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Manifestantes invadem Carrefour em SP durante protesto contra morte no RS

Anahi Martinho e Gilvan Marques

Colaboração para o UOL, em São Paulo, e do UOL, em São Paulo

20/11/2020 18h55

Manifestantes invadiram a loja do Carrefour, localizada dentro de um shopping na Rua Pamplona, em São Paulo, durante protesto contra a morte de João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, um homem negro que foi espancado na noite de ontem em uma unidade do Carrefour em Porto Alegre. Dois seguranças brancos do Carrefour tiveram a prisão preventiva decretada na tarde de hoje pela morte de João Alberto.

A 17ª marcha do Movimento Negro Unificado, que já ocorreria por conta da data em que se comemora o dia de Zumbi, teve seu trajeto alterado. Em vez de ir ao Teatro Municipal como de costume, a marcha se dirigiu à unidade do Carrefour, que fica próxima à Avenida Paulista.

Um grupo de manifestantes depredou a fachada do shopping e quebrou vidraças da loja e da escada rolante. Sob ordens de "não é para saquear", eles entraram no supermercado, que estava fechado com portão de ferro, e jogaram pedras e potes de tinta dentro e fora da loja. Algumas pedras chegaram a atingir o terceiro andar do centro de compras.

Um princípio de incêndio também foi rapidamente controlado pela Brigada de Incêndio. Clientes que estavam no local ficaram assustados. Ninguém se machucou no episódio.

"O que eles fazem com a gente é muito pior", dizia uma manifestante enquanto quebrava um painel de acrílico dentro do supermercado.

A polícia fechou o trecho da rua para que frequentadores do shopping pudessem ir embora.

Manifestantes que protestavam contra a morte de João Alberto depredaram loja do Carrefour em SP - Anahí Martinho/Colaboração para o UOL - Anahí Martinho/Colaboração para o UOL
Manifestantes que protestavam contra a morte de João Alberto depredaram loja do Carrefour em SP
Imagem: Anahí Martinho/Colaboração para o UOL

A manifestação começou de forma pacífica. As pessoas gritavam palavras como "justiça" e "racistas" ao longo de toda a caminhada.

Depois da depredação, uma mulher que está com crachá do Carrefour aparece em vídeo que circula nas redes sociais tentando apagar o princípio de incêndio na loja, e em tom de revolta diz: "Isso resolve, cara? Onde isso resolve?!"

Revolução será negra

Participaram do protesto várias entidades ligadas ao CONEN (Coordenação Nacional de Entidades Negras do Brasil). A manifestação já estava marcada pelo Movimento Negro Unificado.

A marcha começou por volta das 17h no MASP, reunindo membros de movimentos sociais e lideranças políticas. Segundo a militante Luka Franca, do Movimento Negro Unificado, o trajeto da marcha foi alterado para contemplar a pauta de João Alberto.

"O MNU existe há 42 anos e surgiu falando que para lutar contra a ditadura e ter democracia era preciso acabar com o racismo. A manifestação já estava marcada e nesse ínterim tivemos o assassinato do Beto no Carrefour. A gente não tem descanso, é essa a sensação", disse Luka.

Douglas Belchior, líder do movimento negro e professor da UNEAFRO, afirmou encarar o assassinato de João Alberto como uma "senha" para o povo negro brasileiro. Ele comentou a declaração do vice-presidente Hamilton Mourão de que "não existe racismo no Brasil" e afirmou que a morte de João Alberto soou como um recado da sociedade racista.

"O destino reservou o ano de 2020 para uma virada na história do Brasil. Nós vivemos uma semana importante de avanços institucionais, em que a gente colocou representantes do movimento negro em muitos parlamentos no país, e a resposta que temos é o assassinato brutal de mais um homem negro", disse Belchior.

"É como se quisessem nos mandar o seguinte recado: 'este avanço não será tolerado'. Para mim isso é uma senha de que nós temos que avançar para além da ação política, para além do diálogo, para além da ocupação de espaços institucionais. É preciso radicalizar. Não é mais possível reagir só com palavras, com notas de repúdio. Precisamos reagir com uma força proporcional às mãos racistas que nos assassinam todos os dias", disse Belchior ao UOL.

Durante a marcha, foram lembrados os nomes de pessoas negras mortas violentamente, como Marielle Franco, João Vitor, Miguel, Agatha Felix, Luana Barbosa, Amarildo, os nove de Paraisópolis e até o norte-americano George Floyd, que virou símbolo de resistência do movimento negro.

A vereadora eleita Erika Hilton (PSOL) participou da manifestação e cumprimentou apoiadores. "O que ocorreu com João Alberto é o que ocorre com jovens negros a cada 23 minutos num país que mantém viva essa herança escravagista de colocar o corpo negro como um corpo abjeto, menos humano. Os nossos corpos são sentenciados ao saco preto, pra debaixo da vala. O que aconteceu no Carrefour em Porto Alegre é reflexo dessa herança maldita. É mais um ato triste e covarde de demonstração do racismo estrutural e institucional da nossa sociedade", disse Erika ao UOL.

A vereadora eleita Luana Alves (PSOL) também discursou no carro de som e relembrou Marielle, além dos homenageados da data, Dandara e Zumbi dos Palmares. "Existe um plano de extermínio contra nós", declarou Luana, sob fortes aplausos da plateia. "O povo negro vai liderar o movimento de revolução no Brasil".

A advogada Ana Lucia Santos, da Frente Negra Gaúcha e do Instituto da Advocacia Negra Brasileira, estava em São Paulo para uma reunião e participou da manifestação, sendo ovacionada no carro de som. "O Rio Grande do Sul é o segundo estado mais racista do Brasil, só perde para Santa Catarina. A tristeza é ainda maior porque foi na véspera do 20 de novembro. Porto Alegre amanheceu triste", declarou.

A marcha foi marcada por palavras de ordem de "justiça", "vidas negras importam" e "racistas não passarão".

A morte de João Alberto

João Alberto Silveira Freitas morreu após ser agredido por dois seguranças —um deles PM temporário, fora de serviço- no supermercado Carrefour, na zona norte de Porto Alegre, na véspera do Dia da Consciência Negra. Os agressores foram presos, suspeitos de homicídio doloso.

A vítima teria discutido com a caixa do estabelecimento e foi conduzida pelos segurança da loja até o estacionamento, no andar inferior. Durante o percurso, acompanhado por uma funcionária do Carrefour, Freitas desferiu um soco contra o PM, segundo afirmou a ela em depoimento à polícia.

Vídeos que mostram o espancamento e a tentativa de socorristas de salvar o homem circulam nas redes sociais desde a noite de ontem. As imagens mostram Freitas recebendo de um dos homens vários socos na região do rosto, enquanto o outro tenta segurá-lo. Uma mulher que estava usando proteção facial é vista perto deles, assistindo às agressões. Funcionários do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) chegaram a se deslocar até o local, fizeram massagem cardíaca, mas ele acabou não resistindo. O laudo pericial deverá apontar a causa da morte de Freitas.

O episódio gerou comoção e revolta nas redes sociais. Muitos internautas lembraram que o caso ocorreu à véspera do Dia da Consciência Negra, celebrado nesta sexta-feira.

Freitas era participante de uma torcida organizada de futebol em Porto Alegre, do clube São José, e foi homenageado com posts com mensagens como "vidas negras importam" e a convocação de um protesto para hoje.

Delegada cita asfixia como provável causa da morte

A delegada Roberta Bertoldo, responsável pela investigação da morte de João Alberto Silveira Freitas, afirmou que a provável causa da morte da vítima é asfixia.

"Se supõe que ele tenha sido asfixiado, ou seja, não conseguia respirar bem naquele momento e, por isso, entrou em óbito", relatou. Conforme o Instituto Geral de Perícias (IGP), a previsão é de que o laudo pericial, que confirmará a causa da morte, seja divulgado ainda nesta sexta-feira.

A investigação foi iniciada já durante a madrugada, pelo delegado plantonista Leandro Bodoia, que foi ao local fazer o atendimento. De manhã, a 2ª DHPP (Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa), da qual a delegada Bertoldo é titular, assumiu o caso. Dois homens, ambos brancos, foram presos: um segurança do local e um policial militar temporário.

O foco, neste momento, é na coleta das imagens do local, que serão analisadas, e na verificação da presença de testemunhas que possam prestar depoimento.

Não há previsão de quanto tempo levará para a conclusão da investigação, mas Bertoldo considera que o caso não é complexo, uma vez que a autoria já está definida e duas pessoas já foram presas em flagrante. A delegada, contudo, não descarta que mais pessoas sejam responsabilizadas pelo crime.