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RJ: como guerra na Rocinha de 2017 refletiu em conflito recente do tráfico

27.ago.2020 - Criminoso em fuga faz família refém após invasão do Complexo do São Carlos - CARLOS SANTTOS/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
27.ago.2020 - Criminoso em fuga faz família refém após invasão do Complexo do São Carlos Imagem: CARLOS SANTTOS/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Herculano Barreto Filho e Igor Mello

Do UOL, no Rio

01/09/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Aliados do tráfico na Rocinha se dividiram após mudança de facção
  • Traficante deixou o São Carlos e arquitetou plano de invasão do complexo, diz polícia
  • Três pessoas morreram e seis foram baleadas em conflitos na semana passada

O confronto entre facções rivais que levou pânico a moradores da região central do Rio na semana passada está relacionado à guerra pelo controle do tráfico na favela da Rocinha, segundo afirmam investigadores da Polícia Civil. A disputa pela comunidade da zona sul do Rio em 2017 deixou ao menos 20 mortos e motivou até mobilização do Exército. Desde então, os grupos envolvidos nesse conflito se enfrentam em outras comunidades.

A tomada da Rocinha pelo CV (Comando Vermelho) deu início a trocas de facções em outras comunidades até então ligadas ao tráfico dessa favela e a disputas por território, tendo como antagonistas integrantes do TCP (Terceiro Comando Puro). O termo guerra foi usado na própria sentença da condenação dos traficantes responsáveis pelos conflitos de setembro de 2017 na Rocinha.

Em agosto de 2017, um racha no tráfico local levou a Rocinha a semanas de tiroteios. Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, foi o pivô do conflito. Até então era braço direito de Antonio Francisco Bonfim Lopes, o Nem da Rocinha, principal líder da facção ADA (Amigos dos Amigos).

Rogério 157 cooptou parte dos traficantes da favela e migrou para o CV, assumindo o controle de parte da Rocinha. Com a perda do território, a facção ADA se associou ao TCP para revidar a ação do CV.

Proibidões retratam tomada de territórios

Mesmo preso desde 2011, Nem patrocinou uma guerra pela retomada da Rocinha com o apoio de traficantes do Complexo do São Carlos (dominado pelo TCP), mas acabou derrotado. A mudança de comando no tráfico de uma das mais rentáveis favelas cariocas provocou uma série de outros conflitos nos últimos anos.

Foi o caso do Complexo do São Carlos, no Estácio, região central da capital fluminense, alvo dos ataques que começaram na última quarta-feira (26), deixando ao menos três pessoas mortas, seis baleadas e 16 suspeitos presos.

A tentativa de invasão deu origem até a um proibidão, como são conhecidos os funks de apologia ao tráfico. Nas redes sociais, um MC ainda fez ameaças a traficantes rivais em outras três favelas: Cidade Alta, Vigário Geral e Parada de Lucas, na zona norte do Rio.

Em meio à onda de violência no São Carlos, uma mulher foi morta ao ser atingida por tiros de fuzil e usar o corpo para proteger o filho de 3 anos. Entre a madrugada e a tarde de quinta-feira, os traficantes invadiram dois imóveis e fizeram moradores reféns para negociar a própria rendição.

O traficante Alex Marques de Melo, conhecido como Leo Serrote e apontado pelas investigações como um dos responsáveis pela tentativa de invasão, aparece em um dos vídeos produzidos pelos criminosos com uma arma apontada para as costas de uma refém.

Segundo a Polícia Civil, Leo Serrote começou a atuar no tráfico do Complexo do São Carlos, que assim como a Rocinha, já foi dominado pela facção ADA. Os criminosos da área continuaram ligados a Nem da Rocinha. Em novembro de 2017, após a tomada da Rocinha pelo CV, a maior parte das lideranças do São Carlos migrou para o TCP.

A mudança não foi aceita contudo por todos os membros da quadrilha, fazendo com que traficantes de lá se associassem a Rogério 157 e buscassem refúgio no morro do Fallet-Fogueteiro, área do Comando Vermelho, que é próxima do São Carlos.

Entre eles, estava Leo Serrote, que se beneficiou do conhecimento do território para orquestrar uma tentativa de invasão no São Carlos, planejada há cerca de um ano.

Essa disputa por poder começou em 2017, quando houve a guerra da Rocinha. Em busca de prestígio, o Leo Serrote deixou o São Carlos e mudou de facção. Como conhece a área, tomou a frente dessa invasão, que contou com o apoio de traficantes de outras comunidades do Rio

Gustavo Castro, delegado da Dcod (Delegacia de Combate às Drogas)

Fontes ligadas à Polícia Civil investigam um possível envolvimento do próprio Rogério 157, que se encontra preso.

Ainda de acordo com investigações, a ação também contou com a participação dos mesmos traficantes envolvidos nos dois dias de conflitos nos morros do Fallet-Fogueteiro, Coroa e Prazeres, também na região central, em fevereiro de 2019.

Uma tentativa de invasão do CV ao Morro da Coroa —assim como o Complexo de São Carlos, também dominado pelo TCP— terminou com uma ação da Polícia Militar que deixou 15 mortos. A chacina do Fallet foi apontada como a ação mais violenta da polícia na última década no Rio, segundo levantamento obtido pelo UOL por meio da Lei de Acesso à Informação.

O caso chegou a ser investigado pela Divisão de Homicídios, com base em denúncias de moradores sobre a ação —segundo eles, ao menos nove das vítimas, que estavam em uma casa em um dos acessos às comunidades, teriam sido mortas pelos policiais mesmo após se renderem.

Entretanto, o caso foi arquivado em novembro de 2019 sem qualquer responsabilização dos policiais envolvidos nas mortes.

6.dez.2017 - O traficante Rogério 157 após ser detido em comunidade do Rio - Andre Melo/Estadão Conteúdo - Andre Melo/Estadão Conteúdo
6.dez.2017 - O traficante Rogério 157 após ser detido em comunidade do Rio
Imagem: Andre Melo/Estadão Conteúdo

Como foi a guerra da Rocinha

Em abril, Nem da Rocinha e Rogério 157 foram condenados a penas de 15 anos e 37 anos e seis meses de prisão, respectivamente, pela guerra da Rocinha. De acordo com a sentença, o desentendimento entre eles começou por divergências entre os valores oriundos do tráfico que deveriam ser repassados a Nem, que estava preso desde 2011.

Apontado como o braço direito de Nem na favela, Rogério 157 assumiu o controle do tráfico após a sua prisão.

Em seguida, três assassinatos de pessoas ligadas a Nem e a expulsão de outras pessoas da favela fizeram com que ele ordenasse uma invasão da Rocinha, mesmo atrás das grades, para tirar Rogério 157 de lá. O rival se opôs a Nem e se aliou ao Comando Vermelho, dando início a um conflito na comunidade.

Em sua defesa, Nem negou envolvimento no caso, alegando que havia mais de 11 dias que não recebia visita no presídio na época dos fatos. No entanto, a juíza da 19ª Vara Criminal, Tula Corrêa de Mello, decidiu pela condenação.

Quanto a Rogério 157, a juíza afirmou que o traficante "exercia a função de destaque no grupo criminoso destinado à exploração do tráfico de drogas na comunidade da Rocinha".