado sobre a atuação das milícias, em especial na zona oeste da cidade, Menezes afirmou que "toda atividade criminosa é danosa à sociedade". "Seja ela milícia ou tráfico de drogas", completou

Na visão do coronel, que assumiu o cargo na última segunda-feira, não há relatos de testemunhas ou provas materiais que comprovem uma possível conduta criminosa por parte dos agentes da UPP. "A apuração está em andamento", afirmou ele, que ainda não entrou em contato com a Corregedoria a fim de obter informações sobre o andamento da investigação interna. "Se houver essa percepção, a gente vai tomar a medida necessária", completou.

Menezes também afirmou ao UOL que a Polícia Militar "não estava preparada" para lidar com a recente onda de manifestações contra o governo do Estado, a PM, a corrupção, o aumento do transporte público, entre outras reivindicações. No entanto, o comandante-geral da corporação disse não identificar excessos ou eventuais abusos de autoridade no decorrer dos protestos.

POLÊMICA DA ANISTIA

É um ato previsto no nosso regulamento. O comandante-geral anterior não inventou nada. Essa ferramenta já foi utilizada por comandantes anteriores que por aqui passaram. Por isso ela é uma boa ideia. Legal e legítima. E o comandante-geral tem a possibilidade de interpretar se é o momento adequado para utilizar esse dispositivo legal. E o comandante anterior, coronel Costa Filho, avaliou. Nós também avaliamos e concordamos com ele. Tanto é que vamos reeditar

Coronel José Luís Castro Menezes, novo comandante-geral da PM do Rio

"Dizer que em algum caso específico nós cometemos um excesso? Não. Eu não posso afirmar isso. Eu posso afirmar que a gente talvez não tenha utilizado a forma correta", declarou.

O oficial alçado ao cargo máximo de comando da PM do Rio também respondeu a questões sobre uma hipotética associação entre a ação da polícia e a queda de popularidade de Cabral, e comentou a respeito das críticas dos moradores das UPPs --que levantam a bandeira da "desmilitarização da PM"-- e de um eventual retrocesso acerca do "policiamento de proximidade", estratégia adotada na implantação das Unidades de Polícia Pacificadora.

Os recentes acontecimentos envolvendo ações da PM, tais como manifestações, o caso Amarildo, violência nas UPPs, entre outros, "arranharam" a imagem positiva que as UPPs conseguiram atingir nos últimos quatro anos? A PM do Rio voltou a estar associada a uma ideia de "truculência"?

Esse cenário que foi apresentado nesse passado recente [referindo-se às manifestações] não estava desenhado. Era um fato que ainda não tinha acontecido, não tínhamos antecedentes no passado recente da história do Rio de Janeiro e do Brasil, e a gente pode afirmar que não estávamos preparados para isso. E cada manifestação foi servindo de aprendizado para a Polícia Militar. Desde o início, a gente vem buscando a medida certa para atuar nessas manifestações. Buscando justamente que a nossa atuação não seja vista como uma ação truculenta. Não é isso que nós queremos. Se chegar ao ponto de termos que acionar o Choque para fazer uso da força, essa ação também terá que ser medida. Tudo isso está servindo como uma grande lição. Estamos aproveitando para rever nossos conceitos e nossa forma de atuação.

Mas houve algum prejuízo de imagem ou ameaça à política de segurança pública?

De forma alguma. Um fato não tem a ver com o outro. O processo de pacificação continua. Solidificando-se a cada dia. Se forem identificamos erros, vamos repensar. Vamos reajustar. Mas a questão das manifestações não afetou a imagem da instituição em relação ao processo de pacificação.

O senhor reconhece que a Polícia Militar cometeu "excessos" durante as manifestações?

Afirmar que houve excesso é muito difícil. Talvez nós não tenhamos utilizado a fórmula correta. Mas dizer que em algum caso específico nós cometemos um excesso? Não. Eu não posso afirmar isso. Eu posso afirmar que a gente talvez não tenha utilizado a forma correta.

Vídeo de Amarildo saindo de UPP gera dúvidas em investigação

A PM do Rio utilizou agentes do serviço reservado, a P2, no sentido de criar situações de baderna ou confusão generalizada no decorrer dos protestos?

A ação da segunda seção é uma ação de inteligência. Captar informações necessárias para que o comando da corporação e o Estado Maior Operacional possam rever os seus planejamentos. Não há, não houve e não haverá nenhuma atuação de agentes e policiais militares não fardados que venham a atuar como manifestantes no intuito de desestabilizar esse movimento.

A Polícia Militar utilizou bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo fora da validade durante as manifestações, o que foi registrado pela imprensa através de fotografias e vídeos. Isso se justifica?

Isso demonstra que o nosso cenário de avaliação para esses grandes eventos não foi desenhado da melhor forma. Foi uma surpresa para nós essas grandes manifestações. A Polícia Militar não estava preparada nesse momento, em sua plenitude, para atuar em relação a essas manifestações. Mas hoje isso já foi corrigido. A Polícia Militar já está equipada com novos dispositivos menos letais para atuar nessas manifestações caso necessário.

Há possibilidade de se abrir uma investigação para apurar a razão pela qual essas bombas vencidas foram utilizadas?

Não é necessário uma investigação porque isso não causaria nenhum dano a quem estivesse utilizando ou até para as pessoas que por ventura estivessem perto [dos artefatos].

Mesmo fora da validade?

Mesmo fora da validade. Não haveria dano. O grande risco do equipamento vencido é o dele não funcionar. Então seria um instrumento utilizado e que provavelmente não conseguiria ter o objetivo alcançado.

Antes de morrer em decorrência de problemas respiratórios, o ator Fernando Silva, 34, publicou um vídeo em uma rede social afirmando que o seu problema de saúde havia se agravo depois de ele supostamente inalar gás de pimenta na manifestação do dia 20 de junho. Como o senhor avalia essa questão? Isso vai ser investigado?

Essa morte vai ser investigada pela Polícia Civil. Se houver indícios de que a causa mortis foi o fato dele ter inalado, se nós percebermos que há necessidade apurar o fato nós vamos apurar.

O comandante-geral anterior, coronel Erir Ribeiro Costa Filho, utilizava o Twitter oficial da PM para se pronunciar, e foi duramente criticado por isso. Principalmente depois de bater boca via rede social com o deputado Marcelo Freixo (PSOL), de criticar a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), entre outros episódios polêmicos. O senhor também pensa em postar mensagens no Twitter da PM?

Não pretendo utilizar essa prática. Se eu tiver que fazer alguma interlocução com a OAB, com deputado, com vereador, enfim, com qualquer setor, eu vou fazer isso pessoalmente com essas autoridades.

Mas o senhor considera que houve um erro por parte do coronel Costa Filho?

Não considero um erro. Foi a forma que o comandante-geral anterior estabeleceu para travar esses diálogos. A minha forma é diferente. Não posso dizer que foi um erro.

E sobre as mensagens em si?

Não tenho como avaliar.

Há uma relação direta entre a ação da PM nas manifestações e a queda de popularidade do governador Sérgio Cabral (PMDB)?

Eu não tenho como avaliar essa questão. Se esses fatos tiveram relação com queda ou não da popularidade do governador do Estado.

Mas a pressão aumenta, uma vez que a PM está inserida no contexto político? As UPPs, por exemplo, foram amplamente utilizadas na campanha eleitoral do governador no ano de sua reeleição, em 2010.

Não há pressão maior. O que há é uma preocupação maior da própria instituição em relação a essas questões sociais que estão surgindo no Brasil nesse momento.

Qual foi o grande erro da Polícia Militar em relação ao caso Amarildo?

A gente ainda não pode dizer que houve um erro. Temos que esperar a conclusão dos inquéritos. E aí avaliar todo o contexto deste fato. Assim poderemos tirar uma conclusão se houve algum erro ou se há necessidade de alguma mudança no modus operandi. Não só na Rocinha mas como em todas as UPPs.

A Corregedoria abriu um Inquérito Policial Militar para investigar o caso. Houve avanço? Quais são os resultados dessa investigação?

A apuração está em andamento. E ainda não existe nenhuma conclusão que nos leve a acreditar como esse fato realmente aconteceu.

Os policiais militares que levaram o Amarildo à sede da UPP foram afastados? Houve punição?

Ainda não houve identificação de nenhum motivo que gerasse o afastamento. Não tivemos, por exemplo, nenhuma testemunha relacionada a este caso que tenha dito ou que tenha ido em algum órgão afirmar ter sido coagida por policiais militares a prestar esclarecimentos. Isso seria um motivo bastante palpável para que a gente avaliasse essa necessidade de afastar algum policial militar. A gente ainda não viu esse motivo. Se houver essa percepção, a gente vai adotar a medida necessária.

Na quinta-feira (8), um vídeo divulgado pela "TV Globo" mostra o Amarildo entrando em uma viatura após sair de uma base da UPP na Rocinha. Houve algum erro de procedimento ali?

Pelo vídeo, não tem como identificar isso de imediato. E, com certeza, [o vídeo] vai ser uma grande ferramenta para que os encarregados desse procedimento apuratório juntem aos seus autos e possam ajudar na conclusão de como esse fato aconteceu.

O Amarildo era um informante da Polícia Militar?

Não tenho conhecimento disso. Não tenho conhecimento e se isso, por acaso, for verdadeiro, muito provavelmente vai aparecer nos autos.

Também há uma informação de que um traficante supostamente matou o Amarildo para jogar a culpa na polícia...

Essa informação é nova. Fica difícil ter uma posição mais consolidada sem maiores subsídios.

O inquérito aberto pela Corregedoria da PM não traz informações nesse sentido?

Não tive com o encarregado do inquérito. Não tenho maiores informações. Eu ainda não tive tempo pra isso. São muitas demandas nesse início e a gente acredita que esse processo de apuração esteja seguindo o seu fluxo normal. Assim que houver novidades a gente vai ter acesso às mesmas para poder divulgar.

Há denúncias e relatos de que a Rocinha está dividida em duas. Uma área é protegida pela UPP. A outra, não. Seria hora de repensar o planejamento de segurança para a comunidade?

A gente tem que ter em mente que essa comunidade, assim como outras, ficou sob jugo do tráfico de drogas durante muitos anos. E a simples entrada da Polícia Militar não significa uma mudança dessa realidade de uma hora para outra. Esse processo é lento e gradual. Até que haja toda a solidificação do processo. Vamos dar continuidade ao que está sendo feito e acreditamos que em um futuro próximo a gente esteja com todo esse processo consolidado na Rocinha.

O senhor afirmou considerar uma "boa ideia" a anistia que seria concedida pelo coronel Costa Filho aos policiais militares punidos administrativamente. Por que essa medida é uma "boa ideia"?

É um ato previsto no nosso regulamento. O comandante-geral anterior não inventou nada. Essa ferramenta já foi utilizada por comandantes anteriores que por aqui passaram. Por isso ela é uma boa ideia. Legal e legítima. E o comandante-geral tem a possibilidade de interpretar se é o momento adequado para utilizar esse dispositivo legal. E o comandante anterior, coronel Costa Filho, avaliou. Nós também avaliamos e concordamos com ele. Tanto é que vamos reeditar.

Então ela não será revogada, e sim republicada?

Uma republicação com alguns critérios para que se torne algo bem transparente.

Policiais que eventualmente foram punidos por abuso de autoridade durante as manifestações recentes estão na lista dos 450 PMs que receberiam essa anistia?

Provavelmente não. Porque ainda não houve tempo hábil para que todo o processo administrativo seja concluído e para que esses policiais sejam beneficiados por essa publicação.

A medida fala em "punições de menor potencial ofensivo". O que seria um exemplo de "menor potencial ofensivo"?

Um atraso.

Prevaricação, por exemplo?

Não, prevaricação é um crime. A gente não está, de forma alguma, revendo sanções provenientes de atos criminosos. São sanções disciplinares de policiais militares. É o que rege a nossa hierarquia e disciplina aqui na instituição. Nosso regulamento disciplinar. São faltas disciplinares, não crimes. Um atraso, por exemplo, ou um uniforme em desalinho, entre outros. São faltas que se enquadram nesse caso. Nunca se falou aqui em anistiar crimes.

Desde o fim do ano passado, comenta-se sobre a possibilidade de ocupação do Complexo da Maré. Por que isso a Maré ainda não foi ocupada?

A Maré também está no rol de comunidades que podem ser aquinhoadas com UPPs. Nós vamos avaliar qual será o próximo passo. Vamos sentar com a Secretaria de Segurança e discutir tecnicamente se o próximo passo é uma companhia destacada e onde, se o próximo passo é uma UPP e onde. Isso será discutido tecnicamente com a Secretaria de Segurança.

O senhor afirmou que o principal problema em relação ao Complexo da Maré é a questão do efetivo: seriam necessários 1.500 policiais militares. A polícia ainda precisa formar esses policiais para, dessa forma, ocupar a Maré. Existe atualmente uma deficiência no processo de formação de policiais militares?

Não existe deficiência de formação. O nosso processo de formação é contínuo. O que a gente vai precisar é rever. Há de se convir que eu assumi tem dois dias. Precisamos conhecer qual é a realidade atual. Quais são as próximas turmas que vão se formar. Quando? Qual é o quantitativo de cada turma? Para que a gente possa fazer o nosso planejamento com critérios.

Recentemente, a PM implantou uma companhia destacada na região conhecida como Complexo da Mangueirinha, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. A mudança de foco para a região da Baixada Fluminense é uma questão política, considerando que há eleição no ano que vem?

De forma alguma isso é tratado de forma política. Isso é trato de forma técnica. Os índices de criminalidade estão sempre sendo avaliados, e foi o critério utilizado para se estabelecer ali uma companhia destacada. Que não é nenhuma novidade. A Polícia Militar já adotou e possui outras companhias destacadas. É uma questão de avaliação técnica para decidir entre a companhia destacada ou se vai ser uma UPP, e em qual localidade ela vai ser instalada.

Embora não apareça atualmente com tanta frequência na pauta da opinião pública, as milícias são organizações criminosas que ainda demonstram muito força no Rio, principalmente na zona oeste. Na maioria dos casos, as milícias são formadas por PMs e bombeiros. Por que as investigações se dão muito mais no âmbito da Polícia Civil? Há preocupação em colocar a Corregedoria para investigar as milícias?

Todo e qualquer desvio de conduta de policiais militares é uma preocupação do atual comando da corporação. O crime de milícia é um crime civil. Que deve ser investigado pela Polícia Civil. A PM também está preocupada com isso. Sempre que detectarmos indícios de envolvimento de policiais militares com as milícias a gente também vai apurar. E, se houver necessidade, faremos uma interlocução com a Polícia Civil e com o Ministério Público para que esse fato seja apurado.

O que é mais difícil de combater? A milícia ou o tráfico de drogas?

Toda atividade criminosa é danosa à sociedade. Seja ela milícia ou tráfico de drogas.

Mas a milícia é o crime por dentro do Estado, praticado na maioria dos casos pelos agentes do próprio Estado. Isso não faz com que a repressão seja mais difícil?

Não. Todo crime tem o seu grau de dificuldade. Dizer que um é mais difícil do que o outro? Eu não posso fazer essa afirmação. Cada crime tem uma característica. E a investigação deve seguir uma linha de acordo com aquela atividade criminosa.

No "rol de preocupações" da Secretaria de Segurança, a zona oeste tem o seu lugar?

O Estado do Rio de Janeiro todo tem o seu lugar. Não vou ser comandante-geral preocupado simplesmente com zona oeste, Baixada Fluminense, capital, Niterói ou o interior. Todo o Estado terá a nossa atenção. A gente espera conseguir trazer maior tranquilidade a cada dia para a população do Estado do Rio de Janeiro.

Mas por que ainda não há UPPs nessa região --com exceção do Batan, em Realengo, e da Cidade de Deus, em Jacarepaguá?

Todo processo de pacificação vem seguindo um cronograma estabelecido pela Secretaria de Segurança e pelos comandos anteriores. O que a gente vai fazer é dar continuidade. Se a gente fizer uma avaliação de que é necessário interromper esse cronograma e fazer uma UPP na zona oeste, isso será discutido e avaliado pela PM e pela Secretaria de Segurança Pública.

No dia 3 de agosto, o UOL publicou reportagem mostrando que o número de desaparecimentos aumentou nas 18 primeiras favelas pacificadas após o início dessa política de segurança pública, em 2008, com a UPP Santa Marta. Como isso pode ser explicado?

Falar de forma empírica pode ser um erro meu. O fato é que há uma leitura de que havia anteriormente uma cifra oculta de delitos nessas áreas não pacificadas. Esse pode ser um fator. É um assunto muito interessante que o próprio ISP deve estar fazendo um estudo sobre isso.