Análise: o risco de Witzel ao usar o confronto como palanque para 2022
Seguindo a tradição de seus antecessores, Wilson Witzel (PSC), governador do Rio, vem apostando em um discurso linha dura de combate ao crime com o objetivo de se cacifar pensando em 2022 --ele fala até mesmo em concorrer à Presidência. Deu novas mostras disso ao tentar capitalizar o desfecho do sequestro de um ônibus na ponte Rio-Niterói, nesta semana.
Na avaliação de especialistas ouvidos pelo UOL, a politização da agenda da segurança pública não costuma ter resultados positivos para a população e é uma aposta arriscada do ponto de vista eleitoral.
Na última terça, minutos depois de atiradores de elite do Bope (Batalhão de Operações Especiais) matarem o sequestrador Willian Augusto da Silva, 20 anos, Witzel desceu de um helicóptero triunfante, comemorando com socos no ar. A cena foi registrada por seu secretário de Governo e Relações Internacionais, Cleiton Rodrigues, que já estava estrategicamente posicionado em solo com o celular em punho quando o chefe desceu da aeronave.
O comportamento do governador gerou rejeição nas redes sociais e obrigou Witzel a recuar. "Algumas pessoas disseram que comemorei a morte. Eu comemorei a vida", afirmou no mesmo dia.
Levantamento feito pela consultoria AP Exata, a pedido do UOL, mostrou que 40% dos tuítes sobre o caso tiveram um viés crítico a Witzel, enquanto apenas 20% aprovavam sua conduta.
A tentativa de capitalizar o desfecho do sequestro não foi um ponto fora da curva nos oito meses de Witzel no Palácio Guanabara. Figura frequente em eventos das polícias e das Forças Armadas, o governador já posou diversas vezes com fardas e vestimentas típicas das forças de segurança --em cenas que vão de flexões com policiais até a simulação de atuação de um sniper. Da mesma forma, são comuns discursos em defesa do "abate" de criminosos e pregando a repressão a quadrilhas de traficantes --chamados por ele de "narcoterroristas".
Em março, Witzel decidiu comandar uma entrevista coletiva sobre a prisão do PM reformado Ronnie Lessa e do ex-policial Élcio de Queiroz, suspeitos de assassinar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes. O uso político do episódio desagradou o Ministério Público do Rio, que decidiu não participar. Em julho, após uma megaoperação apreender 28 armas --entre as quais 23 fuzis-- e 8,5 toneladas de drogas no Complexo da Maré, novamente Witzel resolveu convocar a imprensa para falar pessoalmente do fato, assumindo os holofotes dos responsáveis pela ação nas polícias Civil e Militar.
Para o cientista político João Trajano Santo-Sé, coordenador do LAV (Laboratório de Análises da Violência) da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), a ênfase que Witzel dá a uma política de confronto armado para combater o crime organizado representa um retrocesso, por se assemelhar às práticas de décadas anteriores, como o dos governos de Moreira Franco (1987-1991) e Marcello Alencar (1995-1999) --ambos fracassaram na segurança e terminaram o mandato sofrendo com a impopularidade. Porém, Trajano destaca uma diferença importante no discurso público do governador.
Essa postura de Witzel é inédita. Não me lembro de um chefe do Executivo no Rio assumir um discurso tão beligerante, armamentista, agressivo e alimentado pela lógica da guerra. É intrigante como o governador reduz a imagem pública que está construindo ao guerreiro
João Trajano Santo-Sé, coordenador do Laboratório de Análises da Violência da Uerj
Citados por Trajano, Moreira Franco e Marcello Alencar se notabilizaram por defender a ação truculenta das polícias. O primeiro se elegeu prometendo acabar com o crime no Rio em seis meses. Já o segundo criou a gratificação por ato de bravura, conhecida como "gratificação faroeste", que deu aumentos salariais para policiais que matavam em serviço.
Mais recentemente, Anthony Garotinho, que governou o estado entre 1999 e 2002, apostou na caçada de chefes do tráfico, como Marcio Amaro de Oliveira, o Marcinho VP, chefe do tráfico no morro Santa Marta, preso em abril de 2000. Também criou um programa de informatização da Polícia Civil, o Delegacia Legal, citado até hoje por ele como marca de seu governo.
Sergio Cabral, que chegou ao Palácio Guanabara, em 2007, surfou na popularidade das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) e se reelegeu em primeiro turno com mais de 66% dos votos válidos.
O cientista político Ricardo Ismael, professor da PUC-Rio, afirma que o uso político da segurança pública é uma constante entre os governadores do Rio.
"Diante da importância do ponto de vista eleitoral, a personalização [dos resultados na área de segurança] acontece, é inevitável. O Cabral colheu frutos com as UPPs e o Garotinho chegou a ser nomeado secretário da Segurança pela Rosinha [sua mulher e governadora entre 2003 e 2006], uma coisa muito estranha. Quem fica à frente da segurança ganha muita visibilidade. É um cargo-chave para o governo", afirma. "Mas a segurança pública é o cemitério dos governadores. Se ele falha aí dificilmente vai conseguir ser reeleito ou ter uma aprovação razoável".
Aposta de risco
Trajano e Ismael compartilham da avaliação de que Witzel tem feito uma jogada arriscada tentando se cacifar politicamente. Para eles, há riscos políticos e administrativos na aposta em um discurso focado exclusivamente no confronto.
Trajano explica que Witzel foi eleito sem respaldo de uma grande coligação --seu PSC só recebeu o apoio do Pros-- e sem uma marca política clara. Depois de focar durante boa parte da campanha em um discurso de combate à corrupção e pró-Lava Jato, no segundo turno ele passou a se alinhar com Jair Bolsonaro (PSL) e a defender uma ação enérgica da polícia contra o crime.
Especialista em segurança pública, o professor avalia que, a médio e longo prazo, a estratégia vai falhar, por repetir equívocos de outras gestões.
"Qualquer liderança tentaria capitalizar esse processo no Rio de Janeiro. Mas essa capitalização, por ser muito frágil [no caso de Witzel], não vai se sustentar por muito tempo", afirma.
Para ele, Witzel ficará em um dilema: ou terá que manter um discurso impopular, ou poderá ser abandonado pelos policiais, que hoje formam uma base de sustentação de seu governo.
"Qual é a arapuca que o governador está criando para si próprio? Ou muda a postura, ou vai perder adesão [da população]. Só que, se mudar o discurso, vai começar a perder o apoio no interior das corporações. Sobretudo na PM, que vai começar a se ver traída. E a PM fora de controle é um perigo", diz.
Ricardo Ismael, por sua vez, acredita que Witzel esteja fazendo uma aposta arriscada em nome de sua sobrevivência como liderança política de relevância no estado. O resultado eleitoral que obterá a partir disso dependerá da sensação de segurança da população.
Ele tem um discurso muito conservador, alinhado com o de Bolsonaro. Está personalizando essa questão da segurança pública justamente para ficar menos dependente do presidente
Ricardo Ismael, cientista político da PUC-Rio
Para o professor, é um jogo arriscado. "Witzel trouxe para si o problema ao mudar o organograma e acabar com a figura do secretário de Segurança, que poderia ser uma figura de destaque. Se der errado, não tem um secretário de segurança para demitir", diz Ismael.
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