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Milícia atuou junto com a PM em operação contra traficantes no Rio, diz MP

31.mai.2019 - O PM Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, é suspeito de integrar milícia que agiu em ação da PM, segundo o MP - ARMANDO PAIVA/AGÊNCIA O DIA/ESTADÃO CONTEÚDO
31.mai.2019 - O PM Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, é suspeito de integrar milícia que agiu em ação da PM, segundo o MP Imagem: ARMANDO PAIVA/AGÊNCIA O DIA/ESTADÃO CONTEÚDO

Igor Mello

Do UOL, no Rio

01/06/2019 04h00

Denúncia do MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) contra um grupo de suspeitos de integrar milícia que atua nas áreas de Jacarepaguá e Recreio, zona oeste carioca, --ao menos 17 mandados de prisão foram cumpridos ontem na Operação Entourage-- mostra que os acusados mantinham relação próxima com setores das polícias Civil e Militar. De acordo com as investigações, os criminosos chegaram a atuar junto com policiais militares em uma operação de combate ao tráfico na região.

A ação da Polícia Civil e do MP cumpriu ao menos 17 mandados de prisão --oito suspeitos estavam em liberdade e outros nove já estavam presos-- contra acusados de terem ligação com a milícia comandada por Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando Curicica. A promotoria denunciou 22 pessoas por integrar organização criminosa.

Dois dos presos na Operação Entourage são investigados por envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes. Rafael Carvalho Guimarães e Eduardo Almeida Nunes de Siqueira são suspeitos de terem clonado o veículo Cobalt usado pelos assassinos no dia do crime, em março do ano passado, segundo informou a DH (Divisão de Homicídios).

Entre os detidos, também está o segundo sargento da PM Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, que era tido como testemunha-chave nas investigações da morte de Marielle e Anderson.

O UOL mostrou que Ferreirinha admitiu à Polícia Federal, que investiga uma possível obstrução das investigações, ter mentido para incriminar Orlando Curicica e o vereador do Rio Marcello Siciliano (PHS). Apesar disso, a Polícia Civil continua mantendo Curicica como um dos possíveis mandantes do assassinato de Marielle.

Segundo os promotores do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), a quadrilha "também possuía outras formas perniciosas de interagir com o Poder Público". Entre as situações citadas por eles, está uma operação da PM.

"A súcia [milícia], em ao menos uma ocasião, chegou a atuar em conjunto com policiais militares em operação voltada para a repressão ao tráfico de drogas em áreas de interesse da organização criminosa", escreveram os promotores, sem revelar contudo a data e o local da ação policial.

Em outro momento, os criminosos também demonstraram ter entrada na Polícia Civil. O grupo planejava uma invasão a uma comunidade controlada por uma quadrilha rival e não queria interferências das autoridades. Policiais da 41ª DP (Tanque) e do GAT (Grupo de Ações Táticas) de um batalhão da PM foram avisados do ataque, segundo o MP.

"Em outra ocasião, membros da malta indicaram que, visando evitar problemas, seria necessário avisar à 41ª Delegacia de Polícia e ao GAT (Grupo de Ações Táticas) da Polícia Militar sobre uma invasão que estava sendo planejada por eles", dizem os promotores.

PM fala em abrir investigação para apurar denúncia

Em nota, a PM disse que auxiliou, por meio de sua Corregedoria, no cumprimento dos mandados de prisão contra quatro policiais suspeitos de envolvimento com a milícia de Curicica.

A corporação afirma ainda que pediu acesso aos autos para abrir investigação interna sobre as denúncias do MP.

"Quanto aos policiais militares envolvidos na organização criminosa, a Corregedoria da PM requisitou cópia das acusações contidas no inquérito da Polícia Civil e do Ministério Público para instaurar, de imediato, processo administrativo, que tramitará paralelamente à ação penal", informou a Polícia Militar.

A Polícia Civil foi procurada pela reportagem, mas não respondeu até o momento.

MP: milícia divide tarefas e analisa 'potencial' de áreas

As investigações mostram que o grupo criminoso controla as comunidades de Curicica, Colônia, Terreirão, Camorim, Parque Carioca/Jambalaya, Merck, Boiuna, Santa Maria, Mapuá, Lote 1000, Pau da Fome, Tancredo, Jordão e Teixeiras (todas na zona oeste carioca).

De acordo com os investigadores, a quadrilha tinha uma clara divisão de tarefas. Entre os presos, há integrantes de diversos núcleos: os líderes da organização criminosa; seus seguranças; os que atuavam na conquista de novas áreas para a atuação da milícia; cobradores e recolhedores de taxas junto a moradores e comerciantes; vendedores de armas de fogo e cigarros; além de membros especializados na clonagem e receptação de veículos usados pela quadrilha.

O promotor Michel Queiroz Zoucas explicou que, antes de dominarem uma comunidade, os criminosos faziam um detalhado inventário das atividades que poderiam ser exploradas pela quadrilha no local. Era o potencial econômico que tornava uma área atrativa para o grupo.

"Uma grande característica da milícia é tomar o território para tentar explorar ao máximo o potencial econômico deles praticando violência. Por isso, onde eles enxergam que podem dominar e exercer o monopólio comercial, eles vão lá, tomam aquele serviço e passam a explorar", relatou.

"A investigação demonstrou que uma área conquistada nesse período foi a região do Tirol. No levantamento daquela região, que fez com que a milícia tivesse interesse, foram levantados os serviços que poderiam ser explorados no Tirol e justificavam uma invasão. Dentre esses serviços foi identificado o comércio de água, a tal ponto que a milícia começou a pensar qual marca de água começariam a comercializar lá", exemplificou o promotor.