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Jovem é morto durante entrega de cestas básicas no RJ; vizinhos criticam PM

João Vitor da Rocha, 18, é assassinado durante entrega de cestas básicas - Reprodução
João Vitor da Rocha, 18, é assassinado durante entrega de cestas básicas Imagem: Reprodução

Pauline Almeida

Colaboração para o UOL, no Rio

21/05/2020 01h23

Um jovem de 18 anos foi baleado e morreu durante uma ação das polícias Militar e Civil na Cidade de Deus, na zona oeste do Rio de Janeiro, no fim da tarde desta quarta-feira (20). Uma troca de tiros foi registrada no momento em que voluntários da Frente Cidade de Deus (Frente CDD) finalizavam a entrega de 200 cestas básicas na localidade conhecida como Pantanal, por volta das 17h45.

Os voluntários não se feriram, mas um morador da comunidade Karatê, identificado como João Vitor Gomes da Rocha, de 18 anos, acabou baleado. Segundo testemunhas, ele foi colocado dentro do 'caveirão' da Polícia Militar e levado até o Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca, também na zona oeste, mas não resistiu.

A morte de João Vitor, jovem negro e de periferia, foi registrada dois dias após o assassinato de João Pedro Matos, de 14 anos, também negro de periferia, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, região metropolitana do Rio.

PM fala em confronto

Até o fechamento desta matéria, Wilson Witzel não havia comentado o caso de João Vitor. Já a Polícia Militar, em nota, informou que equipes do 18° BPM de Jacarepaguá e policiais civis da 41ª DP (Tanque) realizaram uma ação conjunta para checar denúncias sobre tráfico de drogas na Cidade de Deus.

Segundo a PM, durante a entrada das equipes, criminosos teriam atirado e dado início a um confronto. A corporação disse que um homem foi ferido, socorrido e com ele apreendida uma pistola. A mesma versão foi apresentada, também em nota na manhã desta quinta-feira, pela Polícia Civil.

A Secretaria Municipal de Saúde informou que o João Vitor da Rocha deu entrada, a princípio, sem identificação no Hospital Municipal Lourenço Jorge e que seu corpo havia sido reconhecido por familiares pouco antes das 22h. Em seguida, seria encaminhado ao IML (Instituto Médico Legal).

Mãe nega envolvimento de João Vitor com o crime

Manuela Gomes da Costa contestou a versão apresentada pelas forças policiais de que o filho teria envolvimento com o crime. Moradores contaram que a polícia teria entrado na Cidade de Deus já atirando. Segundo ela, o rapaz chegou a entrar no tráfico de drogas aos 15 anos, mas havia se arrependido.

"Se meu filho tivesse envolvido, eu ia assumir, mas faz três anos que ele saiu dessa vida. Ele perdeu amigos nesse negócio de operação, morreu muita gente que foi criado com ele, aquilo teve impacto na vida dele e ele saiu dessa vida. Agora, a gente estava se organizando para resolver umas coisas e ele se alistar no Exército", contou.

Manuela ainda denunciou que o filho, além de ter sido baleado, apresentaria marcas de esfaqueamento pelo corpo. "Eu nunca imaginei perder um filho assim, estou sem chão, ele tinha um filho de sete meses", lamentou.

Já segundo informações da Polícia Civil, uma laudo papiloscópico envolve João Vitor no roubo de um carro. Além disso, na ação de quarta-feira, ele estaria armado com a pistola apreendida na região de uma 'boca de fumo' localizada no entroncamento da rua do Canal com Newton Teixeira.

Entrega de cestas foi suspensa

A entrega de cestas básicas foi feita por equipes da Frente CDD, que vêm desenvolvendo várias ações sociais durante a pandemia da covid-19. Integrantes do grupo relataram que foram reprimidos e ameaçados por policiais, mesmo após terem se identificado como moradores. Através de nota, a PM informou que supostos criminosos teriam atirado contra os policiais, que responderam.

No caso de João Pedro, morto na segunda, os familiares da vítima também contestaram a versão policial de confronto, alegando que os policiais invadiram o imóvel e dispararam vários tiros, um deles atingiu o adolescente na barriga.

Nas redes sociais, integrantes da Frente CDD relataram que tiveram que se proteger dos tiros dentro da casa de moradores. Um vídeo mostra a indignação de um jovem por ter a distribuição interrompida pelo tiroteio. Ele cobra e questiona a política de segurança pública do governador Wilson Witzel (PSC).

"É seu governador, tudo bem com você? A gente tá aqui, mais um dia de ação do Frente CDD, dentro da casa de moradores, com a nossa roupa tudo infectada, porque a bala tá comendo lá fora. E a gente tá encurralado dentro da casa dos outros, cheio de criança com medo", relata.

E continua: "tentando fazer o que o Estado não faz, que é levar comida, levar aquilo que falta. O Estado só leva isso aqui: bala. A única coisa que a gente tem é bala dentro da favela. Todo mundo agora cercado, todo mundo jogado no chão dentro da casa dos outros, com medo, muito obrigado pela sua ação, seu governador", ironiza.

Com o susto do confronto, o carro dos voluntários atolou e caiu em um buraco. Quando os policiais se aproximaram, os integrantes da Frente CDD, vestidos de macacões brancos para proteção contra a covid-19, ergueram as mãos e começaram a gritar que eram moradores. Ainda assim, segundo eles, as equipes foram extremamente grosseiras, apontando o fuzil para três pessoas.

Outro vídeo feito pela Frente CDD mostra um dos integrantes transtornado pela maneira como a comunidade negra e periférica é tratada pelas forças policiais. "Eles são genocidas, eles entram matando na favela", lamenta e é consolado por um amigo.