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Ameaça, intolerância e apologia nazista: judeus relatam temor no país

14.dez.2019 - Homem usa braçadeira com suástica nazista em bar na cidade de Unaí (MG) - Arquivo pessoal
14.dez.2019 - Homem usa braçadeira com suástica nazista em bar na cidade de Unaí (MG) Imagem: Arquivo pessoal

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

27/01/2020 04h00Atualizada em 27/01/2020 12h13

Resumo da notícia

  • Brasil registra episódios que fazem integrantes da comunidade judaica temerem escalada de preconceito e ódio
  • Ameaças em Maceió levaram sinagoga a mudar rotina para visitas e a abandonar Whatsapp
  • Polarização e radicalização repercutem na visão das pessoas sobre minorias, diz líder judaico
  • Para professor, mistura de Estado com religião mina a base da sociedade democrática

Na tarde da terça-feira (21), a Polícia Civil do Ceará convocou uma entrevista coletiva para informar que quatro pessoas foram indiciadas sob acusação dos crimes de racismo e ameaça contra a comunidade judaica no Ceará. Um dia depois, o Ministério Público de Minas Gerais denunciou o homem que usou uma suástica no braço em um bar Unaí. Na quinta-feira (23), um homem foi indiciado pela polícia catarinense após pendurar uma suástica na janela de seu apartamento em São José.

Esses fatos recentes se somam ao vídeo de inspiração nazista gravado por Roberto Alvim, secretário de Cultura do governo Jair Bolsonaro, que levou à sua demissão imediata.

Às vésperas dos 75 anos da libertação de judeus do campo de concentração de Auschwitz — ocorrida em 27 de janeiro de 1945 pelo então exército soviético —, o Brasil registra episódios que fazem integrantes da comunidade judaica no país temerem a crescente onda de intolerância.

As ameaças chegaram a mudar a rotina de sinagogas, como a de Maceió, que precisou mudar regras das visitas ao local após ataques virtuais.

Reprodução de mensagens com comentários e ameaças contra a comunidade judaica no Ceará - Polícia Civil/CE - Polícia Civil/CE
Reprodução de mensagens com comentários e ameaças contra a comunidade judaica no Ceará
Imagem: Polícia Civil/CE

"Há dois anos, entrou em contato um rapaz que pediu para fazer uma visita à sinagoga. Depois disso, ele começou a enviar conteúdos neonazistas para o WhatsApp que a sinagoga mantinha. Ficamos preocupados, houve uma investigação e se descobriu quem era a pessoa. Mas ele criou até uma página falsa para adicionar membros da sinagoga", disse a diretora de comunicação da comunidade judaica em Maceió, Maryse Hannah.

Segundo Maryse, em razão do episódio, a sinagoga acabou com o grupo no aplicativo de mensagens. "A gente agora evita divulgar o endereço da sinagoga nas redes sociais. Passamos a adotar como padrão pedir documento com foto e comprovante de residência recente para nosso email para autorizar a visita", afirma.

"Está mais difícil ser judeu"

Para o advogado e presidente da Conib (Confederação Israelita do Brasil), Fernando Lottenberg, "está mais difícil ser judeu ou minoria no mundo hoje."

"É o que a gente está vendo em vários países, e não têm como essa onda não chegar aqui. Infelizmente, parece que já bateu, de uma intolerância crescente. Toda essa história de polarização, radicalização, extremismo, acaba repercutindo na visão das pessoas das minorias", afirma.

O líder judaico no Brasil afirma que nem mesmo a boa relação entre o atual governo e Israel ajudou a comunidade a evitar problemas ligados ao preconceito.

"A gente aprendeu a não depender de boa vontade de governos. A gente tem de condições, dentro da sociedade civil, de evitar qualquer tipo comportamento antissemita e nos defender. É importante que tenha boa relação, é bem-vindo, mas isso não assegura que a comunidade esteja livre de ataques", diz.

Para ele, casos como os citados são "testes" de pessoas preconceituosas aos limites e um sinal de alerta para toda sociedade. "É algo que fazem na ideia de ver até onde pode ir. Algo como: 'Vamos ver se percebem que a frase era do Goebbels, vamos sair com suástica no braço'", afirma.

Fernando Lottenberg, presidente da Conib (Confederação Israelita do Brasil) - Mathilde Missioneiro - 17.jul.19/Folhapress - Mathilde Missioneiro - 17.jul.19/Folhapress
Fernando Lottenberg, presidente da Conib (Confederação Israelita do Brasil)
Imagem: Mathilde Missioneiro - 17.jul.19/Folhapress

Lottemberg acredita na importância de toda participação social na luta contra o preconceito. "Não fomos as únicas vítimas: ciganos sofreram, homossexuais sofreram, políticos ligados ao socialismo sofreram. Às vezes começa conosco, às vezes termina conosco; mas não é um problema da comunidade judaica, mas de todos, que não podem permitir que isso prospere", diz.

Para o líder israelita, uma forma de lutar contra o preconceito é impedir qualquer tipo de revisionismo histórico, como chegou a aventar o presidente Bolsonaro ao classificar erroneamente que o nazismo foi um movimento de esquerda. "O nazismo foi o que foi, um movimento de extrema direita", afirma.

Ele defende que o Brasil lute por um Estado sem religião, com tolerância e respeito às diferenças.

Vou pelo que diz a Constituição o Estado é laico. Isso não significa que não lida com as religiões, que não as permite. Vemos a definição da religião como algo de domínio privado, uma coisa de cada um
Fernando Lottemberg, presidente da Conib (Confederação Israelita do Brasil)

Recife, berço do judaísmo no Brasil, sofre

No Recife, onde foi instalada a primeira comunidade judaica e primeira sinagoga das Américas — durante durante a ocupação holandesa no século 17— alguns casos de ameaças foram registrados. No estado há 300 famílias judias.

Em agosto, a Universidade de Pernambuco cancelou a palestra do cientista político André Lajst, um ex-soldado das Forças de Defesa de Israel e diretor-executivo de uma ONG que defende o sionismo, por conta de ameaças. Em outubro de 2018, uma suástica foi pichada em um banheiro da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), com ameaça de morte.

Uma afronta mais forte ocorreu quando o símbolo nazista assustou a comunidade. "A gente já se defrontou, no ano passado, de aparecer uma suástica desenhada na porta da sinagoga. O caso foi relatado à PF. Mas são situações pontuais, uma exceção. De um modo geral existe uma boa integração com a comunidade judaica", diz Jáder Tachlitsky, coordenador de comunicação da Federação Israelita e professor de história e cultura judaica.

Para ele, a história deixa claro a necessidade de separação entre Estado e religiões, a fim de que haja tolerância e respeito às expressões de fé.

"A gente já viu como é maléfica essa união. Quando se usa o argumento religioso no Estado, privilegia-se uma série de pessoas que professam uma fé, dizendo que elas são melhores que outras que professam fé diferente. Ou seja, você está minando a base de uma sociedade democrática", disse.

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AFP