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RJ: Tiros interrompem distribuição de cestas básicas; homem é morto pela PM

Rodrigo da Conceição, jovem morto pela PM, seria um trabalhador informal de uma barraca - Arquivo Pessoal
Rodrigo da Conceição, jovem morto pela PM, seria um trabalhador informal de uma barraca Imagem: Arquivo Pessoal

Pauline Almeida

Colaboração para o UOL, no Rio

21/05/2020 20h57Atualizada em 21/05/2020 22h22

Pelo segundo dia seguido, uma distribuição de cestas básicas é interrompida por um tiroteio no Rio de Janeiro. Na tarde de hoje, moradores do Morro da Providência, comunidade da região central, viram-se em meio a um confronto, que terminou com um homem morto pela Polícia Militar.

Ontem, voluntários da Cidade de Deus tiveram que se proteger de tiros enquanto também entregavam alimentos em uma ação social, onde um jovem de 18 anos morreu.

O professor de Sociologia Pedro Guilherme Freire conta que hoje estava prevista a entrega de 50 cestas básicas em frente ao Colégio Estadual Reverendo Hugh Clarence Tucker, onde ele dá aula.

Quando se dirigia à escola, relatou que algumas viaturas da Polícia Militar chegaram. "Houve um primeiro disparo. Saíram das viaturas encapuzados, com fuzil para tudo quanto é lado. Era muita gente que estava lá para receber a cesta, inclusive crianças", disse ao UOL.

As cestas foram entregues por meio da campanha iniciada pelo Grêmio Estudantil e professores do colégio estadual em parceria com o Pré-Vestibular Machado de Assis, que fica na Providência. Porém, novos disparos foram registrados.

"Foi quando teve outro disparo e mataram um garoto. Aí começou uma gritaria imensa, outros tiros. A gente conseguiu ver lá de cima, dava para ver esse prédio onde famílias que foram despejadas da Providência, quando houve a construção do teleférico, estavam morando. Eu vi que jogaram o menino dentro da viatura, colocaram um lençol por cima", lembra.

O baleado foi Rodrigo Cerqueira da Conceição, de 19 anos, que seria trabalhador informal em uma barraca. Moradores tentaram impedir que os policiais militares colocassem o rapaz ferido na viatura, pois acreditavam que ele ainda estava vivo, mas foram impedidos.

A Polícia Militar apresenta uma versão diferente. Segundo a assessoria de imprensa, equipes da Unidade de Polícia Pacificadora Providência realizavam patrulhamento pela rua Rivadavia Correa, no Santo Cristo, e teriam sido atacadas a tiros por criminosos.

Ainda de acordo com a PM, houve confronto e um suspeito foi atingido, levado ao Hospital Municipal Souza Aguiar, onde não resistiu. Com ele, a Polícia Militar disse ter apreendido uma pistola calibre 9mm, um carregador municiado e drogas. A corporação ainda fala que precisou usar "armamento de menor potencial ofensivo" porque, durante o socorro, moradores teriam tentado investir contra os policiais.

Questionada se o rapaz morto teria algum antecedente criminal, a Polícia Militar respondeu que a identificação dele estava a cargo da Delegacia de Homicídio da Capital, que vai investigar o caso. A Polícia Civil não retornou o contato até o fechamento desta matéria.

Testemunhas contestam o fato que Rodrigo Cerqueira da Conceição teria envolvimento com crimes. O rapaz era aluno do colégio estadual, cuja comunidade escolar organizou a ação solidária. "Até onde eu sei, pelas informações que eu tenho, ele não tinha envolvimento, inclusive tinha um problema de visão. Os óculos dele são bem grossos, não enxergava direito, precisava sentar nas primeiras filas para enxergar o quadro e copiar a matéria. Era um garoto calmo, tranquilo, bom garoto, educado", contou um dos professores do jovem, bastante abalado com a notícia da morte.

Observatório de Segurança questiona ações policiais

Levantamento do Observatório de Segurança do Rio de Janeiro, divulgado na tarde de hoje, aponta que as ações policiais caíram no início das medidas restritivas contra a covid-19, mas "mas logo voltaram a adotar o foco em operações violentas e letais", diz o documento.

Segundo o Observatório de Segurança, o número de operações diminuiu em março (76,9% em relação a março de 2019), mas cresceu 28% em abril em relação ao mesmo período do ano passado, além um salto de 58% no número de mortes. Já em maio, até o dia 19, foram 16,7% mais vítimas fatais do que no mesmo período de 2019. Nos três meses de quarentena, foram 120 operações com 69 mortes contra 36 ações de combate ao coronavírus.

"Não é possível que as polícias não possam atuar sem causar tanta dor e morte. O governador Wilson Witzel é responsável pelo descontrole da polícia, que diariamente comete os erros e aumenta as tragédias. O que o governador está fazendo?", questiona o Observatório de Segurança Pública.

O governador também foi criticado por voluntários da Frente Cidade de Deus, que tiveram a distribuição de cestas interrompidas na quarta-feira. "Tentando fazer o que o Estado não faz, que é levar comida, levar aquilo que falta. O Estado só leva isso aqui: bala. A única coisa que a gente tem é bala dentro da favela", criticou um dos voluntários em um vídeo que circulou nas redes sociais.

Já o professor Pedro Guilherme Freire, que fez a ação social na Providência hoje, também lamentou. "Enquanto a comunidade escolar, o pré-vestibular estão fazendo uma ação solidária, a PM faz uma ação completamente absurda", criticou. A campanha da Providência já distribuiu 250 cestas desde o início da pandemia.