Movimento negro tenta na Justiça obrigar Fundação Palmares a manter livros
Após a Fundação Cultural Palmares (FCP) decidir excluir mais de 90% de seu acervo de livros, folhetos ou catálogos, a Coalizão Negra por Direitos, que reúne cerca de 200 organizações dos movimentos negros, ingressou com uma ação civil pública contra a entidade e seu presidente, Sérgio Camargo nesta quarta-feira (16).
A essência da Fundação Palmares é exatamente preservar essa história. O que está havendo é um total desmonte com viés ideológico de tentar desvirtuar o propósito da fundação. É mais do que apenas tentar se livrar de livros
Sheila de Carvalho, advogada da Coalizão
A decisão da FPC teve como base o relatório intitulado "Retrato do Acervo: A Doutrinação Marxista", publicado pela na sexta-feira (11). O documento foi elaborado pela equipe de Marco Frenette, coordenador-chefe do Centro Nacional de Informação e Referência da Cultura Negra, cargo que assumiu em março deste ano. Antes, foi assessor de Roberto Alvim, demitido da secretaria da Cultura do governo Bolsonaro por apologia ao nazismo.
A comissão responsável pelo relatório considerou que 5.300 livros, folhetos ou catálogos têm temática alheia ao escopo do órgão e que só 478 obras estão dentro da missão institucional da Fundação. Isso corresponde a menos de 10% do acervo.
É a reprodução de uma mentalidade revolucionária e alheia à realidade do negro, usando-o como massa de manobra
Fundação Cultural Palmares, no relatório "Retrato do Acervo: A Doutrinação Marxista"
Procurada pela reportagem do UOL para explicar como será feito o descarte dos livros e a doação dos mesmos, a Fundação Palmares não se manifestou até o fechamento desta reportagem. Em suas redes sociais, Sérgio Camargo explicou que todo o acervo selecionado será doado.
Douglas Belchior, membro do movimento de educação popular Uneafro Brasil, lembra que a Fundação Palmares é um espaço conquistado pela sociedade brasileira e pelo movimento negro organizado para preservar e promover valores culturais, sociais, históricos e econômicos da influência e da presença negra. Por isso, não pode ser desconstruída de acordo com a vontade do governante do momento.
"A postura e ações promovidas por Sérgio Camargo são contraditórias com a existência da Fundação Palmares. Essa do acervo é mais uma que nos indigna e causa revolta porque ela é muito simbólica. Abrir mão da produção teórica, do conhecimento da própria produção brasileira é muito grave. É fruto de uma observação pouco qualificada na medida em que há reconhecimento público e notório dessas obras", analisa.
Pouco tempo depois da publicação do relatório, o Conselho Estadual dos Direitos do Negro do Rio de Janeiro (Cedine/RJ) também entrou com uma ação na Justiça Federal para tentar impedir a exclusão do acervo. De acordo com o presidente do órgão, Luiz Eduardo Negrogun, este movimento demonstra que há uma campanha deliberada para desconstruir a fundação.
"Você lê um livro e tira suas conclusões. Não pode ter apenas uma vertente que é o que querem impor. O que ele [Sérgio Camargo] está fazendo é aprofundar essa visão distorcida e equivocada de ultradireita. São livros como de Lélia Gonzalez e várias outras escritoras e escritores negros que exercitam a prática do pensamento e da discussão", explica.
Esta não é a primeira vez que entidades do movimento negro entram na Justiça contra o presidente da Fundação Palmares. A Coalizão Negra por Direitos já havia protocolado no Ministério Público Federal (MPF) um pedido de afastamento do presidente depois de diversas declarações de Camargo consideradas racistas. Ele chegou a ser impedido pela Justiça de assumir a direção da entidade em dezembro de 2019 — a medida foi revertida pouco depois. Outra ação do MPF, provocado pela Coalizão Negra, impediu que a Fundação Palmares fosse impedida de esvaziar a lista de personalidades negras da instituição.
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