Não cabe ao Judiciário dizer como um psicólogo deve tratar os LGBT, diz conselho
O CFP (Conselho Federal de Psicologia) apresentará até o final desta semana à Justiça Federal no Distrito Federal um recurso contra a liminar que permite a psicólogos tratar gays e lésbicas como doentes e aplicar terapias de "reversão sexual", sem que possam sofrer censura ou precisar de autorização prévia da entidade. Um dos argumentos que serão apresentados à Justiça é o de que a decisão pode aumentar a intolerância à população LGBT, sobretudo entre familiares, e os casos de violência.
Psicólogo há 20 anos e professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Pedro Paulo Bicalho, um dos diretores do CFP, afirmou que “um dos efeitos mais perversos” da decisão judicial deve ser o aumento da violência contra homossexuais. O Brasil é hoje o país que mais mata gays, lésbicas e transexuais no mundo: no ano passado, o país registrou quase um assassinato por dia.
“A possibilidade de entender a homossexualidade como algo que possa ser revertido coloca, de uma forma muito evidente, mais estigmas de exclusão e até de violência diante de um suposto ‘problema’ que deva ser exterminado. Esse é o grande efeito desse tipo de decisão, pois chancela algo que não tem qualquer comprovação científica e que já embasa, em muitos casos, a violência dentro de casa contra o LGBT”, explica Bicalho.
De acordo com ele, os membros do conselho ficaram “muito decepcionados” com a decisão liminar, assinada pelo juiz federal da 14ª Vara do DF, Waldemar Cláudio de Carvalho, em ação popular movida pela psicóloga Rozangela Alves Justino. A profissional havia processado o colegiado do CRP por conta de censura profissional imposta a ela por oferecer a terapia a seus pacientes. O tratamento é proibido por resolução da entidade desde 1999; desde 1990, a OMS (Organização Mundial da Saúde) retirou a homossexualidade da lista internacional de doenças.
“Essa é uma decisão bastante paradoxal, porque ela concede o que o grupo de psicólogos pediu na ação popular, que era a cassação da resolução, mas a transforma em uma letra morta ao solicitar que a interpretemos de um modo bastante diferente do espírito com que ela foi criada”, destacou o diretor do CFP, para completar: “Isso autoriza as terapias de ‘reversão sexual’, o que não podemos admitir porque a homossexualidade não se configura nem como doença, nem como desvio –e se não tem desvio, não há nada a ser reorientado. É a expressão legítima da sexualidade como qualquer outra”.
Somente a psicologia pode regulamentar um tratamento psicológico; não cabe ao Judiciário dizer como um psicólogo deve tratar.
Pedro Paulo Bicalho, um dos diretores do CFP
Para o professor, a reação de setores da sociedade – como de políticos e artistas –contra a decisão liminar deve fortalecer o pleito do CFP. “Precisamos de apoio popular, de pessoas se manifestando, conversando sobre isso. Quando um juiz solicita que interpretemos de outro modo a resolução de um órgão normativo, ele usa do poder do Judiciário para produzir uma referência técnica que não cabe a ele. Somente a psicologia pode regulamentar um tratamento psicológico; não cabe ao Judiciário dizer como um psicólogo deve tratar”, concluiu.
Em 5 anos, CFP teve três denúncias de "cura gay"
Segundo dados do conselho, em cinco anos (2012 a 2017), a entidade abriu 260 processos éticos. Desses, apenas três têm ligação direta ou indireta com a resolução que veta a tentativa de “cura gay”.
No CRF, o entendimento é o de que a resolução que veta o tratamento liberado pelo juiz do DF tem um caráter muito mais educativo que necessariamente punitivo – o que os próprios números, afirma a entidade, revelam. É como se resolução “garantisse a preservação ao direito individual que todo ser humano tem de ter sua orientação sexual e manifestá-la como achar mais conveniente”, diz o conselho. Na prática, um dos efeitos do documento é a eliminação de obstáculos a casais LGBT que queiram adotar filhos –uma vez que a orientação sexual deles não representaria uma doença mental digna de tratamento.
A decisão liminar é da última sexta-feira (15). O CFP tem 15 dias para recorrer.
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