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RJ: juiz cita preço de arma ao absolver PMs que atiraram com mão de ferido

Vídeo mostra PMs atirando com arma em mão de rapaz ferido em operação policial no Morro da Providência no Rio - Reprodução
Vídeo mostra PMs atirando com arma em mão de rapaz ferido em operação policial no Morro da Providência no Rio Imagem: Reprodução

Igor Mello

Do UOL, no Rio

29/05/2019 04h00

Um dos argumentos do juiz Daniel Werneck Cotta, da 2ª Vara Criminal do Rio, para absolver cinco policiais militares acusados de homicídio e fraude processual foi o preço da arma supostamente apreendida por eles com a vítima. Os PMs aparecem em um vídeo efetuando disparos com a mão de um jovem caído no chão, após ser ferido durante confronto no Morro da Providência, no Centro do Rio, em setembro de 2015.

Segundo a sentença, "é notório que armas de calibre 9 mm não são utilizadas ou portadas por policias militares do Estado do Rio de Janeiro. Tampouco é ordinário, por regras de experiência do que normalmente ocorre, que artefatos desse calibre, de relevante valor, sejam utilizados, ilegítima e ilegalmente, por policiais para lastrear prisões ou justificar disparos, imputando sua posse a outros".

O juiz ainda destaca, ao longo das 14 páginas em que sustenta sua decisão, que há "perfeita coincidência e riqueza de detalhes" nos depoimentos dos PMs.

As imagens foram feitas por uma moradora da Providência em setembro de 2015, durante uma operação da PM. No vídeo, um policial coloca uma arma na mão de Eduardo Felipe Santos Victor, 17, que já havia sido baleado, e dispara. O jovem estava caído no chão imóvel. A prática, segundo a denúncia do MP (Ministério Público), ocorreu "a fim de induzir a erro a autoridade competente, ao colocar uma arma nas mãos da vítima que já estava caída ao chão e efetuar disparos com a mesma, e ainda colocar um rádio transmissor ao lado do corpo da vítima para parecer mais verídica a história do confronto entre os policiais e os traficantes do Morro da Providência".

O juiz não considerou o depoimento dado à Polícia Civil pela testemunha que filmou a cena -- ela não foi encontrada para testemunhar em juízo. Segundo o magistrado, suas declarações "não são corroboradas por quaisquer elementos de prova colhidos". Ela afirmou ter visto Eduardo sem ferimentos e de mãos levantadas, em sinal de rendição, antes de ser baleado. Porém, para Werneck Cotta, "o simples fato de a testemunha supostamente ter visto a vítima sem vestígio de sangue com as mãos levantadas não permite a conclusão de que fora executada após ter se rendido". Ele ainda ressalta que a mulher teria confirmado que a vítima fazia parte do tráfico da comunidade.

Com a sentença, os PMs Éder Ricardo de Siqueira, Pedro Victor da Silva Pena, Gabriel Julião Florido, Paulo Roberto da Silva e Riquelmo de Paula Geraldo foram impronunciados -- ou seja, não irão a júri polular -- e absolvidos do homicídio. Por isso, a acusação de fraude processual nem sequer foi julgada.

Defensor vê mensagem de "permissividade" e recorrerá

A Defensoria Pública do Rio vai recorrer da absolvição dos PMs. Para o órgão, a sentença pode passar para outros policiais uma ideia de "permissividade" com esse tipo de ação.

Segundo o defensor público Daniel Lozoya, do Nudedh (Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos), que atua na causa, a decisão judicial pode passar uma mensagem negativa para outros policiais.

"Infelizmente de fato é possível que algumas pessoas extraiam dessa decisão uma mensagem no sentido de um controle frágil da ação policial, de permissividade com relação à ação policial", explica.

Investigações de casos semelhantes já apontaram que a iniciativa de policiais forjarem disparos de supostos opositores têm como objetivo deixar marcas de pólvora nas mãos das vítimas, ajudando a sustentar, com base em laudos periciais, a versão de que houve troca de tiros.

Lozoya afirma que o fato de a testemunha-chave do caso não ser localizada indica a dificuldade de investigar e punir policiais que matam em serviço.

"É representativo das dificuldades desses casos de maneira geral. De não terem outros meios de prova, das testemunhas não serem localizadas, de terem muito receio de depor", argumenta. "Mas fica aquela pergunta. Se os policiais agiram corretamente por que a fraude [na cena do crime]?"