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"Para a polícia, todo mundo é traficante", diz mãe de jovem morto pela PM

Caio Gabriel Vieira da Silva foi morto em uma ação da PM no Morro dos Macacos - Arquivo pessoal
Caio Gabriel Vieira da Silva foi morto em uma ação da PM no Morro dos Macacos Imagem: Arquivo pessoal

Pauline Almeida

Colaboração para o UOL no Rio

16/08/2020 14h54

Moradores do Morro dos Macacos, em Vila Isabel, zona norte do Rio, classificaram como violenta uma ação de policiais militares, na madrugada de ontem, que terminou com dois homens mortos durante a disputa de um torneio de futebol no local.

A família de um deles, identificado como Caio Gabriel Vieira da Silva, 20, acusa a PM de execução e de mentir que o jovem era traficante.

"Para a polícia, todo mundo é traficante. Mora na comunidade, é bandido, é traficante. Isso aí ele nunca foi. Ele foi alvejado pelas costas", afirmou a mãe de Caio, Aline Vieira Pimentel, auxiliar de serviços gerais, em entrevista ao portal UOL na manhã de hoje.

Segundo a polícia, Caio e o outro homem morto eram criminosos e com eles foram encontradas drogas e uma arma (leia mais abaixo).

Para a mãe de Caio, a versão da Polícia Militar é uma mentira. Segundo ela, o rapaz era bastante conhecido no Morro dos Macacos, onde morava com mais seis pessoas da família.

Atualmente, segundo Aline, ele estava no período de experiência em uma lanchonete, fazia 'bicos' em um bar da Tijuca e seria pai pela primeira vez daqui a quatro meses.

No fim de semana passado, ele já havia sido alvo de uma abordagem quando voltava de uma festa e chegou a ser encaminhado à Cidade da Polícia, segundo a família, sendo liberado em seguida.

"Eles botaram na rede social que meu filho é bandido. [...] Se tivesse alguma coisa contra ele, não tinha sido liberado", defendeu.

Após saberem da morte, parentes foram até o local do tiroteio e encontraram a camiseta usada por Caio toda ensanguentada.

Regata que pertencia a Caio - Reprodução/Twitter/Joel Luiz Costa - Reprodução/Twitter/Joel Luiz Costa
Regata que pertencia a Caio
Imagem: Reprodução/Twitter/Joel Luiz Costa

Testemunhas contaram à família que os policiais teriam retirado a regata antes de levar o jovem, ainda vivo, para o hospital.

O sepultamento está marcado para amanhã (17), às 10h, no Cemitério de Inhaúma.

Como foi a ação

O tiroteio aconteceu em meio a uma disputa de futebol na quadra do Centro Integrado de Educação Pública, conhecido como Brizolão, perto de um ponto de comércio de drogas.

Moradora do Morro dos Macacos há 39 anos, Aline contou que estava em casa, ouviu tudo, mas não imaginou que o filho Caio, que havia saído para tomar uma cerveja e acompanhar os jogos, seria ferido. Durante a manhã, veio a informação da morte.

"Jogaram bomba, muito tiro. O pessoal queria acudir meu filho e [os policiais militares] não deixaram. Ameaçaram as pessoas que queriam socorrer, xingaram. Tinha criança no torneio perdida, gritando. Jamais pensei que era meu filho porque essa não é a primeira vez que isso acontece na comunidade, só que dessa vez veio essa fatalidade com a gente", contou.

Um jovem que estava no local e preferiu não se identificar contou que os policiais militares chegaram atirando e lançando bombas de gás. "Estava rolando o torneio sub-18 [menores de 18 anos]. Várias crianças no local. Muita covardia", relatou.

Vídeos divulgados nas redes sociais mostram o pânico das pessoas ao fugir. Em um deles, várias pessoas correm enquanto mais de dez tiros são ouvidos.

Em outro, quem faz a gravação narra que os policiais usam touca-ninja e explodem bombas enquanto jovens tentam se proteger.

PM nega operação

Se o torneio de futebol contraria as recomendações de isolamento social como prevenção da covid-19, os moradores pedem explicações sobre a ação da PM, já que o Supremo Tribunal Federal proibiu operações policiais nas comunidades do Rio durante a pandemia.

"Não tem como na favela as pessoas acharem que o vírus é o maior risco. A polícia sempre esteve evidentemente matando. No Brasil de 100 mil mortos pela Covid-19 e a polícia continua executando preto, pobre e favelado. Se não morre pelo vírus, morre por bala!", publicou um morador da comunidade em uma rede social.

A Polícia Militar argumenta que não houve operação, mas um confronto. Em nota, informou que precisou reforçar o patrulhamento na rua Armando de Albuquerque após receber a denúncia de que haveria um ataque à base da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), o que aconteceu por volta das 3h.

Segundo a corporação, vários tiros foram disparados contra a UPP e houve revide. Depois disso, dois homens identificados como Cascão, que seria Caio Gabriel Vieira da Silva, e Jacaré foram encontrados caídos no chão. Levados ao Hospital Federal do Andaraí, eles não resistiram.

A Polícia Militar divulgou que, com os dois, foram apreendidos um rádio transmissor, dez frascos de loló, cinco sacolés (pacotes) de maconha, 112 pinos de cocaína, R$ 32 em dinheiro e uma pistola Glock calibre 9 mm.

Em uma página na rede social, a UPP ainda publicou que eles seriam o "gerente" e o "segurança" do tráfico local, monitorados pelo Núcleo de Inteligência.

Questionada pela reportagem sobre antecedentes dos mortos, a corporação não respondeu, limitando-se ao envio da nota sobre a ocorrência.

A ocorrência inicialmente foi encaminhada à Delegacia de Vila Isabel, mas a Polícia Civil não havia se manifestado até o fechamento desta matéria.