Com dobro de registros de porte, nº de armas destruídas é menor da história
Enquanto os novos registros de armas de fogo dobraram em 2020 no Brasil, o número destes equipamentos ilegais destruídos pelo Exercito caiu pela metade. Os dados fazem parte do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado ontem (15) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Os pesquisadores relacionam a queda drástica de destruição à política armamentista defendida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e veem ligação também com o crescimento das chamadas mortes violentas intencionais após dois anos de queda.
Foram destruídas 62.366 armas apreendidas pelas forças de segurança no país no ano passado —o menor índice registrado pela série histórica, que começou em 2009. É uma tendência desde o começo do governo Bolsonaro, que defende mais acesso às armas desde a campanha eleitoral para a Presidência da República de 2018.
Em 2019, primeiro ano de gestão do governo federal, o Exército contabilizou 125.860 armas destruídas, 66 mil a menos em comparação com o ano anterior.
Para se ter uma ideia, foram destruídas 305.462 armas apreendidas em 2012, o maior registro da série histórica —índice quatro vezes maior em comparação com o registrado em 2020. Em anos anteriores, as cerimônias para destruição de armas eram eventos importantes para o Exército e para organizações ligadas à Segurança Pública e aos Direitos Humanos.
"Há medidas para facilitar o reaproveitamento das armas apreendidas, que passam a ser usadas por forças de segurança. Mas, ainda assim, não geraria uma queda tão drástica, como vemos nos dados. Isso está dentro desse conjunto da obra de facilitação ao acesso às armas defendida pelo governo federal", analisa a advogada Isabel Figueiredo, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Não é surpresa termos atingido o menor índice histórico de destruição de armas ilegais. E isso contribui para o aumento no número de mortes, porque essas armas acabam indo para as mãos de criminosos. É mais uma faceta dessa lamentável e irresponsável política que está sendo adotada no Brasil. Estamos vivendo uma era armamentista do 'liberou geral' do governo federal
Daniel Cerqueira, coordenador do Atlas da Violência
O estudo "Menos armas, mais jovens: violência armada, violência policial e comércio de armas", divulgado na terça-feira (13) pelo Instituto Sou da Paz, identificou o desvio de 323 armas e 18 mil munições das forças federais do Brasil nos últimos cinco anos. O levantamento, elaborado com base em dados obtidos via LAI (Lei de Acesso à Informação), ainda identificou outras 185 armas desviadas das polícias estaduais entre 2015 e março de 2020.
O Exército foi procurado pelo UOL, mas não respondeu aos questionamentos até a publicação desta reportagem. Caso haja posicionamento, ele será incluído no texto.
Bolsonaro publicou quatro decretos que facilitam o acesso às armas em fevereiro deste ano. Em abril, a ministra Rosa Weber, do STF (Supremo Tribunal Federal), suspendeu trechos dos decretos. A magistrada invalidou a norma que aumentava de quatro para seis o limite de armas de fogo que um cidadão pode adquirir, desde que preenchesse os requisitos necessários para obtenção do certificado de registro. Ela também suspendeu a permissão para policiais, magistrados, agentes prisionais e integrantes do Ministério Público na compra de duas armas de uso restrito.
Novas armas registradas dobraram em 2020
Alavancados pela política do governo federal, os novos registros de armas de fogo no país dobraram em 2020. Pela primeira vez, há mais armas registradas nas mãos de CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores) do que com policiais militares para uso próprio.
Foram mais de 186 mil registros de novas armas no ano passado, segundo informou o anuário.
Em 2020, foram contabilizadas quase 1,3 milhão de registros de arma de fogo ativos no país. Também houve alta na importação de armas longas autorizadas pelo Exército —o índice mais que dobrou em 2020 em comparação com o ano anterior.
"A gente está importando carabinas e fuzis, reproduzindo a cultura norte-americana de que a população pode escolher a própria arma. A consequência disso é o crescimento de mortes por arma de fogo", diz Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Ele ainda citou a pesquisa inédita de opinião feita nesta edição do anuário, que ouviu profissionais de segurança pública em todo o país. De acordo com o levantamento, apenas 10% apoiam a liberação ampla para porte e posse de arma de fogo no país.
A política do 'liberou geral' do Bolsonaro não é apoiada nem pelos próprios policiais. Porque são eles que vão ter que lidar com o problema."
Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
A pesquisadora Isabel Figueiredo também vê um impacto da política armamentista defendida pelo governo federal em casos de homicídio, violência doméstica e até em suicídios.
"São mais armas em circulação. E sabemos quais são as consequências disso. O governo federal fragiliza os critérios, facilitando o acesso às armas. Faz o discurso armamentista, na contramão do resto do mundo. Essas armas são compradas legalmente pelo tal 'cidadão de bem' e migram para o crime, já que são roubadas e vendidas", argumenta.
Os pesquisadores ainda relacionam a alta de armas nas mãos da população com os casos de feminicídio."Uma arma dentro de casa pode antecipar desfechos violentos para uma mulher vítima de violência doméstica. Se há uma arma de fogo, ela pode ser assassinada mais rapidamente e com mais facilidade", argumenta Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O número de apreensões de armas feitas pelas polícias Civil e Militar em todo o país permaneceu estável de 2019 para 2020, também de acordo com anuário, com queda de 0,5% —foram contabilizadas 109.137 apreensões.
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