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Lama que invadiu oceano despeja tartarugas de área de proteção no ES

Gustavo Maia e Marcela Sevilla

Do UOL, em Linhares (ES)

25/11/2015 09h10

Atingida pela enxurrada de lama de rejeitos de minério da Samarco duas semanas após a tragédia de Mariana (MG), a foz do rio Doce, situada na praia da vila de Regência (ES), é considerada uma das regiões mais importantes de desova de tartarugas marinhas no Brasil.

As cinco espécies presentes no país, todas elas ameaçadas de extinção, utilizam o local para reprodução, alimentação ou migração, e enfrentavam perigos na área de proteção, tais como o lixo levado pelas águas do rio até o mar e as redes dos pescadores locais. "Esta é mais uma ameaça", diz Cecília Baptistotte, coordenadora regional do projeto Tamar no Espírito Santo.

Como forma de precaução, nesta terça-feira (24), integrantes do projeto anteciparam uma etapa do nascimento de cerca de 100 filhotes de tartarugas de dois ninhos monitorados pelo Tamar para evitar que eles fossem até o mar e entrassem em contato com a mancha amarronzada de características e consequências ainda pouco conhecidas por pesquisadoras.

Os animais já haviam eclodido os ovos sob a areia e estavam prestes a fazer a "subida". As pequenas tartarugas foram soltas em uma área a uma distância de 15 a 20 quilômetros ao sul da foz do rio, onde a lama ainda não chegou.

A decisão de fazer o despejo foi fundamentada por impressões preliminares sobre os rejeitos que continuam a ser lançados no oceano Atlântico. "Ainda não temos os resultados das análises, as sabemos pelo menos que tem muito ferro, e a ingestão de muito ferro é tóxico", afirma Baptistotte.

Deitado com o rosto na areia da praia de Regência, o biólogo Hilton Estrenger, 22, que é trainee do projeto Tamar, passou quase 20 minutos com o braço em um buraco à procura dos filhotes. O esforço, segundo ele, valeu a pena. "Agora eles vão seguir o caminho natural deles, apesar dessa interferência nossa", conta.

Outros ninhos existentes na área estão prestes a eclodir. "Enquanto a situação não se normalizar, vamos continuar a fazer essa transferência", explica Cecília.

Por conta da lama, a prefeitura de Linhares interditou nesta segunda as três praias do município, Regência, Povoação e Pontal do Ipiranga. Segundo a administração municipal, placas de orientação foram instaladas no litoral e ao longo do rio indicando que os locais estão temporariamente impróprios para banho, "por precaução".

Ameaça que chega pelo rio

O rio Doce já era motivo de apreensão para os integrantes do Tamar, que providenciaram o transporte de ovos, para locais um pouco mais afastados da foz, como o que da operação desta terça-feira (24). "O problema é que o rio já estava na UTI. No último suspiro, acabaram de comprometer ele mais ainda, com essa lama", declara a coordenadora regional do projeto.

A opinião é compartilhada pelo pescador Wesley Nascimento, 31, nascido e criado em Regência. "Hoje eu vejo pessoas que buscam o interesse próprio, chorando, dizendo 'vocês mataram o rio, vocês fizeram isso, vocês fizeram aquilo'. Mas poucos pararam para ver a realidade do que estava acontecendo no rio. Era muito lixo descendo, pessoas jogando esgoto. Por que não ajudaram a cuidar antes?"

Nós aqui em Regência sempre fomos os catadores de lixo de Minas Gerais e do rio todo
Wesley Nascimento, 31, pescador

O efeito do descaso com a preservação do rio afetava diretamente as tartarugas marinhas. "A gente já viu, por exemplo, os filhotes nascerem, ficarem presos no lixo na praia, e não conseguirem chegar na água", conta Baptistotte. "Para as tartarugas que estão no mar é muito comum a ingestão de lixo. Identificamos que 40% das tartarugas que encalham e a gente faz a autópsia têm lixo no conteúdo gastrointestinal."

Há 25 dias, a bióloga marinha costarriquenha Nefertiti Civaja, 25, chegou à Regência para fazer um estágio de três meses no projeto Tamar e trabalhar com os pescadores artesanais da vila na prevenção de outro problema que também mata muitos animais.

"Eu iria monitorar a pesca, ser uma observadora de bordo e instruí-los para que as tartarugas não se colassem nas redes. Mas agora não tem mais nada, nem peixes nem pescadores, tudo sumiu", diz Nefertiti.