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MPF processa radialistas por chamarem índios venezuelanos de vagabundos

Sede do grupo Marajoara, em Belém - Reprodução/Google Maps
Sede do grupo Marajoara, em Belém Imagem: Reprodução/Google Maps

Aliny Gama

Colaboração para o UOL, em Maceió

23/12/2020 17h30

O grupo de comunicação Marajoara, detentor da rádio Mix FM Belém, localizada em Belém (PA), além de dois radialistas da emissora, estão sendo processados pelo MPF (Ministério Público Federal) em uma ACP (Ação Civil Pública) que denunciou o grupo pelos crimes de veiculação de discurso de ódio, preconceito, discriminação e xenofobia contra os indígenas da etnia Warao, originários da Venezuela, que estão buscando refúgio no Brasil após crise instalada naquele país.

Segundo a denúncia do MPF, os radialistas Raimundo Nonato da Silva Pereira e Hailton Pantoja Ferreira, conhecido como Jimmy Night, chamaram os índios venezuelanos de "vagabundos", entre outras palavras de ofensa e preconceituosas veiculadas em um programa da rádio que foi veiculado em agosto de 2018.

O MPF pediu à Justiça que seja ordenada a veiculação na rádio conteúdos propostos pelos próprios índios Warao, por pelo menos o período de um ano, além do pagamento de R$ 300 mil em indenização por danos morais coletivos aos indígenas. A ação pede que a indenização seja paga pelas rádios e pelos dois radialistas envolvidos no caso.

O procurador da República Felipe de Moura Palha, autor da ação, destaca que o conteúdo da discussão entre os dois radialistas extrapolou o direito à liberdade de expressão e recaiu no discurso de ódio, discriminatório e xenofóbico, "sendo uma verdadeira incitação ao ódio e à violência contra o grupo indígena".

Na ação, Palha reforça ainda o agravante de o discurso ter sido proferido por meio de uma emissora de rádio, que tem concessão pública, e que, para ele, deveria ser usada para divulgação de respeito às especificidades da cultura indígena.

"Esse tipo de discurso não se restringe apenas nas palavras proferidas contra os indígenas, mas avança para o plano concreto podendo produzir efeitos nas atitudes da própria população quando tem contato com os indígenas nas ruas", ressalta o procurador da República.

"Se a pessoa [que absorveu tal discurso] já vai com o pensamento de que aquele migrante/refugiado é 'vagabundo' [como fora afirmado pelo radialista Nonato Pereira]. Isso se torna um potencial vetor para a prática de violência física e moral contra o referido povo", alerta Palha, na ação judicial.

O MPF avaliou que o conteúdo da mensagem veiculada pela rádio Mix FM violou uma série de normas internacionais das quais o Brasil é signatário, da Constituição, além de normas internas de defesa de direitos dos migrantes e dos povos indígenas. O órgão ainda citou o artigo 5º da Constituição, o Estatuto da Igualdade Racial, a Convenção Internacional para a Erradicação de Todas as Formas de Discriminação Racial, entre outras normas.

"A discriminação racial viola o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como os direitos à vida, à liberdade e à igualdade", frisou o procurador da República Felipe de Moura Palha. "A naturalização de ideias preconceituosas ou atos discriminatórios constitui terreno fértil para sua reprodução simbólica, levando à disseminação e/ou perpetuação destes mesmos atos e ideias em nosso meio social", voltou a alertar.

A ação solicita ainda que comunicados de rádio (spots) sejam financiados pelos acusados, e que sejam exibidos no mesmo programa em que o discurso criminoso ocorreu e em todos os horários de maior audiência da rádio.

"Os spots devem contar material que apresente e valorize a cultura e a história do povo indígena Warao, e informações verdadeiras sobre sua condição migratória e de vida no Brasil e na Venezuela", explica o MPF.

Sobre a indenização por danos morais coletivos aos Warao, o MPF pediu que o valor seja revertido em projetos de acolhimento humanitário em Belém, que deverão ser elaborados com a participação direta dos próprios indígenas. Para isto, o MPF explica que haverá consulta prévia livre e informada aos Warao para que eles possam ter acesso à construção dos projetos.

O UOL tentou localizar os radialistas na tarde de hoje, mas não conseguiu. A reportagem entrou em contato com o grupo de comunicação Marajoara, mas as ligações telefônicas não foram atendidas. O UOL enviou e-mail e mensagens para o WhatsApp da rádio, mas ninguém retornou até a publicação deste texto.