Cuiabá: Polícia investiga se local onde garota morreu baleada foi alterado
A morte da adolescente Isabele Guimarães Ramos, 14, ocorrida em um condomínio de Cuiabá, ainda é cercada de mistério, faltando uma semana para encerrar o prazo normal das investigações feitas pela PJC-MT (Polícia Judiciária Civil do Mato Grosso).
Dois depoimentos que chamaram a atenção da investigação, segundo fontes do UOL, foram os do médico neurologista Wilson Guimarães Novais, acionado pela mãe da vítima, e de um enfermeiro socorrista do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), que não teve o nome divulgado. Eles levantam a possibilidade de o local ter sido modificando antes da chegada da polícia à mansão.
Isabele morreu atingida por um tiro na cabeça, deflagrado de uma das sete pistolas que foram apreendidas no imóvel do pai da menor suspeita de efetuar o disparo, em 12 de julho. Ela tinha ido à casa do empresário por ser amiga das filhas dele, com quem iria fazer um bolo. Uma das duas filhas dele é investigada por supostamente estar com duas pistolas no momento em que Isabele foi baleada. Ela morreu antes de a equipe do Samu chegar ao local.
O médico Wilson Guimarães Novais relatou à polícia que estranhou que o local onde o corpo de Isabele estava parecia ter sido limpo. "O ambiente estava muito limpo para uma situação tão grave, pois para o declarante [Wilson Guimarães Novais], que está habituado a receber pacientes com tiros no crânio, o ambiente era para estar com muito mais sangue, em função da pressão que as artérias, veias, jogam o sangue para fora. (...) O declarante informa que onde a vítima levou o tiro é uma região bastante vascularizada, isto é, um tiro na base do crânio, onde tem a presença de bastantes veias, artérias, provocaria um sangramento instantâneo e brutal, de grande monta", diz trecho do documento.
Novais afirmou que, ao chegar ao local do crime, havia outro médico, amigo do empresário, além da equipe do Samu e movimentação de outras pessoas, que haviam acionadas pelo empresário. Novais relatou ainda à polícia que pediu para a equipe do Samu levá-lo até onde Isabele estava, que ficou por cerca de um minuto no local, e viu que ela já havia morrido. O médico prestou depoimento no dia 31 de julho.
"Apenas a cabeça da vítima se encontrava dentro da área molhada do box do banheiro e o restante do corpo para fora; que o declarante não viu sangue ao redor do corpo de Isabele, apenas dentro do box; que este fato chamou atenção do declarante, pois sendo neurocirurgião, esperava-se que o projétil deveria ter provocado muito mais sangue disperso no ambiente", diz outro trecho do depoimento.
Novais também destacou à polícia que observou que a arma não estava no mesmo cômodo em que estava o corpo. Ao descer para o térreo da casa, disse aos tios, amigos e à mãe da menina: "algo muito estranho aconteceu aqui. A Isabele está morta por um tiro no crânio e não há arma no local do crime."
Após isso, Novais relatou que ocorreu uma discussão entre os familiares e amigos de Isabele com o pai da menor suspeita de efetuar o disparo, na parte externa do imóvel, ao questionarem onde estaria a arma. "[O empresário] era evasivo, não fornecia as respostas, mostrava-se bastante nervoso e agia com certa empáfia", completa outro trecho do depoimento.
O médico foi até o local após receber uma ligação telefônica da mãe de Isabele, Patrícia Hellen Guimarães Ramos, que estava em completo desespero ao saber da morte da filha. Novais foi sócio do pai de Isabele, o médico neurocirurgião Jony Soares Ramos, que morreu aos 49 anos, em 2018, em um acidente de moto na MT-251.
Outro depoimento que coloca em xeque a integridade da cena do crime foi dado por um enfermeiro do Samu. Ele afirmou que, ao entrar no imóvel, observou que a mãe da adolescente investigada estava recolhendo material de manutenção de armas de fogo de cima de uma mesa.
O enfermeiro relatou que informou que nada poderia ser mexido antes de a polícia chegar para não prejudicar a perícia. A equipe chegou ao local antes do que a polícia e constatou a morte de Isabele. Ele prestou depoimento no dia 30, quando outros três colegas do Samu foram à delegacia.
Além dos depoimentos citados, outro ponto de investigação é que as duas filhas do empresário que são gêmeas teriam tomado banho e trocado de roupas na casa de uma vizinha, logo após ter sido constatada a morte de Isabele. O UOL entrou em contato com o advogado Ulisses Rabaneda, contratado para fazer a defesa da família do empresário, ontem e hoje, mas ele não retornou às mensagens até a publicação deste texto.
Empresário disse que garota havia caído
Em um telefonema para o Samu, o pai da menina investigada afirmou que Isabele tinha levado uma queda e batido com a cabeça no chão do banheiro. Ainda na ligação telefônica, o empresário afirma que a adolescente está perdendo muito sangue, contrariando a cena que foi encontrada pelo médico Wilson Guimarães Novais.
"Oi, rápido, a menina caiu no banheiro. (...) Tem muito sangue, está perdendo muito sangue. (...) Ela caiu e bateu a cabeça, está perdendo muito sangue, perdeu dois litros de sangue. (...) É que ela está perdendo muito sangue, se não vier rápido não vai sobrar. Bel, eu acho que ela está sem respiração, rápido", disse.
Laudo preliminar da necropsia do corpo de Isabele, realizado pelo Instituto Médico Legal de Cuiabá, apontou que o tiro que atingiu a vítima foi disparado a curta distância. A bala entrou pela narina e saiu pela cabeça da adolescente. A causa da morte foi traumatismo crânio-encefálico.
A reportagem tentou contato com o advogado Hélio Nishiyama, contratado pela família de Isabele, mas ele está em viagem e não foi localizado.
Praticantes de tiro esportivo
O empresário, a mulher e os três filhos do casal praticam tiro esportivo. A polícia afirmou que sete armas de fogo foram encontradas e apreendidas na casa do empresário. A PJC-MT disse que do arsenal apreendido apenas uma arma está em situação regular.
A arma cujo disparo matou Isabele estava irregular na casa do empresário, como também uma segunda pistola, que estão registradas no nome de outra pessoa. Elas pertencem ao pai do namorado da adolescente investigada. O namorado da adolescente tem 16 anos. As famílias são praticantes de tiro esportivo.
O namorado da suspeita de efetuar o disparo e o pai dele, que não tiveram os nomes divulgados, prestaram depoimento à polícia no último dia 20. O empresário e a filha foram ouvidos pela polícia no dia 14. Os conteúdos dos depoimentos não foram divulgados pela polícia.
Investigações em sigilo
A polícia informou que o caso "requer sigilo" nas investigações para "não causar prejuízo aos trabalhos desenvolvidos" e não informou quantos depoimentos já foram colhidos e se haverá necessidade de prorrogar o prazo para conclusão do inquérito, que se encerra na próxima terça-feira (11).
"A Polícia Judiciária Civil do Mato Grosso reitera que está se empenhando e utilizando todos os recursos investigativos e técnicos existentes para esclarecer o crime que chocou a sociedade mato-grossense e todo o Brasil", destacou.
A investigação da morte de Isabele ocorre em conjunto entre a DEA (Delegacia Especializada do Adolescente) e a Deddica (Delegacia dos Direitos da Criança e do Adolescente de Cuiabá). A PJC-MT disse em nota enviada ao UOL que "todas as circunstâncias que envolvem o crime são objeto de apuração." "Estão sendo ouvidas em depoimentos dezenas de testemunhas e pessoas que direta ou indiretamente tiveram ou venham a ter relevância investigativa", diz a nota, sem especificar quantos depoimentos já foram colhidos até hoje.
A PJC-MT destacou que ainda no dia 12 de julho, logo após a morte de Isabele, foram realizadas as primeiras diligências investigativas, destacando que peritos estiveram no local. "Após as análises iniciais, foram realizadas buscas e apreensões, com autorização judicial, a fim de localizar, apreender e preservar elementos probatórios diversos. Todos os materiais que possam ter vinculação com o delito (áudios, imagens de circuitos internos e externos, celulares, armas) passam por perícia e análise", completou o texto.
O empresário foi preso em flagrante e indiciado pelos crimes de porte e posse ilegal de arma de fogo, além de fornecimento de arma a menor de 18 anos. Ele pagou R$ 1 mil de fiança para responder na Justiça pelo crime em liberdade provisória. Depois, o valor da fiança mudou três vezes - majorou para R$ 209 mil, depois minorou para 10 mil e, a última decisão judicial, elevou o valor a ser pago para R$ 52,2 mil.
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