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PM preso por morte de adolescente diz à Justiça que não percebeu que atirou

Grafite em homenagem ao adolescente Rogério Ferreira da Silva Júnior, morto aos 19 anos pela PM - Marcelo Oliveira/UOL
Grafite em homenagem ao adolescente Rogério Ferreira da Silva Júnior, morto aos 19 anos pela PM Imagem: Marcelo Oliveira/UOL

Marcelo Oliveira

Do UOL, em São Paulo

08/09/2020 18h36Atualizada em 08/09/2020 21h02

Resumo da notícia

  • Defesa do soldado da PM Guilherme Giacomelli, 22, disse que o policial não percebeu que havia atirado em Rogério Ferreira, 19
  • Segundo juiz, os PMs Guilherme e Branco mentiram ao dizer à central da PM que caso havia sido acidente de trânsito
  • Comunicação de acidente pode ter atrasado socorro e contribuído para a morte, diz a decisão judicial
  • Segundo a mãe de Rogério, e testemunhas, jovem foi socorrido por vizinhos mais de 30 minutos depois de baleado

A defesa do soldado da PM, Guilherme Tadeu Figueiredo Giacomelli, 22, preso preventivamente por ordem da Justiça Militar pela morte do adolescente negro Rogério Ferreira da Silva Júnior, de 19 anos, disse que o policial não percebeu que havia atirado contra o adolescente, morto no último dia 9 de agosto, data em que completava 19 anos.

"Guilherme já falou (...) não ter percebido o disparo", disse o advogado do soldado Guilherme, Charles dos Santos Cabral Rocha, na audiência de custódia em que os PMs foram apresentados ao juiz e na qual foi decidida a manutenção da prisão de ambos, no último dia 4. "O meu cliente jamais escondeu o fato de inicialmente não ter verificado o disparo da arma de fogo", insistiu o advogado ao juiz.

As prisões do soldado Guilherme e do soldado Renan Conceição Fernandes Branco, 34, foram decretadas no dia 3 pelo juiz militar Ronaldo João Roth, a pedido do 46º Batalhão da PM, onde ambos trabalhavam e onde tramita o inquérito policial militar, que investiga o caso, também apurado pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa).

Para os investigadores do Batalhão, o soldado Guilherme, que era recruta e estava há 6 meses no policiamento de rua, e o soldado Branco, encarregado da ocorrência em que Rogério for morto, mentiram ao Copom ao descrever o caso como um acidente de trânsito e também ao dizer depois ao DHPP e no IPM que o jovem havia feito menção que atiraria contra os policiais.

A mãe da vítima, a cabeleireira Roseane da Silva Ribeiro, 44, espera que os PMs continuem presos. "Em nome de Jesus eles vão ficar presos até o julgamento", disse. "Eu acho que a mobilização social ajudou muito nas prisões", acrescentou. A morte causou indignação e protestos de moradores.

Para juiz, PMs mentiram sobre o caso

Na decisão de prisão preventiva, o juiz afirma que os PMs "alvejaram um civil desarmado e manobraram a ocorrência omitindo fatos e mentindo sobre a sua natureza".

Para o juiz, a versão falsa fez com o que os bombeiros não mobilizassem o socorro correto para a vítima, "[uma] vez que o COPOM [central da polícia] ao receber notícia de que tratava-se de queda de motocicleta não pode dar o encaminhamento adequado ao Corpo de Bombeiros, com o tipo de socorro que o civil necessitava", decidiu.

Ainda segundo Roth, "a conduta dos investigados serve à tropa como estímulo à ação fraudulenta em ocorrências de morte em decorrência de intervenção policial, portanto, ferindo os princípios de hierarquia e disciplina militares". A quebra de hierarquia foi um dos três motivos que levaram o juiz a decretar a prisão dos PMs.

O Ministério Público Estadual concordou com a prisão preventiva e pediu a remessa de cópia do processo militar à 5ª Vara do Tribunal do Júri, na qual tramita o inquérito do DHPP sobre o homicídio de Rogério, ainda não relatado, segundo o MP estadual.

Jovem usa camiseta em homenagem a Rogério Ferreira da Silva Júnior, 19, morto por PM - Marcelo Oliveira/UOL - Marcelo Oliveira/UOL
Jovem usa camiseta em homenagem a Rogério Ferreira da Silva Júnior, 19, morto por PM
Imagem: Marcelo Oliveira/UOL

O juiz manteve a prisão preventiva e determinou a remessa dos autos para o 46º BPM, para a conclusão do inquérito policial militar em 20 dias. De acordo com ele, somente após a conclusão do IPM é possível decidir se o caso deve ir para o Tribunal do Júri (justiça comum).

Ao decretar as prisões, o juiz Roth, um ex-PM, que trabalhou na Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar), menciona a demora no socorro e que o atraso dos policiais em informar que havia ocorrido o disparo "pode ter contribuído para a morte da vítima".

Segundo o juiz Roth, o soldado Branco contribuiu para o desfecho pois era o encarregado pela dupla de soldados da Rocam (Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas) e "nada fez para corrigir a atuação de [soldado] Guilherme" e por isso também decretou sua prisão.

Defesas pediram revogação da prisão

A defesa do soldado Branco, que na audiência foi representada pelo advogado Victor Lion Brown Monteiro de Almeida, pediu a revogação da preventiva, bem como a defesa do soldado Guilherme. Ambas as defesas afirmam que o caso é do Tribunal do Júri.

A defesa de Branco alega que, pela tese da acusação, o policial seria apenas coautor de fraude processual e que o crime tem pena baixa e não caberia prisão preventiva.

A defesa de ambos os soldados afirma que os dois têm colaborado com as investigações e que não intimidaram testemunhas.

A defesa de Guilherme nega que o soldado tenha tentado manipular o registro da ocorrência na central da PM e que ele avisou superiores diretamente assim que percebeu que o rapaz estava baleado. A defesa afirma ainda que a comunicação por rádio estava ruim.

O juiz negou todos os pedidos ao final da audiência de custódia.

Morto no dia do aniversário

A mãe de Rogério, Roseane (ao centro), se emociona durante homenagem ao filho, no Parque Bristol, zona de sul de São Paulo - Marcelo Oliveira/UOL - Marcelo Oliveira/UOL
A mãe de Rogério, Roseane (ao centro), se emociona durante homenagem ao filho, no Parque Bristol
Imagem: Marcelo Oliveira/UOL

Rogério foi morto em 9 de agosto deste ano, dia em que completava 19 anos, na avenida dos Pedrosos, atrás do CEU Parque Bristol, em São Paulo. Segundo Roseane, o filho era cabeleireiro formado e vinha trabalhando ultimamente como ajudante de logística. Sua diversão era andar de moto com os amigos e fazer manobras radicais com elas. A diversão é conhecida como bololô e é reprimida pela PM.

A mãe contou ao UOL que, no dia do aniversário, ela o acordou de surpresa e mostrou que havia comprado um bolo para ele. Disse que à noite todos comemorariam juntos depois que ela fizesse o cabelo de uma cliente. "Guardei o bolo e fui me arrumar. Dez, 15 minutos depois, chegou um vizinho avisando que tinham atirado nele. O bairro inteiro já estava lá."

"Os PMs não deixaram socorrer o Rogério. Ele morreu diante dos meus olhos e sem socorro. Os PMs só deixaram levá-lo depois que ele tinha morrido", contou Roseane.

Foram a falta de placa na moto e de uso de capacete que chamaram a atenção dos PMs, que ao vê-lo, aceleraram. O soldado Guilherme atirou nas costas de Rogério, que parou a moto e caiu em seguida. "Ele estava sem capacete e a moto sem placa, mas nada justifica o crime desses PMs", disse Roseane.