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PMs são condenados por elo com PCC; corrupção impedia prisões em Jundiaí

Pichação do PCC em casa do Tucuruvi, zona norte da capital paulista - 07.jul.2006 - L.C. Leite/Folhapress
Pichação do PCC em casa do Tucuruvi, zona norte da capital paulista Imagem: 07.jul.2006 - L.C. Leite/Folhapress

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

06/02/2021 10h19

O TJM (Tribunal de Justiça Militar) condenou nesta semana dois policiais militares de São Paulo a penas de 33 anos, 7 meses e 29 dias de prisão por associação ao tráfico de drogas e corrupção. De acordo com o Promotoria, os PMs recebiam dinheiro para não prender criminosos ligados ao PCC (Primeiro Comando da Capital) e para facilitar o andamento do tráfico da facção em Jundiaí, no interior do estado.

Condenados, o soldado José Vinícius Peres Maffa e o cabo Alex dos Santos Silva integravam o 49º batalhão, na equipe de Força Tática. Outros três policiais suspeitos foram absolvidos. De acordo com a SSP (Secretaria da Segurança Pública), apenas um dos dois condenados está detido no presídio militar Romão Gomes, na zona norte da capital. A pasta não especificou quem está preso e quem está solto.

Por meio de nota, a SSP informou que um dos PMs está detido desde 14 de fevereiro de 2020 e que ele responde a três processos administrativos em andamento. "Os outros quatro agentes estão afastados da atividade operacional e também respondem a processo administrativo", explicou a pasta.

A reportagem pediu para a secretaria e para a PM entrevistas com os policiais envolvidos, mas não foi atendida. A reportagem também não conseguiu localizar a defesa dos acusados.

De acordo com a denúncia, apresentada em março do ano passado, a Corregedoria da PM recebeu informação anônima sobre o envolvimento de policiais do 49º batalhão, de Jundiaí, com criminosos do PCC.

Relatório do órgão corregedor apontou que "os policiais militares receberiam vantagem financeira indevida para não realizar as prisões dos criminosos e favorecer e facilitar a mercancia ilícita".

Traficante ligado aos ataques de 2006

A investigação apontou que os PMs recebiam, há pelo menos 5 anos, pagamento mensal de chefes do PCC. Não há, entretanto, certeza sobre datas. Entre os criminosos, foi identificado o traficante Gelson Gomes, o Gelsinho.

A Promotoria diz que Gelsinho é líder do PCC, dominava a venda de drogas no Morro São Camilo, em Jundiaí, e foi acusado de matar um policial na série de ataques que o PCC promoveu contra forças de segurança em maio de 2006.

Ainda de acordo com a denúncia do MP, após a prisão de Gelsinho, em 2012, seu primo Cleison Gomes da Cruz, conhecido como Nenê ou Gordo, passou a gerenciar o trafico de drogas no local. E, consequentemente, ficaram responsáveis por corromper financeiramente policiais para evitar que o tráfico na região fosse interrompido.

"Cleison Gomes da Cruz foi objeto de interceptações telefônicas por parte da Corregedoria, sendo confirmado seu protagonismo e posição de chefia no gerenciamento de diversos pontos de comércio de cocaína, crack e maconha no Bairro São Camilo", diz o MP.

A denúncia aponta que identificou, em diversas conversas telefônicas monitoradas legalmente, que Nenê ou Gordo falava com integrantes da organização criminosa sobre pagamento de valores. "As conversas indicam que tais valores seriam destinados a agentes públicos, em específico como forma de propina a policiais militares da região para que não reprimissem o comércio espúrio", diz.

Foi anexado aos autos que um sargento relatou que, durante uma abordagem a cinco suspeitos no início de abril de 2019, no bairro do São Camilo, o traficante Nenê ou Gordo se aproximou e disse: "Ô, senhor! Tá travando aí por que? Já chegou para o Alex e o Maffa, cobra eles!".

Conversas entre Maffa e Alex

Na manhã de 4 de abril de 2019, o soldado e o cabo se falaram pelo telefone após a denúncia que o sargento fez sobre os dois. A conversa, grampeada, foi transcrita por peritos e anexada ao processo. Durante a conversa, eles disseram:

- Maffa: Ah! Ele chamou eu pra conversar no alojamento, começou a falar uns baguio, tá ligado?. Aí eu neguei até a morte, né mano?
- Alex: Tá certo.
- Maffa: Agora assim (...) Fala, mano, na moral, tiozão, já tinha falado procê que o baguio que ele não tava no baguio, tinha falado faz tempo isso aí. Entendeu? Que ia fechar só nós. Só que nós tem que trocar ideia com ele, mano, se ele fala um baguio nós vai matar ele, mano.
- Alex: Não...
- Maffa: Tem que ser na ameaça memo.
- Alex: Não, meu, é conversa dele com conversa nossa.

Na tarde do dia seguinte, Alex ligou para um número de telefone cadastrado no nome do filho do traficante Nenê ou Gordo. Disseram:

- Alex: Ô fio, eu acho que o pequenininho vai querer subir aí pra querer tro... trocar ideia hoje, se puder ficar do mocó, já fica de mocó, fio. Beleza?
- Nenê: Cê tá hoje aí?
- Alex: Nós tamo por Jundiaí, fio. Ele vai querer subir aí, porque vai ficar aquele negócio cê falando uma coisa e nóis falando outra, vai ficar aquela coisa chi...complicada, entendeu?
- Nenê: É só cê falar que as ideia é pucê e não é com ele, já era mano.
- Alex: Meu, já falaram ma o cara não entende, 'Joe', o cara tá... tá de birrinha com nóis, tá querendo ferrar nóis, entendeu? Entendeu?

Na noite do dia seguinte, também por telefone, eles dialogaram sobre contar para um sargento que o traficante os chamou para um acordo. Segundo a Promotoria, assumiram que ambos já tinham recebido dinheiro e que, se negassem o recebimento de mais dinheiro, teria de prender o traficante por meio de um flagrante forjado:

- Alex: Vou falar que o Gordão...vou falar que o Gordão chamou nóis pra fechá, vou falá o quê? Vou fala que nós tamo...
- Maffa: Não, vai fala que nóis tamo pá, que nóis tá pegando eu e ocê, nêgo...e no nosso nome, já era, entendeu? Catâmo cinco ou seis vez e...assumir nosso BO. Que nóis nunca demo o nome dele, certo? Que se fosse no nome dele o baguio chegava três, não era duas.
- Alex: Hum!
- Maffa: E pau no gato. Eu pensei nisso daí.
- Alex: O que que o Bomba disse?
- Maffa: O Bomba falou que tem duas saídas, ou nóis batê o pé que não...
- Alex: Hã?
- Maffa: Só que nóis vai tê que prender o Gordo.
- Alex: Hã. Foda.
- Maffa: Mostra procêis que nóis não tá e pá, e nóis vâmo prender o Gordão, mochilona, pá...
- Alex: Sei.
- Maffa: E a outra ideia é mijar pro noventa, falá que nóis tá memo. Entendeu? Mas ele acha que a segunda hipótese ainda, como nós já falamô que não, mantê...vai firmá nisso daí. Entendeu?
- Alex: Firmá no que? Que não, e dá um grampo no Gor...Gordão?
- Maffa: Isso. Catá o Gordão, chama na ideia, catá uma mochila na croco, metê o grampo e já era.

Outras conversas foram transcritas na denúncia. Na tarde de 9 de abril de 2019, eles conversaram sobre uma reunião que definiria se eles continuariam no batalhão, porque o que estava ocorrendo havia chegado a outras pessoas. Dois dias depois, se falaram preocupados com a conversa que um capitão agendou com um deles. "Cê acha que os cara vai levá esse baguio pro Capitão? Cê é loco?", perguntou o soldado ao cabo.

Dinheiro do PCC para PMs

De acordo com o MP, "resta claro que os denunciados se associaram, de forma estável e permanente, ao traficante membro do Primeiro Comando da Capital de vulgo Gordo/Nenê e aos demais traficantes por ele gerenciados, a fim de facilitar a prática do tráfico de drogas nos pontos de droga existentes no Bairro São Camilo, por meio da não repressão da prática criminosa que, por função, estavam obrigados a realizar".

Em apenas uma ação, realizada em 5 de junho de 2019, o soldado Maffa conversa com uma mulher para pegar, no estacionamento de uma lanchonete fast-food, o pagamento de R$ 50 mil feito pelo tráfico de drogas:

- Maffa: Quanto que você vai dar pra ela nega?
- Mulher: R$ 1.000, por que eu não recebi nada ainda entendeu?
- Maffa: Você vai me dar os 50 (entende-se R$50.000) redondo?
- Mulher: Sim, colega, ta dentro da sac(...) tá tudo certo, meu!
- Maffa: Eu vou dar mais dois (R$ 2.000) da minha parte, beleza?
- Mulher: Meu eu vo catá, vou ter dar a sacola e vou sair fora.
- Maffa: Tá bom, nós nem vai trocar ideia?
- Mulher: Não, não dá pra mim falar! Não posso, eu não to sozinha.
- Maffa: Tá bom.

Na noite de 11 de junho de 2019, eles voltam a se falar por telefone. Na ligação, fica claro, segundo o MP, que restou um saldo de R$ 83.000 devidos pela mulher colocada pelo PCC para distribuir o dinheiro aos policiais:

- Mulher: Ela so vai marcar em tal lugar, dai eu te aviso daí você vai.
- Maffa: Então ta bom. O dia que você falar com ela, já que vai demorar trinta dias, ce fala pra ela que eu não quero picado mais, que eu quero que ela vem com o resto todo.
- Mulher: Quanto falta?
- Maffa: Faltam R$ 83.000.
- Mulher: Tá.
- Maffa: Oitenta e três, ela deu cinquenta, entendeu? Sabe por que nega, eu to sem nada, eu não fiquei com um real.

Outras conversas sobre dinheiro foram transcritas na denúncia. A Promotoria diz, no entanto, ser impossível saber quanto os PMs conseguiram ganhar dos traficantes do PCC, uma vez que não se sabe ao certo há quanto tempo havia a extorsão.

As condenações foram sentenciadas pelo juiz militar Ronaldo João Roth.