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Vídeo mostra moradora deixando criança só em elevador antes de queda em PE

Aliny Gama

Colaboração para o UOL, em Maceió

04/06/2020 19h57Atualizada em 05/06/2020 11h17

Os momentos que antecederam a morte do menino de cinco anos que caiu do 9º andar de um prédio na área central de Recife, na última terça-feira (2), foram gravados pelo sistema de câmeras da edificação e mostram que a patroa da mãe da criança apertou um botão do elevador em andar superior ao que morava e liberou a porta do equipamento com o menino sozinho dentro dele.

No momento da queda do filho, a empregada doméstica tinha saído com o cachorro dos patrões para passear na via pública próxima ao condomínio.

A empregadora Sarí Gaspar Corte Real, primeira-dama do município de Tamandaré, foi presa em flagrante por homicídio culposo (quando não há intenção de matar).

Durante as investigações, a polícia considerou que ela detinha a guarda temporária do menino enquanto a empregada saiu com o cachorro para passear. O delegado Ramon Teixeira, responsável pelas investigações, informou que o fator determinante para a prisão de Sarí foi o ato de ela deixar a criança sozinha no elevador e ainda apertar um dos botões no alto do painel.

Após prestar depoimento e pagar a fiança de R$ 20 mil, Sarí foi liberada para responder pelo crime em liberdade provisória. Na saída da delegacia até o carro, ela e o marido, Sérgio Hacker (PSB), prefeito do município de Tamandaré (PE), não quiseram falar com a imprensa.

A identidade da empregadora não foi divulgada pela Polícia Civil de Pernambuco, que alegou cumprir a Lei de Abuso de Autoridade, que impede agentes públicos de divulgar nomes e imagens de pessoas investigadas. Entretanto, na entrevista coletiva, o delegado Ramon Teixeira, responsável pelas investigações, afirmou que recebeu ordem da direção da Polícia Civil em não divulgar o nome da investigada e "se ater aos fatos da investigação."

Com a repercussão do caso, Sari Corte Real e Sérgio Hacker deletaram hoje os perfis que mantinham no Instagram e Facebook. Até a noite de ontem, segundo o apurado pela reportagem, os perfis estavam ativos com fotos do casal, festas da família e ações no município de Tamandaré, que fica no litoral sul de Pernambuco, a 104 km da capital.

O UOL tentou contato com Hacker, durante a manhã e tarde de hoje, por meio de sua assessoria de imprensa, com envio de mensagens e ligações pelo aplicativo WhatsApp, além de ligações telefônicas, mas até a publicação deste texto ninguém se posicionou sobre o assunto.

O secretário de meio ambiente de Tamandaré, Manuel Ircus, afirmou à reportagem, na manhã de hoje, que "está todo mundo em choque" sobre a morte do menino e que "só sei o que está se passando por meio da imprensa". "Não consegui contato com o prefeito ainda. Só o prefeito pode falar de assunto particular dele ou assessor de imprensa dele", disse Ircus.

Na tarde de ontem, o corpo do menino foi enterrado no cemitério do distrito de Bonança, no município de Moreno, na região metropolitana do Recife.

Cronologia

O garoto estava acompanhando a mãe ao trabalho porque a creche está com as atividades suspensas devido à pandemia do novo coronavírus. O menino morava na periferia de Recife, no bairro do Barro, com a mãe e a avó. O apartamento do prédio que empregada doméstica trabalha é considerado de alto padrão em Recife. O condomínio é chamado de "Torres Gêmeas", pois é composto por duas edificações de 41 andares, uma das mais altas da capital pernambucana.

Por volta das 13h, a empregada doméstica Mirtes Renata Souza foi mandada pela patroa Sarí Gaspar Corte Real para descer do prédio para passear com o cachorro da família. A doméstica saiu com o animal e deixou o filho e filha da patroa no apartamento, que estavam a empregadora e uma manicure.

Imagens do elevador de serviço mostram o menino às 13h07 entrando pela primeira vez no equipamento. Ele é repreendido e retirado por Sarí, mas retorna ao elevador às 13h10. A mulher gesticula dizendo não ao menino e demonstra sinais de irritação com ele ao colocar a mão na cintura. O menino se encosta em uma das paredes do elevador, depois volta para próximo do painel e aperta alguns botões. Sarí segura a porta do elevador e não retira a criança do equipamento. Depois, ela aperta em um botão superior, libera a porta e deixa a criança seguir sozinha no elevador à procura da mãe.

"Foi possível montar uma cadeia cronológica, que a criança tentou entrar uma vez no elevador, atrás da mãe, que a havia deixado sob a responsabilidade da moradora e foi retirada. A criança retornou ao elevador e, infelizmente, neste momento, identificamos um fator determinante: a moradora, possivelmente, cansada de tirar a criança, a gente não pode fazer juízo subjetivo, neste caso, observamos que ela [a empregadora] aperta em outro andar superior ao que residia e a criança acaba de forma inesperada a ficar só no elevador", descreve o delegado.

Duas luzes piscam no painel do elevador enquanto o menino está sozinho. A porta se abre em um andar, ele não sai, mas, depois ao abrir no 9º, a criança sai do elevador e abre a porta de serviço, que dá acesso ao local onde ficam os condensadores de aparelhos de ar-condicionado. Na área, há uma sacada, feita de grade de alumínio e sem tela, de onde dá para ver a rua.

"Então ela [a criança] sobe, para no primeiro andar e depois ao abrir a porta do nono ela desembarca. Ao descer do elevador, a câmera encerra com a abertura da porta de incêndio. E, na sequência, é possível observar, lamentavelmente, a queda. Tivemos informações que a criança ainda gritava pela mãe. Possivelmente teria visto a mãe na via pública, onde passeava com o cachorro, e lamentavelmente acabou por cair", destacou o delegado.

Segundo a perícia, o menino subiu em uma grade de guarda-corpo da sacada do prédio que não tinha tela e o peso dele quebrou uma das barras. O menino caiu de uma altura de 35 metros.

"A cena do fato até a queda foi possível atestar de forma contundente todas as repercussões físicas dos cálculos periciais, que nos assegurou, em termo de dinâmica, de forma acidental a queda. Num primeiro momento, chamou a atenção a filmagem da queda em si, tragicamente existia câmera no momento exato", relata Teixeira.

A mãe, ao chegar ao prédio depois de passear com o cachorro da patroa, se deparou com o filho caído no chão do térreo. O menino foi socorrido em carro particular e morreu a caminho do hospital da Restauração, no bairro do Derby, área central do Recife.

"A queda, categoricamente, se deu de forma acidental. Identificamos o comportamento negligente [da patroa] ao permitir por meio daquelas circunstâncias concretas que a criança seguisse sozinha no elevador. Inclusive a lei municipal proíbe o deslocamento de crianças com menos de dez anos desacompanhadas sozinhas no elevador. Aquele comportamento infeliz fatalmente permitiu a ocorrência do resultado claramente não desejado. Não houve qualquer identificação de dolo, uma vontade daquele trágico resultado, morte. Ele ocorreu em razão de culpa", diz o delegado, destacando o motivo de a primeira-dama de Tamandaré ter sido presa por homicídio culposo.

"A moradora tinha o dever e o poder de retirar a criança do elevador. A responsabilidade legal do agente garantidor que tem o poder e o dever de impedir eventual ocorrência de um resultado como o que aconteceu. Com aquele comportamento negligente, nós identificamos, ao apertar o botão e permitir o fechamento da porta do elevador, infelizmente, a catalisação da série eventos trágicos que adviria posteriormente, na sequência dos fatos. Isso nos permitiu atribuir, no mandamento legal, a titulo de culpa a moradora do edifício", explicou o delegado.

A Polícia Civil informou que tem o prazo de 30 dias para concluir do inquérito para ser remetido ao Ministério Público Estadual. Após receber o documento, o órgão analisará se denunciará o caso ou não à Justiça.

Durante a espera da liberação do corpo do menino no Instituto Médico Legal, em Recife, familiares da criança se revoltaram com a presença do prefeito de Tamandaré e da primeira-dama, que estiveram no local. O casal foi expulso do local.

Em entrevista às emissoras de televisão de Pernambuco, a empregada doméstica Mirtes Renata Souza criticou como o caso está sendo tratado pela polícia e pela imprensa local. Ela afirmou que se fosse ela a culpada por morte de algum filho dos patrões "meu rosto estaria estampado, como já vi vários casos na televisão".

"Meu nome estaria estampado e meu rosto estaria em todas as mídias. Mas o dela não pode estar na mídia, não pode ser divulgado", disse Mirtes Renata Souza, à TV Globo.

Mirtes e a mãe dela, Marta Santana, trabalhavam no apartamento do prefeito de Tamandaré cuidando dos afazeres domésticos e dos dois filhos do casal, de três e seis anos. A avó do menino era acionada pela família do prefeito quando todos iam para a casa deles em Tamandaré. "Dividíamos o serviço da casa e cuidando das crianças", conta. Elas informaram que estão sem condições de trabalhar e não sabem como ficarão depois da morte de Miguel.

Durante a pandemia, as duas viajaram para Tamandaré, onde o prefeito e a mulher resolveram se isolar, mas todos foram infectados pelo novo coronavírus, inclusive as empregadas. O prefeito Sérgio Hacker informou que testou positivo no dia 22 de abril.