"Não entramos no presídio para evitar um Carandiru 2", diz secretário do AM
O secretário de Segurança Pública do Amazonas, Sérgio Fontes, disse nesta segunda-feira (2) que uma entrada da PM Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), em Manaus, durante a rebelião que terminou com a morte de 56 pessoas, no último final de semana, poderia ter causado um “Carandiru 2”. “Não entramos no presídio para evitar um Carandiru 2”, disse Sérgio Fontes em entrevista concedida ao UOL, em alusão ao massacre que vitimou 111 presos em 1992.
Segundo Fontes, o massacre (o maior em um presídio brasileiro desde o ocorrido no Carandiru) foi organizado por integrantes da facção FDN (Família do Norte), ligada ao CV (Comando Vermelho). Os alvos seriam presos pertencentes a uma outra facção, o PCC (Primeiro Comando da Capital), rival do CV.
Fontes, que é policial federal de carreira e há dois anos comanda a SSP (Secretaria de Segurança Pública do Amazonas), diz que, apesar da morte de 56 presos e da fuga de outros 87 nos últimos dois dias, a situação está “sob controle”, mas afirmou temer a reação do PCC. “As retaliações vão vir. Elas vão vir”, disse Fontes.
Confira a íntegra da entrevista.
UOL - O que causou esse massacre?
Sérgio Fontes - Esse massacre foi causado por uma disputa de espaço pelo narcotráfico. Na verdade, é isso. É uma grande disputa a nível nacional que vai do Rio de Janeiro, porque a FDN (Família do Norte) é ligada ao CV (Comando Vermelho), e se estende até Roraima, Rondônia, Acre, Maranhão. O Brasil inteiro está com esse problema.
De que forma esse conflito chegou às prisões do Amazonas?
A FDN tem cerca de 10 anos. A FDN, assim como outras denominações em outros Estados, surgiu da necessidade de ampliar o crime organizado. O CV e o PCC (Primeiro Comando da Capital), na sua disputa por espaço de narcotráfico, espaço financeiro decorrente das rotas, das bocas de fumo para a venda, fizeram suas ramificações nos Estados. A FDN é uma ramificação do CV e essa briga se resume a dinheiro. É uma disputa financeira, só que criminosos disputam dinheiro a bala. O Amazonas é apenas mais um dos Estados que estão vivenciando essa questão. Eu lhe digo e isso tem que ser encarado de forma sistêmica. Tem que ser encarado de forma nacional.
Qual das duas facções tem mais poder nos presídios do Amazonas?
A FDN. Eu diria que tem mais gente, por conseguinte tem mais poder. Pra se ter uma noção de proporção, são quase cinco integrantes da FDN pra cada um do PCC.
O senhor afirma que essa situação é sistêmica e nacional, mas houve cortes no orçamento da Segurança Pública do Amazonas em 2016. Em que medida esses cortes contribuíram para o massacre?
Afeta, sim, não tenha dúvida nenhuma. Agora, um governo só pode aplicar aquilo que arrecada. Se você está arrecadando pouco em função da crise, não tem como aplicar mais. Agora, os cortes não são o determinante dessa crise. O determinante dessa crise (a escalada da violência por parte das facções) é que ela não está sendo encarada com a gravidade que ela possui. Os Estados sozinhos, quaisquer que sejam os seus orçamentos, não são capazes de fazer frente a essa crise. Qual é o Estado mais rico do Brasil? São Paulo. E São Paulo é o berço do PCC. O PCC está em todas as unidades prisionais de São Paulo. Então não é uma questão de dinheiro.
Qual o peso do PCC no Amazonas?
É muito pequeno. O problema é que o peso dele em nível nacional é muito grande. Aqui, o PCC está sofrendo perdas, mas em outros Estados eles foram algozes. E nada nos garante que não vai ter retaliação. O pessoal do PCC aqui no Amazonas está em estado de loucura com medo de morrer. E a guerra pode vir para fora. Para as ruas e não só no Amazonas, mas no Brasil todo.
O que o senhor quer dizer com isso?
O PCC vai retaliar. As retaliações vão vir. Elas vão vir. É como no sistema prisional.
Nos últimos dias, 87 presos fugiram de uma unidade prisional e outros 55 foram mortos. A situação saiu do controle?
Não. Quando tomamos conhecimento da rebelião, foi feita uma opção. A situação não saiu do controle. Uma facção brigou com a outra dentro do presídio. Qual era a opção do Estado? Fazer um Carandiru 2? Entrar lá e matar todo mundo? Não. O problema é que temos unidades prisionais superlotadas como no Brasil todo. Tivemos 55 mortes no Compaj e 87 fugitivos no Ipat. Desses 87, 40 já foram recuperados. Quase a metade. E, até o final da semana, esperamos recuperar todos. A situação está sob nosso controle. Nenhum refém foi morto. Todos foram resgatados. Os que eles queriam matar, mataram logo no começo. O que vamos fazer agora? Vamos responsabilizar quem fez isso e tomar medidas para evitar que outra tragédia como essa se repita.
Essa opção à qual o senhor se referiu foi a decisão de a PM não entrar no presídio logo no início da rebelião?
Isso. Exatamente. Não entramos no presídio para evitar um Carandiru 2, para evitar uma reação de força.
Essa opção não acabou permitindo que mais presos fossem mortos?
Não, porque eles não foram mortos ao longo do tempo. Eles foram mortos nos primeiros 15 minutos da rebelião. O objetivo de fazer essa rebelião era matar o pessoal do PCC. Quando a primeira viatura chegou, eles já estavam mortos. A não entrada foi uma opção tática e acho que foi a melhor que a PM poderia ter escolhido. A entrada ali poderia ter sido uma tragédia ainda maior.
Considerando que esse massacre possa ter sido resultado de um confronto entre facções que atuam em todo o Brasil, qual a responsabilidade do governo federal nesse episódio?
Olha... eu diria que estabelecer responsabilidades é uma coisa muito feia a não ser que as responsabilidades sejam objetivas. Eu disse hoje que todos têm culpa e ninguém tem culpa. O Estado está trabalhando, o governo federal está trabalhando. No que temos culpa é que temos que nos engajar de uma maneira mais eficiente. De maneira mais coordenada. Distribuir com mais racionalidade as atribuições nesse grande enfrentamento que é o tráfico internacional.
O que foi negociado com a FDN para que a rebelião acabasse?
Absolutamente nada. Não negociamos com bandido. O que eles pediram era o que já iríamos fazer, que era não agredi-los. São medidas que já seriam tomadas em respeito aos direitos humanos. As responsabilidades serão apuradas. E as lideranças irão responder por crime de homicídio. Não teve nenhuma negociação. Dessa rebelião sobrará apenas a dor dos familiares que perderam seus entes queridos.
Há indicações de que a ordem tenha saído de lideranças do CV?
Ainda estamos levantando isso. O fato é que não conseguimos antecipar essa rebelião. Nós não sabíamos que isso iria ocorrer.
A melhor forma de lidar com facções rivais é separá-las em pavilhões diferentes ou em presídios diferentes?
Essa estratégia tem um problema. Isso dá hegemonia a uma facção para atuar num presídio. Você deixa ela livre para atuar dentro do presídio. Isso é exatamente o que o crime organizado quer. Ele quer ficar num lugar seguro onde ele possa continuar tocando seus negócios. Não é bom fazer o que eles querem. Agora, num momento como esse, porém, possivelmente, vamos ter que fazer isso até que encontremos uma outra forma de resolver o problema.
Qual sua avaliação sobre a capacidade dos Estados de combater a ação dessas facções nacionais?
Isolados? É muito pequena. Nossa capacidade crescerá a partir do momento em que atuarmos de forma conjunta. Se a questão fosse dinheiro e recursos, São Paulo tinha resolvido esse problema. E ao contrário: hoje, o PCC irradia suas ações para outros Estados.
O senhor teme o impacto das ações do PCC?
Sim. Claro. Como gestor de segurança pública eu tenho obrigação de temer e me antecipar. Temos um comitê gestor para atuarmos de forma integrada.
Esse massacre era realmente imprevisível?
Não tenho dúvida. Não era previsível. Tínhamos estimativas de que alguma coisa poderia ocorrer, mas em pequena escala. Mas não nessa escala. Várias tentativas de rebelião foram interrompidas antes dessa. Essa, infelizmente, não foi.
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