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Sem feijoada e samba: São Jorge tem festa diferente em crise da covid no RJ

Caio Blois

Do UOL, no Rio

23/04/2020 04h00

Padroeiro extraoficial do Rio de Janeiro, São Jorge terá um 23 de abril bem diferente das festas populares regadas a feijoada e samba neste 2020. A quarentena do coronavírus adiou a comemoração na igreja matriz, em Quintino, na zona norte da cidade.

O dia de São Jorge é feriado na capital desde 2001 e, seis anos depois, virou também feriado estadual. Por conta do distanciamento social, as missas serão online, como contou o padre Dirceu Rigo em vídeo divulgado pelo Facebook da paróquia. A epidemia também suspendeu homenagens, como a tradicional feijoada e a roda de samba.

"Será a primeira vez em 75 anos que não faremos nossa festa de São Jorge em 23 de abril. Vamos passar para o mês de agosto ou até setembro. Às 5h de quinta-feira teremos a Alvorada, o toque do clarinete, os sinos, a queima de fogos, e depois a Santa Missa. Em cada uma dessas missas pediremos uma bênção pela saúde. Mas os portões da nossa igreja estarão fechados. Não venham, vamos obedecer. Façam de sua casa a igreja de São Jorge", disse o padre Dirceu Rigo em vídeo divulgado pelo Facebook da paróquia.

A tecnologia será a grande aliada dos fiéis neste 23 de abril. Seguindo as recomendações em meio à pandemia, o jeito será "se virar" como dá."Vou acordar, fazer minhas orações e assistir à missa pelo Facebook. Já vi um delivery que entrega feijoada, e as doações também podemos fazer de forma não presencial. É triste interromper uma tradição de anos, mas é um esforço que temos que fazer por todos. Com certeza, São Jorge não gostaria que colocássemos nossa saúde em risco, ele irá nos abençoar onde quer que a gente esteja", afirmou o publicitário Gustavo Ralha, 32, cuja devoção de família já está na terceira geração.

23.abr.2018 - Fiéis celebram o Dia de São Jorge na Igreja Matriz dedicada ao santo, no bairro de Quintino, na zona norte do Rio de Janeiro, nas primeiras horas desta segunda-feira, 23. A data faz parte do calendário oficial do Rio de Janeiro e é feriado regulamentado desde 2008. O ponto alto das celebrações na madrugada é a missa da alvorada, às 5h, que contou com uma tradicional queima de fogos. Mas na programação da paróquia ainda há a celebração de outras missas a cada hora - J Ricardo/Estadão Conteúdo - J Ricardo/Estadão Conteúdo
Imagem: J Ricardo/Estadão Conteúdo


Mesmo com a igreja fechada, diversos devotos foram até a igreja de Quintino em devoção à São Jorge no início da manhã. A alvorada, assim que o dia nasce, teve o tradicional toque do clarinete, uma das homenagens tradicionais ao santo guerreiro, assim como costume das forças armadas.

Desde a criação da igreja matriz, em 1945, esta será a primeira vez que os devotos não poderão ir até a paróquia de Quintino para cultuar São Jorge. Antes mesmo do decreto que fez nascer a igreja, a devoção ao santo guerreiro já era costume no bairro, onde senhoras se reuniam em uma varanda da mesma rua Clarimundo de Melo, em todos os fins de tarde, para rezar o terço em frente a uma imagem presenteada por um português, também morador dali.

Em um pequeno terreno, os próprios moradores construíram uma capela simples e de difícil acesso, que anos depois deu lugar a uma igreja maior. Nem mesmo desastres naturais como chuvas nos anos 1960, que destruíram parte do local, impediram as comemorações de 23 de abril.

Em 2020, elas não foram canceladas, mas adiadas para agosto ou setembro a depender do controle da epidemia do coronavírus.

Terreiros também terão programação especial

A grande devoção a São Jorge no Brasil se deve também às religiões de matizes africanas. Proibidos de adorar seus orixás, os escravos passaram a cultuar santos católicos por associações inteligentes das semelhanças entre as imagens, fazendo nascer o que hoje é chamado de sincretismo.

No Sudeste, os africanos escolheram Jorge para representar o orixá guerreiro Ogum. Um dos santos mais venerados no catolicismo, São Jorge é imortalizado ao matar o dragão, tornando-se o "santo soldado", guerreiro como Ogum, o dono das ferramentas e armas feitas de metal.

Nos terreiros, os candomblecistas e umbandistas fazem barracões, servindo fartas mesas de café da manhã especial. A cor vermelha, que simboliza o elemento fogo, é outra coincidência com o catolicismo, mais uma ligação a São Jorge.

A data é a mesma e, nesta ano, também terá diferenças. A Federação Espírita instruiu todos os terreiros de umbanda a fecharem suas casas em meio à pandemia do coronavírus.

"Acenderei uma vela vermelha, que simboliza o sangue das vitórias, e uma branca, que significa paz. Abro uma cerveja quente e acendo um charuto. Farei minhas preces às 5h da manhã, agradecendo e pedindo o melhor a Ogum", conta o umbandista Dionísio Luiz, 34.

23.abr.2018 - Fiéis celebram o Dia de São Jorge na paróquia dedicada ao santo, no bairro de Quintino, na zona norte do Rio de Janeiro, nas primeiras horas desta segunda-feira, 23 - Erbs Jr./Estadão Conteúdo - Erbs Jr./Estadão Conteúdo
Imagem: Erbs Jr./Estadão Conteúdo

Casas de samba fazem homenagens

Tradicionais casas de samba do Rio como o Beco do Rato, na Lapa, também fizeram o possível para homenagear o santo guerreiro. A tradicional feijoada se transformou em uma vaquinha.

Em vez da festa no bar, os donos da casa e seus funcionários distribuirão quentinhas com a comida para moradores de rua da região. Na hora do almoço, o cantor Marquinhos Sathan fará uma live no Instagram do bar.

Uma das oferendas que podem ser servidas a Ogum, o feijão é o prato principal do dia de Jorge. O banquete de feijoada virou tradição popular entre os devotos.