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Doceria pede que enfermeiros evitem delivery; enfermeiros acionam Conselho

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Daniel Leite

Colaboração para o UOL, em Juiz de Fora

06/05/2020 20h26

Uma técnica de enfermagem de Lorena, no Vale do Paraíba, a 180 km de São Paulo, denunciou ao Conselho Regional de Enfermagem (Coren-SP) um vídeo em que a funcionária de uma doceria da cidade pede para que os profissionais de saúde evitem contratar delivery no município para "o bem de todos".

O Coren disse que se trata de "uma situação preocupante que mostra explicitamente esse tipo de preconceito no município de Lorena". A técnica de enfermagem Dulcelene Clemente da Silva Vitorino, que fez a denúncia, afirmou ao UOL que esse tipo de situação representa um risco para quem trabalha no combate à covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.

A trabalhadora que gravou o vídeo se dirige especificamente aos profissionais da saúde. "Vocês, profissionais da saúde, evitem pedir delivery, não só nosso, evitem todo o contato. É pro bem de todos, tá. Então, só avisando vocês".

Mais adiante, ela faz um pedido. "E pedir para que vocês entendam, né".

Ao tomar conhecimento da gravação, a técnica de enfermagem procurou o conselho. "Estamos sendo atacados direta ou indiretamente. Esse tipo de atitude dá margem para que outros estabelecimentos passem a nos maltratar, dificultando a nossa busca por qualquer serviço em meio a esse cenário caótico. Nós, enquanto profissionais de enfermagem, estamos ofendidos com essa atitude desprovida de informação. A saúde merece respeito e a gente também", afirmou ao Coren, segundo nota no site oficial do órgão.

Em conversa com o UOL, Dulcelene afirmou que a atitude da empresária pode colocar em risco a integridade de quem trabalha no combate ao novo coronavírus porque a população passaria a encarar enfermeiros e outros profissionais como foco do novo coronavírus. "Se todo mundo pensar que profissionais de saúde podem ser perigosos, a gente passa a correr risco até para sair de casa. Eu senti que foi preconceito."

Apesar do Coren ter oferecido apoio para uma ação judicial contra a pessoa que gravou o vídeo, ela preferiu não levar adiante. "Eu não quis porque não quero prejudicar a moça. A minha intenção foi que o Coren repudiasse para não ter esse tipo de pensamento contra nós, [profissionais da saúde]."

O caso teve repercussão entre outros profissionais da área na cidade e região. Vinícius Souza é técnico de enfermagem há mais de 10 anos e contou ao UOL ficou indignado. "Confesso que nunca imaginei que uma pessoa em sã consciência iria fazer um vídeo deste onde fica claro que quer jogar a culpa da pandemia na conta dos profissionais da saúde, profissionais estes que ocupam uma função de escudo entre a pandemia e a população. Em nome dos técnicos de enfermagem deixo claro meu repúdio com relação ao vídeo postado, pois nós profissionais da saúde merecemos respeito."

Defesa da doceria diz que vídeo foi "recortado"

O advogado contratado pela doceria disse que houve "má interpretação do vídeo porque ele foi recortado". Segundo Lucca Ferri Latrofe, a gravação que ganhou repercussão é apenas uma parte dos stories, mas que ele completo dá outro entendimento ao fato.

Ele explica que, em um trecho dos stories que não chegou ao conhecimento do Coren, a funcionária fala sobre a demora e a espera dos entregadores em locais inadequados em hospitais.

Segundo a defesa, a funcionária se mostrava preocupada com a saúde dos motoboys e das pessoas com quem eles mantêm contato fora das instituições de saúde. Em seguida, ela pede que os profissionais não peçam o delivery nos hospitais, mas apenas em casas.

Latrofe afirma que todo o stories já saíram do ar 24 horas depois, como ocorre no Instagram.

O advogado afirma que depois que o caso veio a público, profissionais de saúde em redes sociais passaram a ameaçar funcionários da doceria dizendo que não atenderiam os empregados do local caso precisassem dos serviços do hospital. "Disse que dariam injeção errada se precisassem do atendimento deles."

Apesar disso, segundo ele, a doceria não vai processar essas pessoas, apenas quis esclarecer os fatos.