Lockdown em Santos: 'Estão nos matando de fome para conter esse vírus'
O primeiro dia de lockdown na cidade de Santos, litoral de São Paulo, foi marcado por ruas quase desertas. Lojas e estabelecimentos amanheceram com suas fachadas cobertas por faixas, placas e avisos informando sobre os sistemas de entrega. Sob as marquises dos edifícios, grupos de motoboys aguardavam chamadas para entrega.
O Boulevard, movimentada passarela de pedestres e tradicional ponto de vendas de importados, permaneceu vazio. Apesar de o sistema take away (pegar e levar) estar proibido durante esta fase, alguns restaurantes funcionavam com meia porta aberta, atendendo aos clientes. Bancas e lojas de conveniência, que não estão incluídas na lista de serviços essenciais, também permaneceram abertas.
No bairro do Gonzaga, conhecido por seus restaurantes e opções de lazer, muitos estabelecimentos permaneceram fechados ao público. Sem a clientela costumeira, funcionários passaram a manhã se entretendo em seus celulares, sem muito o que fazer —o suficiente para despertar o temor de uma possível demissão.
"Conversei com vários amigos e colegas hoje, está todo mundo com medo [da demissão]. Primeiro dia de lockdown e parece que os clientes nem querem pedir por delivery", reclamou o garçom de um conhecido restaurante do bairro, que pediu para não ser identificado. "Desde que começou a pandemia, o patrão já mandou embora uns 15 [funcionários]. Hoje ele ficou me olhando feio. Acho que o próximo sou eu".
Gerente administrativo de uma das lanchonetes mais tradicionais de Santos, o Lanches Sevilha, Rone Nascimento Silva, 34 anos, afirmou que, em 24 horas, o movimento caiu 95%. "Uma das características do nosso negócio é o movimento no salão. A coisa já não estava boa antes, mas agora se tornou inviável. Se a gente tiver que ficar um mês assim, não sei como vai ser", disse ele. "Na Fase Vermelha do Plano São Paulo, já tínhamos perdido 60% dos clientes. Agora, que só pode ter delivery, o movimento é quase zero."
Silva conta que a casa, com 58 anos de fundação, se viu obrigada a cortar 14 funcionários (dos 23, restaram 9). "Do jeito que a coisa vai indo, vai piorar. Eu não julgo o governo, pegaram um país falido. Mas também nem defendo o Bolsonaro. A única coisa que eu queria era que o governo nos aliviasse na questão dos impostos. E que o povo realmente respeitasse os protocolos de segurança e as restrições. Muito da culpa do que está é do próprio povo."
O movimento foi quase zero também no ponto de táxi mais famoso de Santos, na Avenida Ana Costa. Aos 78 anos e com trombose nas duas pernas, o taxista Valdir Jacob passou a manhã à espera de um cliente. "É um desespero só. Aqui [no ponto de táxi] o movimento caiu 100% de ontem para hoje. Em 3 horas, já era para ter feito oito, nove corridas. Hoje fiquei 5 horas e não peguei ninguém", contou ele.
'Prisioneiros em casa'
O entregador de alimentos Maicon Santos, 29 anos, não concorda com as medidas restritivas adotadas na cidade. "É muita frescura. Estão matando a gente de fome para conter esse vírus chinês, fechando tudo. É muita burrice. Meus colegas todos acham isso também", disse ele, que antes da pandemia trabalhava como auxiliar de escritório. "Agora a gente tem que usar essa porcaria de máscara, porque se a gente entrega sem ela, a pessoa não quer [receber o pedido]."
Maicon contou que a mãe morreu há cerca de três meses com o diagnóstico de covid-19, mas que, para ele, é uma mentira inventada pelo Governo do Estado para "tornar os cidadãos prisioneiros". "Ela tinha sopro no coração, foi isso que matou ela. Não esse vírus aí que ficam falando. Quem é que já viu para provar que ele existe mesmo?".
Moradora do interior de São Paulo, a dona de casa Laura Regina Silveira, 68 anos, que passeava sem máscara com seu cachorro, contou que decidiu passar um tempo no litoral com a filha, que vive sozinha em um espaçoso apartamento de frente para o mar. Ela contou que, no lockdown, é como ser prisioneira na própria casa. "Estou cercada de gente medrosa que quer ficar escondida no apartamento. Eu não. Eu saio mesmo. Quero é viver, respirar esse ar puro."
Quem descumprir as regras do lockdown, que vai durar até o dia 4 de abril em Santos e nas demais cidades da Baixada Santista, estará sujeito a multas que variam entre R$ 300 e R$ 10 mil. A fiscalização fica por conta da Polícia Militar, Guarda Municipal, Procon e Sefin (Secretaria Municipal de Finanças).
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