Prefeitura de SP poderia obter terreno do parque Augusta sem uso de verbas
A Prefeitura de São Paulo diz não ter recursos para desapropriar o terreno do parque Augusta, mas especialistas afirmam que a administração municipal poderia obter a área situada na região central da capital paulista sem gastar nada. Bastaria negociar com as empresas proprietárias do terreno a Transferência do Direito de Construir, um instrumento previsto em lei.
“Para que dar R$ 100 milhões pelo terreno se podemos ter o terreno sem ter de dar R$ 100 milhões?”, questiona a urbanista Raquel Rolnik, professora da USP (Universidade de São Paulo) e ex-relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU para o Direito à Moradia Adequada.
Previsto no Estatuto da Cidade e no Plano Diretor de São Paulo, o instrumento estabelece que o dono do terreno receba títulos equivalentes aos metros quadrados de potencial de construção que a propriedade possui. O título é como um direito. “O terreno é doado e torna-se público. O dono vai utilizar o potencial de construir em outro lugar. E a cidade vai ganhar uma área em pública sem ter de gastar com desapropriação”, acrescenta Raquel Rolnik.
Se não usar os títulos para construir em outra área, o proprietário pode vendê-los. “Em São Paulo, há uma negociação intensa do potencial de construção. O mercado [de títulos de potencial de construir] é muito disputado”, diz a advogada Daniela Libório di Sarno, presidente do IBDU (Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico).
A prefeitura criou o parque por decreto em dezembro de 2013, mas o terreno pertence às construtoras Cyrela e Setin. A área possui árvores e edificações remanescentes do antigo colégio Des Oiseaux tombadas desde 2004 pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo). O mesmo conselho aprovou no fim do mês passado o projeto das construtoras de erguer três prédios e implantar o parque.
De acordo com a prefeitura, as torres devem ocupar 33% do terreno. Moradores da região e ativistas reivindicam, porém, a implantação do parque na totalidade da área e se opõem à construção de prédios.
A Cyrela e a Setin não demonstram interesse em negociar a transferência do direito de construir. “A transferência de potencial só acontece em terrenos em que os proprietários sejam os mesmos. As empresas não têm outro terreno nessas condições no município de São Paulo”, disseram as construtoras por meio de nota.
A presidente do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico contesta a argumentação das empresas. Segundo a especialista, o potencial de transferência do direito de construir pode ser dividido entre os donos. Além disso, Daniela di Sarno diz que as empresas podem revisar o negócio feito entre elas caso alguma regra do acordo impeça a negociação do potencial construtivo do terreno. No direito privado, ao contrário do direito público, afirma a advogada, tudo é reversível.
O caso do parque Augusta, avalia Daniela, requer a abertura de uma mesa de negociação. Questionado na semana passada sobre a possiblidade de recorrer a mecanismos previstos em lei para implantar o parque na totalidade do terreno, o prefeito Fernando Haddad (PT) foi evasivo. “Estamos num diálogo permanente com o Ministério Público, que está acompanhando todos os passos. O Ministério Público está bem inteirado e conosco”, disse.
De acordo com o Ministério Público Estadual, o promotor Roberto Proença, do Meio Ambiente, requisitou o projeto das construtoras aprovado pelo Conpresp e só se pronunciará depois de analisá-lo.
A prefeitura descarta desapropriar o terreno, mas evita comentar o estudo de outras medidas porque teme frustrar a expectativa dos defensores do parque.
Zona de proteção ambiental
O Plano Diretor prevê a aplicação da transferência do direito de construir em casos de “preservação de áreas de propriedade particular, de interesse ambiental, localizadas em Zepam [Zonas Especiais de Proteção Ambiental]” e de “preservação de bem de interesse histórico, paisagístico, ambiental, social ou cultural”.
Como é classificado como Zepam, o parque Augusta, considerado um oásis de mata atlântica no centro paulistano, se enquadra no primeiro caso. Para especialistas, também se enquadra no segundo por ter edificações e árvores tombadas e por já ter funcionado como área aberta ao público.
“Além da localização central, da dimensão do terreno e da vegetação atlântica, inclusive tombada, esta área [o parque Augusta] tem sido utilizada pela população, de forma aberta, faz muitos anos, assim sua ‘ocupação’ é histórica. Trata-se de uma área que deveria receber proteção por parte do poder público”, avalia o advogado Michel Rosenthal, especializado em direito de vizinhança.
“Parque pela metade não tem jeito. Ninguém [na região] aceita essa ideia”, afirma Célia Marcondes, presidente da Sociedade Amigos e Moradores do Bairro de Cerqueira César. “Mais de 30 condomínios foram erguidos em torno do parque nos últimos dois anos. O que se quer é uma área permeável e livre.”
Ativistas mantêm o terreno do parque aberto desde o dia 17 de janeiro. A Cyrela e a Setin conseguiram na Justiça a reintegração de posse, e ela está marcada para 4 de março.
As construtoras dizem que o parque pode ser reaberto ao público dentro de um período de seis meses a um ano. Até lá, elas esperam obter os licenciamentos necessários para iniciar a obra dos prédios em parte do terreno.
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